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Na esteira de denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) no caso que apura a suposta tentativa de golpe de Estado contra Jair Bolsonaro (PL), aliados do ex-presidente vão intensificar a mobilização para tentar aprovar uma anistia no Congresso Nacional. A movimentação acontece em meio à expectativa da oposição de que Bolsonaro possa reaver os seus direitos políticos e concorrer na disputa presidencial de 2026.
Deputados e senadores estiveram reunidos com Bolsonaro nesta quarta-feira (19) para traçar qual será a estratégia política e quais serão as prioridades do grupo no Congresso Nacional. Paralelamente, a defesa jurídica do ex-presidente vai atuar junto ao Judiciário para tentar desmontar as acusações apresentadas na denúncia apresentada pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, na noite desta terça (18).
"Bolsonaro vai se defender e continua sendo nossa primeira, segunda e terceira opção para 2026", disse o deputado Altineu Cortês (PL-RJ), vice-presidente da Câmara.
No encontro com os parlamentares, Bolsonaro sinalizou que a oposição deve manter a mobilização para aprovar a anistia e deixar de lado, por exemplo, pautas como o impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diante das dificuldades desse tema avançar no Congresso. A expectativa do grupo é de que Bolsonaro dispute contra Lula nas próximas eleições.
Atualmente, o ex-presidente Bolsonaro está inelegível por duas decisões da Justiça Eleitoral. Para a oposição, a direita no Brasil sofre uma perseguição política e a denúncia contra o ex-presidente no inquérito do suposto golpe foi baseada em “presunções” e “delações”.
“Trata-se de uma série de acusações rasteiras, desprovidas de evidências concretas que sustentem as graves acusações imputadas”, disse o deputado Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara.
Ainda segundo Zucco, o STF não teria “competência” para julgar um ex-presidente, e anunciou que a oposição fez um manifesto que será divulgado internacionalmente em “defesa da democracia e liberdade” no Brasil. "Recentes decisões do STF nos fazem questionar se teremos possibilidade de defesa para Bolsonaro ou ele já entra condenado a 20, 30, 40 anos de prisão. Bolsonaro será julgado por aqueles que se vangloriaram pela derrota de Bolsonaro", disse.
Já o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, questionou outras penalidades contra o ex-presidente. “Nós temos hoje o maior líder da direita conservadora declarado inelegível porque reuniu embaixadores, no exercício do mandato da República”, declarou.
Ainda de acordo com o senador, a anistia seria uma forma de "pacificação" do país diante da "parcialidade" da Justiça. "Achamos que quem fez errado tem que pagar, mas não por 17, 15 anos. Precisamos de pacificação, mas também precisamos de justiça. Muitos estão se sentindo confortáveis com um judiciário parcial. Não dá para acreditar em uma câmara de ministros que faz críticas ao ex-presidente, a exemplo de (Flávio) Dino. Como exigir imparcialidade?", completou.
Anistia enfrenta dificuldades para avançar no Congresso
Apesar dos esforços da oposição, o avanço de uma proposta de anistia ainda não conta com consenso por parte da maioria do Congresso. Atualmente existe em tramitação a proposta apresentada pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE) com objetivo de anistiar os presos dos atos do 8 de janeiro de 2023. A expectativa é de que após ser julgado pelo STF, e de uma eventual condenação, Bolsonaro e os mais de 30 denunciados na suposta trama golpista também fossem beneficiados pela proposta.
“Hoje, conversando com parlamentares, como do PSD, sinto que a maioria votaria favorável [à anistia]. Eu acho que na Câmara já tem quórum para aprovar a anistia”, afirmou Bolsonaro a jornalistas durante almoço com a oposição nesta terça.
Apesar disso, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), sinalizou que ainda busca consenso sobre a matéria e que só levará a proposta ao plenário quando tiver certeza de aprovação. "Eu não vou pautar se não tiver os votos, não vamos colocar [em votação] para perder", disse Sóstenes.
Os deputados da oposição pressionam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mas ainda não há compromisso que a matéria avance na Casa. Os aliados de Bolsonaro pretendem manter a mobilização e usar as manifestações convocadas para 16 de março para tentar ampliar o apoio ao projeto dentro do Congresso.
Além da Câmara, a proposta da anistia ainda dependeria de aprovação pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial. Apesar disso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ao comentar a denúncia contra Bolsonaro, indicou que a demanda da oposição "não é uma prioridade do Legislativo neste momento".
