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Impedimento de Lula

Movimentação da direita para o impeachment de Lula enfrenta resistência do Centrão

Lula
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

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A oposição reúne assinaturas para protocolar mais um pedido de impeachment contra o presidente Luiz Inácio da Silva (PL). Dessa vez, após a pedalada no programa Pé-de-Meia. A queda na popularidade do mandatário e a alta inflação no preço dos alimentos são componentes que fragilizam ainda mais a situação de Lula. Mas, mesmo diante desse cenário, alguns analistas apontam que a iniciativa da oposição corre o risco de não avançar neste momento no Congresso por causa do Centrão.

Apesar disso, matéria da Gazeta do Povo mostrou que congressistas de direita entendem que já há condições políticas e jurídicas para um processo de impedimento. Para que isso aconteça, o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS), autor do pedido de impeachment, disse que é preciso haver mobilização popular. Uma manifestação está sendo organizada para 16 de março, em São Paulo, e a expectativa da oposição é alavancar esse movimento pelo afastamento do petista.

“Com o povo brasileiro indo às ruas para pedir sua saída, acredito que isso será fundamental para avançarmos com o impeachment aqui no Congresso”, disse o deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS), autor do pedido de impeachment.

Por outro lado, analistas apontam que o toma-lá-da-cá com o Centrão é um entrave ao prosseguimento do pedido, já que esse grupo tem apoiado a gestão de Lula em algumas votações, principalmente da parte econômica, em troca de cargos e liberação de emendas. Outro componente que influencia essa equação é a “parceria” do governo petista com o Supremo Tribunal Federal (STF).  

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o consenso em torno de pautas econômicas, como a expansão de gastos públicos e a criação de cargos, tem fornecido apoio parlamentar ao governo. “As medidas de expansão do gasto público e criação de novos postos na administração governamental gozam de carta branca".

Além disso, o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, observa que o “legado de polarização” deixado pelo impeachment de Dilma faz com que esse instrumento seja usado com mais cautela.

Na contramão desse entendimento, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou na semana passada que existem todas as condições políticas necessárias para que avance na Câmara dos Deputados o pedido de impeachment. O requerimento para impedir a continuidade do mandato de Lula por suposto crime de responsabilidade na execução do programa Pé-de-Meia já soma cerca de 130 assinaturas.

“Nos impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff existiam uma combinação de fatores, que foram uma crise econômica e baixa popularidade. Eu entendo que o Brasil está indo ladeira abaixo na área econômica, esse ano pode realmente ocorrer o impeachment do Lula”, disse Eduardo Bolsonaro em entrevista à CNN Brasil.

Na comparação o caso da ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu o impeachment em 2016 - também por pedaladas fiscais -, os analistas ouvidos pela reportagem apontam que o cenário à época era ainda mais grave do que o de Lula neste momento.

No final de 2015, o atrito entre Dilma e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, garantiu que o pedido de impeachment avançasse. Parte desse conflito se iniciou quando a ex-presidente resolveu apoiar o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), orientando a base governista a atuar contra Cunha. O embate resultou em questões econômicas da época e culminou nos erros jurídicos cometidos pelo governo nas contas públicas.

Para o deputado federal Mendonça Filho (União-PE), ex-coordenador do impeachment de Dilma Rousseff,  Lula possui vantagens no campo político em comparação com Dilma, especialmente no que se refere à construção de alianças parlamentares. “Hoje, Lula tem uma base parlamentar mais sólida do que Dilma. Os partidos do Centrão hoje dão sustentação ao governo”, analisou.

Embora apoiem o governo no mandato atual, o cenário começa a se reverter na medida em que a eleição de 2026 se aproxima. Embora ocupem cargos e ministérios, os partidos do centro não se comprometeram a apoiar Lula em uma tentativa de reeleição.

