Enquanto a tensão política sobre as eleições na Venezuela aumenta, a dívida bilionária do país com o Brasil segue sem perspectiva de ser quitada. O montante atualizado do débito chega a US$ 1,67 bilhão (R$ 9,4 bilhões), conforme informou o Ministério da Fazenda, e remete a empréstimos feitos por governos petistas à ditadura chavista para obras de infraestrutura na Venezuela. As negociações estão paralisadas desde o ano passado e a instabilidade política no país vizinho pode retardar ainda mais um acordo.
A Venezuela passou a atrasar os pagamentos desses empréstimos em 2017. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao assumir seu terceiro mandato, tinha a expectativa de que, ao restabelecer relações do Brasil com o ditador Nicolás Maduro, pudesse desenrolar as tratativas da dívida. Para ele, a Venezuela não havia retomado os pagamentos porque o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) havia cortado as relações bilaterais com Maduro durante seu mandato.
“Vamos ser francos. Os países que não pagaram, seja Cuba ou Venezuela, é porque o [ex-]presidente [Bolsonaro] resolveu cortar relação internacional com esses países e para não cobrar e poder ficar nos acusando, deixou de cobrar e tenho certeza que no nosso governo esses países vão pagar, porque são todos amigos do Brasil e, certamente, pagarão a dívida que têm com o BNDES”, disse o petista em fevereiro de 2023.
Em contraponto ao antecessor, Lula restabeleceu o relacionamento diplomático com a Venezuela nos primeiros dias de seu terceiro mandato e marcou a nova fase ao recepcionar o ditador em Brasília, com honras de chefe de Estado, em maio de 2023. Durante a visita, Maduro afirmou que "estabeleceria uma comissão para apurar o tamanho da dívida", sugerindo que não estava de acordo com o montante apresentado pelo Ministério da Fazenda.
Em busca de encontrar uma solução para o impasse financeiro, uma mesa técnica foi instalada em julho do ano passado, com representantes do governo brasileiro e do governo venezuelano. Desde então, conforme informou o Ministério da Fazenda, ocorreram apenas duas reuniões virtuais de alto nível entre as duas partes. As negociações não avançaram e se encontraram paralisadas desde o ano passado, quando o último encontro ocorreu.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou ainda que uma equipe da Fazenda vinha tentando fazer novos contatos com representantes do regime venezuelano, mas não obteve retorno. Além das parcelas em atraso, o regime chavista tem parcelas em aberto até janeiro de 2025 que somam o valor de US$ 31 milhões.
Instabilidade política na Venezuela pode atrasar pagamentos de dívidas do país
Analistas consideram que o atual cenário político do país traz ainda mais incertezas acerca da quitação da dívida que Caracas tem com o Brasil e com outros países.
Para Vito Villar, analista de política internacional da BMJ Consultores Associados, as dívidas que a Venezuela possui com outros países devem ficar em segundo plano neste momento, dado o cenário político e econômico que o país tem enfrentado. Neste sentido, o débito do país com o Brasil também fica de lado.
"Eu diria que muito provavelmente essa questão da dívida nem deve estar em cogitação, a Venezuela ainda persiste em uma crise econômica muito grande e que, consequentemente, afeta o pagamento desta dívida. O tema não parece estar na prioridade nem do governo venezuelano e nem do governo brasileiro", avalia Villar.
Cezar Roedel, mestre em relações internacionais, avalia que, na conjuntura atual, há espaço para diversos cenários.
"Se Maduro conseguir se manter no poder, a discussão sobre o futuro se tornará irrelevante, dado que os desdobramentos seriam essencialmente incertos", pontua. Por outro lado, o especialista observa que se a oposição conseguir assumir o poder, a questão da dívida pode voltar a ser relevante. "Nesse cenário, [Edmundo González] Urrutia, conhecido por sua ampla experiência diplomática, poderia ganhar destaque", avalia.
