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Congresso pede ao STF a suspensão imediata de decisões de Dino sobre emendas
Presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), são pressionados pelo STF a partilhar recursos com governo em nome da transparência do dinheiro público.| Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

O acordo anunciado nesta terça-feira (20) entre Executivo e Legislativo no sentido de estabelecer novas regras para emendas parlamentares evidenciou a força da intervenção do Judiciário em parceria com o governo, mas ainda não pôs fim ao embate entre os poderes pelo controle do Orçamento da União. Após a negociação de quatro horas no Supremo Tribunal Federal (STF), mediada pelo seu presidente Luís Roberto Barroso, os presidentes do Congresso e os representantes do governo acataram o prazo de 10 dias para regulamentar uma maior transparência na liberação das verbas.

Enquanto isso, seguem valendo as decisões liminares do ministro Flávio Dino, do STF, confirmadas por unanimidade pela Corte e que suspendem o pagamento das emendas. Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o STF agiu para frear a liberação automática de R$ 36,6 bilhões em emendas impositivas. sem controle governamental. Em paralelo, ressentimentos e disputas por verbas entre o Palácio do Planalto e líderes do Congresso deverão prosseguir.

No papel de árbitro de conciliação, mas também como advogado de demandas do governo, Barroso anunciou o entendimento construído no prolongado almoço no STF com seus ministros, o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além do ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o advogado-geral da União, Jorge Messias. Ao final, a cúpula dos poderes expressou o discurso comum em defesa da transparência e da rastreabilidade do dinheiro das emendas.

Nas negociações que se desdobrarão nos próximos dias, a questão mais complexa envolve as emendas parlamentares individuais de transferência especial, as chamadas “emendas pix”, que enviam recursos para destino livre de apresentação de plano de trabalho. “Isso não poderá permanecer”, disse Barroso ao fim do encontro marcado por tensões e constante troca de acusações entre governo e Congresso. Informações de bastidores dão conta de que Arthur Lira se queixou da inclinação do Judiciário em favor do Executivo, desequilibrando a negociação, o que teria sido evidenciado em decisões que interromperam repasses das emendas.

Reunião expôs tensão entre Câmara e Casa Civil por verbas de comissão

O presidente da Câmara se queixou da ação supostamente orquestrada por Dino, como aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seguida da chancela do plenário da Corte. O ministro do STF chamou de “rachadinha” as emendas de bancada, modalidade em que parlamentares definem prioridades para os estados. Rui Costa, que representou Lula, e o presidente da Câmara bateram boca em torno do uso da expressão "rachadinha", que desagradou os representantes do Parlamento.

Rodrigo Pacheco afirmou em entrevista coletiva que o mau uso de dinheiro público não é exclusivo de emendas. “Há uma série de casos de desvio de recursos, que devem ser vistos como exceções e combatidos pelos órgãos de controle, sem inviabilizar a execução orçamentária sob o argumento de que tudo está errado”, disse. Para ele, emendas individuais, de bancada e de comissão são instrumentos legais e legítimos de participação orçamentária pelo Legislativo, mas devem sofrer ajustes “para se buscar o máximo possível de transparência”.

Em meio à hipótese aventada de extinção das “emendas pix”, os representantes dos poderes decidiram pela continuidade delas desde que definam previamente objeto e finalidade dos recursos, que se dê prioridade para obras inacabadas e prestação de contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). “O Orçamento pertence ao Brasil e é feito tanto pelo Executivo quanto pelo Legislativo”, pontuou Pacheco.

STF indicou necessidade de Congresso partilhar verbas com as obras do PAC

Segundo nota do STF, as emendas de bancada “serão destinadas a projetos estruturantes em cada estado e no Distrito Federal, de acordo com a definição da bancada, vedada a individualização”. Já as emendas de comissão “serão destinadas a projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo”. Os termos sugerem uma indicação favorável a projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.

Quanto às demais emendas individuais também continuam com impositividade, mas nos termos a serem estabelecidos “em diálogo institucional entre Executivo e Legislativo”. A Corte também definiu que Congresso e o Palácio do Planalto definirão o valor das emendas parlamentares sem superar o aumento total das despesas discricionárias (não obrigatórias). 