O deputado, no entanto, voltou a defender o processo de impeachment de Dilma, classificando-o como constitucional e rechaçando a narrativa de golpe. "O impeachment de um presidente sempre é um trauma. Não é igual ao sistema parlamentarista, em que é possível retirar o primeiro-ministro com um simples voto de desconfiança. Agora, o PT falsamente atribuiu isso a um golpe, o que não foi. Foi um processo que seguiu a Constituição", salientou Mendonça Filho.

Com o novo pedido, Lula acumula 21 pedidos desde que assumiu seu terceiro mandato. Nos dois primeiros mantatos, o petista foi alvo de 37 pedidos de impedimento. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu 158 pedidos de impeachment durante os quatro anos que exerceu a presidência. Já o ex-presidente Michel Temer foi alvo de 31 pedidos de afastamento.

A ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do cargo em 2016, foi alvo de 68 pedidos. Contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foram 24 pedidos de impeachment durante os dois mandatos. O ex-presidente Itamar Franco foi alvo de quatro pedidos, e o ex-presidente Fernando Collor, afastado do cargo em 1992, foi alvo de 29 pedidos.

Direita defende impeachment de Lula

Parlamentares de oposição acusaram o governo Lula de, assim como o de Dilma, turbinar gastos fora das regras fiscais, comprometendo a credibilidade da economia, com fins eleitoreiros, e defendem o impeachment.

O clima político se incendiou com a tentativa do governo de aumentar o monitoramento de operações financeiras de trabalhadores informais, a crise do Pix de janeiro, e com o fracasso do governo em lidar com a alta dos alimentos - que culminou com a solução simplória do presidente Lula de se "você desconfia que tal produto tá caro, você não compra".

O argumento técnico para o impeachment, de uma pedalada fiscal, ganhou força em janeiro a partir de uma investigação do Tribunal de Contas da União.

“Todos os indícios caminham para configurar uma pedalada fiscal […] Lançaram um programa sem que houvesse previsão orçamentária e em ano eleitoral. De nada adiantou, pois vimos a derrota do PT nas urnas. Mas isso aí não vai ficar barato”, postou nas redes a senadora Damares Alves (Republicanos-DF).

“Programa ‘Pé-de-Meia’ bloqueado por grave violação das regras orçamentárias. Lula imitou Dilma e pedalou. Agora, seu único destino é o impeachment!”, postou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Deputado mais votado no país e o mais influente nas redes, Nikolas Ferreira (PL-MG) postou que o “Pé-de-meia is the new pix” [Pé-de-Meia é o novo pix]. No mês passado, um vídeo em que ele explicou como pequenos comerciantes e trabalhadores informais poderiam ser mais tributados no Imposto de Renda levou o governo a revogar uma norma da Receita que aumentava o monitoramento do Pix e de cartões de crédito. Ele já convocou manifestações de rua contra Lula para 16 de março.

Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) defendeu que o presidente da Câmara paute o impeachment. A declaração foi dada no sábado (1º) durante a eleição para o novo presidente da Casa. O parlamentar gaúcho obteve 31 votos e foi derrotado por Hugo Motta (Republicanos-PB), que teve 444.

"A primeira pauta que um presidente da Câmara precisa defender em virtude do posicionamento de dezenas de parlamentares que já assinaram requerimentos dessa ordem é o impeachment de Luiz Inácio Lula Silva", disse van Hattem em discurso ao plenário na ocasião.

Ele também publicou na rede social X que houve violação a regras orçamentárias. “Ou seja, crime de responsabilidade. A história se repete: impeachment à vista! Vamos voltar às ruas; fora, Lula!”.

Ao tratar da manifestação em favor do impeachment de Lula, o deputado federal General Girão (PL-RN) disse que se trata de uma ação de quem realmente detém o poder soberano no país, que é o povo brasileiro.

"Eu vejo o impeachment como sendo mais uma ação de quem realmente detém o poder soberano no país, que é o povo brasileiro. O direito de se manifestar é um direito constitucional e o povo brasileiro não pode abrir mão disso de maneira nenhuma", afirmou.

