Ouça este conteúdo
O recente atrito entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Marcos Pontes (PL-SP) soma-se a mais um capítulo do descontentamento de parte da oposição com acordos feitos pelo ex-mandatário com o Centrão para a eleição das Mesas Diretoras do Congresso Nacional. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Bolsonaro acaba colocando a fidelidade dos aliados mais próximos à prova ao adotar uma posição pragmática.
Pontes lançou sua candidatura independente à Presidência do Senado para confrontar o favorito Davi Alcolumbre (União-AP), do Centrão. O projeto do ex-astronauta é levar a plenário o mais rápido possível os pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que foram engavetados pelo atual presidente, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Um desses pedidos, contra Alexandre de Moraes, foi assinado por 1,5 milhão de pessoas e 150 deputados.
Mas ele foi repreendido por Bolsonaro, que havia negociado o apoio do PL a Alcolumbre, mesmo sabendo ser improvável que ele dê seguimento a projetos que reduzam o poder do STF - exceto se o Supremo avançar sobre prerrogativas do Senado ou decidir investigar seus membros, segundo analistas políticos.
“Você está pensando somente em você. É lamentável isso daí. De vez em quando a gente é obrigado a engolir sapos para poder comer uma rã frita, lá na frente", disse Bolsonaro nesta semana em uma entrevista à rádio Auriverde.
O argumento de Bolsonaro é de que a oposição não tem condições de ganhar a eleição e, se não apoiar Alcolumbre, pode acabar isolada e sem cargos na Mesa Diretora. É por meio da presença na Mesa Diretora que o PL deseja participar de negociações e obter a presidência de comissões, nas quais o partido poderá facilitar ou dificultar a tramitação de projetos de lei.
"Não é para nós, é para o povo brasileiro. Eu não quero uma vaga na Mesa para ter cargo. Mas quando você não tem uma vaga na Mesa, em média 80 cargos por vaga, você está dando este espaço para outro partido, de oposição a nós. Isso fortalece o outro lado, por causa de uma ambição pessoal. É lamentável", disse Bolsonaro em uma fala claramente endereçada a Pontes.
Pontes vem dizendo que sua candidatura independente não prejudica o PL e não acredita em retaliação dentro de seu próprio partido. "Estou defendendo a pauta que o partido defende. Não teria razão nenhuma do partido fazer uma retaliação", disse em entrevista para o canal de TV a cabo CNN Brasil.
À Gazeta do Povo, Pontes afirmou que sua postura "não se trata de benefício pessoal, mas sim de um compromisso firme com a população", afirmou.
No ano passado, a mesma insatisfação que marca a decisão de Marcos Pontes também foi registrada por deputados federais do Partido Liberal quando a sigla aceitou postergar o debate sobre a anistia aos presos de 8 de janeiro e apoiou a candidatura de Hugo Motta (Republicanos-SP), favorito na disputa pela sucessão de Arthur Lira (PP-AL).
Para a ala mais ideológica, apelidada de "raiz", a bancada de oposição tinha condições de lançar a candidatura do deputado Altineu Côrtes (PL-RJ) para fazer frente ao candidato de Lira. Entretanto, Bolsonaro e a cúpula do PL convenceram os parlamentares de que a melhor opção seria seguir a indicação do atual presidente da Câmara - em uma lógica similar de garantir poder e cargos em sua gestão.
O anúncio de Pontes não é novo. Em 29 de outubro do ano passado, o congressista já havia declarado que disputaria a presidência do Senado contra Davi Alcolumbre, favorito para suceder Rodrigo Pacheco no comando do Congresso. No entanto, a expectativa era de que o senador desistisse da candidatura por conta dos acordos firmados entre o PL e Alcolumbre para participar da composição da próxima Mesa Diretora - o que não ocorreu.
"Chegou o momento de transformar os discursos feitos nas redes sociais, nas tribunas e nas manifestações, como as da Avenida Paulista, em atitude. O voto de cada senador será decisivo para definir os rumos do Senado, sua soberania e o futuro do Brasil", disse Pontes à Gazeta do Povo.
Agora a parte majoritária do PL e Bolsonaro tentam se afastar de Pontes e deixar claro que sua atitude de confrontar o Centrão foi um ato isolado.