"Isso [anistia] não é um assunto que nós estamos debatendo. Quando a gente fala desse assunto a todo instante, a gente está dando de novo a oportunidade de nós ficarmos na nossa sociedade, dividindo, um assunto que não é o assunto dos brasileiros", afirmou Alcolumbre.
Em entrevista no Congresso nesta quarta, o senador afirmou ainda que é necessário separar as questões políticas das questões jurídicas. Ele afirmou que a denúncia contra o ex-presidente será tratada pelo Poder Judiciário e que não tem conhecimento de todo o teor da investigação.
Já o presidente da Bancada Evangélica no Senado, Carlos Viana (Podemos-MG), defendeu a aprovação de uma anistia para os presos do 8 de janeiro, mas diverge da oposição no quesito de estender o benefício ao ex-presidente. Segundo ele, Bolsonaro e outros denunciados pela PGR precisam ser julgados pelo STF.
"Eu defendo que eles [denunciados pela PGR] respondam o processo e que a gente fique sabendo se houve realmente um tipo de tentativa [de golpe]. A gente tem que confiar na PGR e no Supremo. Gente que nunca teve passagem pela polícia e foram chamados para cá, foram essas pessoas que a PGR denunciou? Então eles têm que responder com isso, mas gente que não foi pego aqui quebrando não tem por que de estar preso até hoje por isso", afirmou Viana.
Processo de Bolsonaro deve ter celeridade no STF
A ofensiva por parte dos aliados do ex-presidente Bolsonaro acontece em meio às expectativas de que a denúncia oferecida pela PGR seja aceita pelo STF ainda neste primeiro semestre. A medida abre o prazo para que as defesas apresentem suas alegações e, posteriormente, o caso venha ser julgado ainda em 2025 pela Corte.
O documento apresentado pela PGR será analisado pela Primeira Turma, composta pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, e pelos seus pares: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin. O último é o atual presidente do colegiado e que será responsável por marcar a data quando o relator liberar o caso para julgamento.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro, ficarão de fora do julgamento pois pertencem à Segunda Turma, bem como Gilmar Mendes, Edson Fachin e Dias Toffoli.
Analistas jurídicos ouvidos pela Gazeta do Povo admitem que, pelo tamanho do processo, o prazo seria muito curto para uma decisão final ainda neste ano, mas também avaliam que o calendário possa ser mais célere por envolver um ex-presidente da República. "A expectativa é de que o processo seja julgado até o final do ano. No entanto, considerando a complexidade da situação, com muitos denunciados e testemunhas, pode ser um desafio cumprir esse prazo", argumentou Matheus Biset, advogado e professor especializado em Direito Penal Econômico pela PUC de Minas Gerais.
Na mesma linha, Ivan Jezler Costa Junior, advogado e professor de Direito Processual Penal da Escola de Magistrados da Bahia (UFBA), argumenta que a vontade política pode influenciar no trâmite do processo. "A duração do processo depende de diversos fatores, incluindo a vontade política do tribunal e a complexidade da produção probatória por parte da acusação e da defesa. Eu acredito que não seja viável concluir esse julgamento ainda este ano, mas, se houver um esforço para dar celeridade ao caso, pode ser possível", explicou.
Sobre a proposta de anistia, Ivan Jezler acredita que o tema ainda gera divergências jurídicas sobre a possibilidade de se estender ou não o benefício ao ex-presidente Bolsonaro. "A questão é controversa. A anistia tem um caráter geral e depende de aprovação do Congresso Nacional, o que a diferencia do indulto e da graça, que possuem efeitos individuais. Quem defende a inaplicabilidade da anistia nesse caso argumenta que não há condenação ainda, apenas um processo em andamento. No entanto, há também quem sustente que, caso o Congresso conceda anistia a determinados crimes, isso poderia beneficiar o ex-presidente e os demais envolvidos na acusação", completou o professor de Direito Penal.
Ainda sobre o tema, existe a possibilidade de se questionar a constitucionalidade da anistia junto ao STF. "É possível. É o que chamamos de desvio de finalidade. Mas não temos jurisprudência concreta nesse sentido, e muitos juristas entendem que a anistia é um beneplácito cabível ao Congresso Nacional, sem restrições e interferências do Poder Judiciário", argumentou Rafael Paiva, advogado criminalista e mestre em Direito Penal.