Pedaladas de Lula e Dilma

No caso de Lula, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades nos repasses ao programa. A Corte verificou que parte do montante repassado ao programa, R$ 6 bilhões, não passou pelo Tesouro Nacional e não foi aprovado pelo Congresso.

A lei que criou o Pé-de-Meia prevê que ele seja pago por meio do Fipem, o Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio. Esse fundo, por sua vez, é abastecido com recursos de outros fundos controlados pelo governo. Juridicamente, são fundos privados, mas abastecidos com recursos públicos da União.

Em seu recurso ao TCU, a Advocacia-Geral da União (AGU) admite que parte do Pé-de-Meia é financiado fora do Orçamento da União, por meio de fundos privados. A justificativa apresentada é que tal formato foi aprovado pelo Congresso na lei que criou o programa.

Já na época de Dilma, as pedaladas fiscais consistiram em atrasar pagamentos de empréstimos crescentes tomados de bancos públicos para financiar despesas correntes do governo, de forma oculta. Com isso, o governo escondia o rombo nas contas públicas. Segundo a sentença do impeachment, em 2014, ano da reeleição de Dilma, a dívida pública federal foi subdimensionada em R$ 40,2 bilhões; em 2015, o passivo cresceu e chegou a R$ 58,7 bilhões.

“Parceria” de Lula com STF

A relação com o STF também é outro ativo do governo Lula. Além de nomear dois ministros recentemente, Cristiano Zanin e Flávio Dino, o petista conta com o apoio da Corte para fazer frente ao Congresso em temas de interesse do governo, como as emendas parlamentares. O embate entre os ministros e a oposição, com destaque para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também contribui para que o Palácio do Planalto e o tribunal tenham maior proximidade.

Com Dilma, a situação não foi a mesma. Apesar de ter proximidade com a Corte, tendo indicado quatro ministros, a ex-presidente vivenciava os primeiros anos da Operação Lava Jato, que revelou escândalos nos contratos da Petrobras. A repercussão do escândalo na sociedade é avaliada por analistas como um fator importante para a postura mais contida do STF em relação ao Executivo à época.

Sobre o Supremo, Gomes observa que, enquanto Dilma enfrentou decisões judiciais que ampliaram seu isolamento político, Lula construiu uma articulação favorável com o Judiciário.

“O governo utiliza o Judiciário como uma espécie de contrapeso. O que ele não consegue fazer na dinâmica das coalizões no Congresso, ele cria um atalho por meio de decisões judiciais favoráveis, reduzindo os custos de transação política”, analisou.

Deputados que votaram pelo impeachment de Dilma divergem sobre pedido contra Lula

Os deputados Augusto Coutinho (Republicanos-PE) e Carlos Sampaio (PSDB-SP), que participaram do processo de impeachment de Dilma Rousseff, têm opiniões divergentes sobre o atual pedido contra o presidente Lula.

Para Coutinho, a iniciativa da oposição carece de embasamento jurídico. “Este pedido de impeachment é uma movimentação da oposição para desestabilizar o governo, o que é natural, mas não tem fundamentação técnica alguma”, afirmou à Gazeta do Povo.

Já Carlos Sampaio vê semelhanças entre os casos, especialmente na fundamentação legal. Segundo ele, tanto Dilma quanto Lula desrespeitaram a lei orçamentária ao realizar despesas sem autorização do Congresso.

“Dilma escondeu despesas do Balanço do Tesouro Nacional e, com isso, aumentou injustificadamente gastos do governo, afetando o equilíbrio fiscal do país. O mesmo resultado está alcançando Lula, realizando despesas ilegais, como no caso do ‘programa Pé-de-Meia’ que, apesar de meritório, ampliou gastos sem que o Congresso autorizasse”, afirmou.

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