Após Bolsonaro questionar a postura do senador e salientar que deixou de apoiar o deputado Marco Feliciano (PL-SP) para a presidência da Câmara, Pontes publicou em seu perfil no “X” que a “arrogância pode fechar portas”. Apesar de não citar Bolsonaro nominalmente, o texto foi interpretado como uma crítica direta ao ex-presidente. Nos bastidores do PL, o conflito entre Bolsonaro e Pontes tem gerado repercussão.
Segundo o cientista político Juan Carlos Arruda, a situação entre o ex-presidente e o senador expõe o dilema entre a realidade política do Congresso Nacional e os desejos da oposição de reformular os sistemas de conchavos e negociações em vigor.
“A movimentação em torno de Marcos Pontes e a eleição para as presidências da Câmara e do Senado refletem um cenário político em que até os mais críticos à negociação política, como o ex-presidente Bolsonaro, acabam reconhecendo sua inevitabilidade no Congresso”, analisa Arruda, que também é CEO do think tank Ranking dos Políticos. Ele explica que esses contextos demandam articulação e construção de consensos, especialmente durante disputas pelo poder interno na Câmara e no Senado.
Arruda observa que a posição do senador paulista exemplifica essa tendência de maior independência entre os aliados de Bolsonaro. “Isso pode ser explicado, em parte, pelos recentes desdobramentos jurídicos envolvendo o ex-presidente, que fragilizam sua capacidade de influenciar e impor uma coesão plena entre os apoiadores”, pontua.
Apesar disso, ele ressalta que essa autonomia não significa necessariamente um rompimento, mas sim um reposicionamento estratégico de algumas lideranças para garantir suas trajetórias políticas em um ambiente de incertezas.
Oposição se divide entre críticas e apoio a Marcos Pontes
A posição do ex-ministro da Ciência e Tecnologia de Bolsonaro em insistir na candidatura à presidência do Senado também gerou divisão entre membros da oposição. Enquanto alguns parlamentares veem com bons olhos uma alternativa ao nome de Davi Alcolumbre, outros criticam a postura de Pontes.
Para o deputado federal Mário Frias (PL-SP), a candidatura de Pontes é reflexo de um comportamento individualista. “Eu não estou surpreso com o Marcos Pontes. Quando ele era ministro deu um parecer contrário à Medida Provisória da liberdade de expressão que produzimos na Cultura. Desde lá pensava mais no próprio umbigo do que no país. Saiu de Marte para fazer besteira na Terra”, afirmou.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi ainda mais contundente e cobrou uma posição do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Presidente Jair Bolsonaro, pare de se preocupar com coisa inútil. Esse astronauta só é o que é graças ao senhor. E está só mostrando o tamanho da ingratidão e da traição. Se for candidato, vai ter o mesmo número de votos que teria se fosse de foguete sozinho para a Lua: só o dele!”
Por outro lado, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) defendeu a candidatura de Pontes como uma alternativa necessária ao nome de Alcolumbre. “Alcolumbre, com todo respeito, não dá. A gente já viu a postura do Alcolumbre no governo Bolsonaro e não foi bom para o Brasil. Ele atrapalhou o governo inúmeras vezes. Foi subserviente ao STF, foi subserviente ao jogo das emendas parlamentares”, destacou. Para Girão, é preciso “colocar os interesses nacionais acima dos interesses pessoais”.
Disputa entre alas ideológica e fisiológica da direita marca eleição no Congresso
Como o próprio Bolsonaro afirmou à imprensa, em novembro do ano passado, a oposição irá apoiar Alcolumbre para poder ocupar cargos estratégicos no Senado, como um lugar na Mesa Diretora e presidências de comissões. Por terem disputado contra Pacheco na última eleição, o Partido Liberal ficou de fora das comissões, o que, na visão da oposição, dificultou o trabalho do grupo.
O desempenho dos deputados federais da Câmara em dificultar a gestão petista é citado como exemplo do que a oposição pode alcançar se obtiver os mesmos espaços no Senado. Na Comissão de Constituição e Justiça, a deputada Carol De Tono (PL-SC) teve êxito em avançar com pautas importantes para a oposição, como o projeto que concede anistia aos presos do 8 de janeiro e a PEC sobre o aborto. Mas os assuntos não chegaram à fase final de votação no plenário por decisão do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
Os avanços são reconhecidos pela área mais pragmática da oposição como fruto de negociações e articulações políticas com o Centrão, grupo que predomina na Câmara. Por outro lado, deputados mais ideológicos entendem que a oposição não pode ceder a qualquer acordo com o grupo mais fisiológico do Legislativo. Nesse contexto, a posição de Bolsonaro em apoiar o senador amapaense é vista por esses congressistas como prejudicial às bandeiras da oposição.