Nos últimos anos, os governos foram gradativamente perdendo poder sobre a execução do orçamento federal. Em 2015, o Congresso aprovou o orçamento impositivo, por meio do qual as emendas destinadas a deputados e senadores devem ser pagas, obrigatoriamente, pelo governo. No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram instituídas as “emendas pix” e foi amplianda a fatia de recursos sob controle do Legislativo. Atualmente, o Congresso detém cerca de R$ 60 bilhões do Orçamento, o que representa quase o mesmo volume comandado pelo Executivo em verbas não obrigatórias.

Poder moderador do STF tenta superar o impasse orçamentário, mas briga continua

A aparente concessão de Lira e Pacheco ao governo e ao STF ainda não destravou o pagamento das emendas, que depende do acerto entre Congresso e Executivo. Na prática está em jogoo percentual das emendas de comissão que será destinado às obras eleitoreiras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

De toda forma, a reunião da cúpula dos poderes reforçou a ideia de que o STF se consolidou como moderador, inclusive na destinação de verbas orçamentárias, cerceando os presidentes das Casas legislativas. Antes usada para negociações internas do Congresso, a gestão das emendas de comissão tende agora a ser dividida com a Casa Civil, a mando do Judiciário.

Leonardo Barreto, diretor da consultoria política I3P, destaca que o alcance do acordo ainda é limitado, como mostrado pela troca de ameaças ainda mantida entre os poderes. “A suspensão das emendas impositivas por Dino permanece, a PEC que restringe decisões monocráticas do STF segue tramitando na Câmara e o governo continua disputando mais recursos do Orçamento para financiar o PAC”, resume.

No entanto, os investimentos do governo no PAC têm atraído pouco interesse dos parlamentares. Em 2023, de R$ 50 bilhões disponíveis, apenas R$ 241 milhões foram destinados ao programa, nenhum deles por parlamentares do PT. “O jogo está longe de acabar; só entrou em fase de negociação tutelada pelo STF. O Congresso manteve o poder orçamentário, essencial para o equilíbrio de forças, mas Lira e Pacheco terão de acomodar o PAC nas emendas de comissão. Até lá, todos continuarão mostrando suas armas uns para os outros", conclui Barreto.

Bloqueio de emendas gerou retaliação da Câmara contra o STF, ainda mantida

Na última quarta-feira (14), Dino decidiu que os repasses das emendas impositivas deveriam ficar suspensos até que Legislativo e Executivo criem medidas de transparência e rastreabilidade das verbas. Apenas as emendas destinadas a obras em andamento e para atendimento de situação de calamidade pública poderiam ser pagas. No início de agosto, o ministro já havia suspendido as “emendas pix” de deputados e senadores, para transferências diretas para estados e municípios. Os órgãos de controle e a PGR foram mobilizados para fiscalizar esses recursos.

Em retaliação ao STF após as decisões de Dino tomadas na quarta-feira (14) e confirmadas na sexta-feira (16), Lira decidiu encaminhar para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, já aprovada pelo Senado e que limita decisões monocráticas de ministros da Corte Suprema e a PEC 28/2024, que dá ao Congresso o poder de sustar decisões do STF. As iniciativas seguem embaladas pelo nível de tensão ainda percebido.

Especialista vê no acordo possível redução no volume de emendas

Para o cientista político Ismael Almeida, o acordo entre os poderes é irrelevante do ponto de vista formal e técnico, pois a legislação atual já garante rastreabilidade e transparência nas emendas. Ele argumenta que a suspensão dos pagamentos visou dar ao governo uma chance de renegociar com o Congresso, tendo o STF como defensor. Portanto, o especialista não espera inovações práticas, mas, no máximo, uma redução no volume de emendas.

Almeida esclarece que as "emendas Pix", previstas na Constituição como uma modalidade das emendas impositivas, seguem as mesmas regras de fiscalização. A diferença é que, em uma, o parlamentar define a área de aplicação dos recursos, enquanto, na outra, é o município que decide. No entanto, há normas claras: o beneficiário deve indicar onde os recursos serão aplicados, notificar os órgãos de controle e comprovar a execução, com todas as informações acessíveis ao público.

“Se esses instrumentos são insuficientes ou se há críticas ao poder do Congresso sobre o Orçamento, essa é uma discussão que deve ocorrer no âmbito político, não judicial”, conclui.

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