O clima de tensão em torno da Venezuela ganhou tons dramáticos nesta semana, após as eleições presidenciais no país. Durante a madrugada da última segunda-feira (29), o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela anunciou a reeleição do ditador Nicolás Maduro com 51% dos votos. De acordo com o CNE, a apuração de 80% das urnas já apontava para um resultado "irreversível". O segundo lugar no pleito ficou com Edmundo González, da Plataforma Unitária Democrática (PUD), o principal nome da oposição, com 44% dos votos.
Os resultados, contudo, foram divulgados sem a devida comprovação. Desde então, membros da oposição e outros países cobram do regime chavista as atas eleitorais que comprovem os resultados do CNE. A suspeita sobre os números ganhou ainda mais peso depois que o site da autoridade eleitoral foi retirado do ar, inviabilizando o acesso aos documentos eleitorais.
Além disso, o Centro Carter, um dos observadores eleitorais do pleito, divulgou um comunicado na madrugada desta quarta-feira (31) afirmando que as eleições da Venezuela não atenderam aos padrões internacionais de integridade eleitoral e, por isso, não podem ser consideradas democráticas.
Desde a última segunda-feira (29), cidadãos venezuelanos estão protestando contra o resultado anunciado pelo CNE, sendo reprimidos pelas forças de segurança chavistas. Ao menos 84 pessoas foram presas e 11 mortas, de acordo com organizações não governamentais que atuam no país.
O caos político soma-se ainda à pressão internacional que o regime de Nicolás Maduro tem sofrido para comprovar os resultados das eleições. Países ao redor do mundo cobram as atas eleitorais do pleito do último domingo (28) para se posicionarem sobre os resultados divulgados pelo CNE.
Maduro comanda a Venezuela há 11 anos e tem controle sobre os principais organismos governamentais do país, inclusive o CNE, que audita e organiza as eleições. O ditador também é acusado de realizar manobras eleitorais para se manter no poder. Maduro é sucessor de Hugo Chávez, que governou a Venezuela por 13 anos.
De onde vem a dívida de US$ 1,67 bilhão
Conforme informou o Ministério da Fazenda, o valor total da dívida da Venezuela com o Brasil, até 31 de maio, era de US$ 1,67 bilhão – quase R$ 9,45 bilhões, na cotação atual. Do montante devido, ainda de acordo com a pasta, US$ 58 milhões são de prestações a vencer e US$ 1,61 bilhão em atrasos, incluindo juros de mora. Ou seja, a maior parte da dívida deve-se ao atraso dos pagamentos.
Venezuela, Cuba e países africanos foram destinos de empréstimos brasileiros para realização de obras de infraestrutura, realizadas por empresas brasileiras, particularmente a Odebrecht, durante os governos anteriores de Lula e Dilma Rousseff (PT). O dinheiro era contratado pelos países via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e repassado diretamente às empresas que realizavam as obras. Os governos eram responsáveis por devolver o valor emprestado.
Em caso de inadimplência, como ocorreu com a Venezuela, o BNDES aciona o Fundo de Garantia à Exportação (FGE) para receber o valor devido pelo país estrangeiro. A União assume a dívida e o Brasil é quem deve passar a cobrar o país devedor. O BNDES já foi indenizado em US$ 764 milhões pelo FGE – dinheiro tido como “prejuízo” aos cofres públicos, já que o fundo é mantido com recursos da União.
A instituição financeira fez empréstimos no total de US$ 1,5 bilhão à Venezuela para operações relativos a serviços de engenharia. Do valor financiado pelo BNDES, a Venezuela pagou US$ 680 milhões. Há ainda US$ 16 milhões referentes a prestações em atraso em processo de indenização e US$ 31 milhões constituem o saldo devedor de parcelas a vencer, com vencimento até janeiro de 2025.
De acordo com o Ministério da Fazenda, os pagamentos referentes a cinco operações estão inadimplentes: linha 5 do metrô de Caracas e a linha 2 do metrô de Los Teques, construção do estaleiro Astialba e da Siderúrgica Nacional, além da venda de aeronaves da Embraer à empresa estatal venezuelana Conviasa.
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