A discordância de deputados mais pragmáticos com a linha mais ideológica da oposição também teve reflexos na bancada do PL, que no último ano perdeu quatro deputados que se identificavam mais com o Centrão. Entre os parlamentares que optaram por deixar o partido estão Samuel Viana, Yuri do Paredão, Luciano Vieira e Junior Mano.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo no início deste mês, o deputado federal Samuel Viana (hoje no Republicanos-MG) relata que a pressão da direita “raiz”, como é chamada essa ala do partido, resultou na sua saída.
“Os parlamentares da ala extremista não aceitavam que outros parlamentares tinham outro perfil. Queriam impor para votarem tudo contra [a esquerda]”, relata. “Isso gerou um conflito interno, então eu entendi que, para ter esse perfil moderado, eu teria que sair do partido”, disse Viana.
Do lado do PL, as baixas foram vistas como “insignificantes”, já que o partido pretende ampliar seu número em 2026. Congressistas e assessores, que pediram para não ter o nome revelado, argumentam que a partida desses parlamentares representaria a saída do Centrão de dentro do PL, o que poderá garantir uma bancada mais alinhada com os princípios ideológicos.
Oposição dá voto de confiança a Motta e lembra do passado para rejeitar Alcolumbre
Mas qual a diferença entre aceitar Hugo Motta e rejeitar Alcolumbre? Um deputado da oposição mais próximo de Bolsonaro que disse não poder se identificar argumentou que Motta não possui o histórico de Alcolumbre, o que permitiria um voto de confiança por parte dos congressistas de direita. Já em relação a Alcolumbre, a sensação é de desconfiança. Para esse parlamentar, Motta aparenta ser mais aberto a conversar sobre os pleitos da oposição e não é de esquerda.
Na outra ponta, a postura de Davi Alcolumbre durante o governo Bolsonaro em não dar prosseguimento a pedidos de impeachment contra ministros do Supremo ainda é lembrada como o principal ponto contra o congressista. A expectativa da oposição, tanto na Câmara quanto no Senado, é de que o senador continue barrando os impedimentos contra os magistrados.
Com as investigações contra o União Brasil em curso, é esperado que Alcolumbre mantenha a linha adotada por Pacheco em não avançar sobre os magistrados nem dar andamento à anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023 - mesmo esse último ponto tendo sido articulado pela oposição no Senado com o parlamentar amapaense.
Bolsonaro usa liderança para conter dissidências e reforçar articulação política
A resposta de Bolsonaro a Marcos Pontes é vista como uma forma de o ex-presidente evitar possíveis dissidências de outros parlamentares que prejudiquem os acordos firmados com o Centrão. Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, o ex-presidente busca garantir coesão entre seus aliados, mesmo em meio a disputas internas e articulações complexas.
“Bolsonaro está usando sua força, liderança e popularidade para cortar pela raiz qualquer possibilidade de dissidência dentro de seu grupo, como no caso do Marcos Pontes”, analisa.
Para ele, o ex-presidente identificou uma tentativa de Pontes de ganhar espaço e já reagiu para frear esse movimento. “O Bolsonaro tenta evitar que um possível ‘traidor', como ele poderia ser interpretado pelo eleitorado bolsonarista, prospere politicamente.”
Cerqueira avalia que a estratégia de Bolsonaro, embora conservadora, busca assegurar posições estratégicas, como no caso do apoio ao senador Davi Alcolumbre. “Entre não ter nada e ter uma posição na nova Mesa do Senado, Bolsonaro optou pela segunda coisa”, pontua.
Mas, para Pontes, a candidatura dele não representa o risco de o PL ficar sem o espaço acordado com Alcolumbre, no caso da confirmação da vitória do senador do Amapá.
"Caso o senador Alcolumbre ganhe, minha candidatura não irá alterar os acordos firmados com o PL. Conversei antes do meu anúncio com o senador Alcolumbre e tive a palavra dele de que a minha candidatura não alterará em nada os acordos feitos entre ele e o PL. Agora, caso eu seja eleito, o partido ganhará não só o que eles almejam com o senador Davi [Alcolumbre] como também um presidente do Senado e do Congresso", afirmou o senador Marcos Pontes à Gazeta do Povo.