Blindado pelo presidente Lula, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pode dificultar ainda mais a já complicada relação com o Congresso Nacional, especialmente com a Câmara dos Deputados, depois de fazer insinuações sobre um possível enfraquecimento de Arthur Lira (PP-AL) e provocar a ira do presidente da Casa, em um momento em que o governo se engaja na articulação com os parlamentares para a manutenção de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na semana passada, Lira abandonou o tom moderado e disse que Padilha é seu "desafeto pessoal", além de chamá-lo de "incompetente". Lira acusou o ministro de ter vazado declarações à imprensa de que estaria enfraquecido em sua posição de presidente da Câmara, após a votação que decidiu manter a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Antes da votação houve articulação de parlamentares para votar pela derrubada da prisão, em uma reação à ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) que miram parlamentares. A prisão foi mantida, mas com uma margem de apenas 20 votos.
"Essa notícia (...) foi vazada pelo governo e, basicamente, pelo ministro Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, incompetente", afirmou o presidente da Câmara na quinta-feira (11), ao ser questionado se teria ficado "enfraquecido" com a manutenção da prisão de Brazão.
Logo depois do comentário, Padilha publicou um vídeo em que Lula faz comentários positivos sobre o ministro. O presidente da República disse ainda que, "só por teimosia", Padilha permanecerá no cargo. Nos bastidores de Brasília, circula a informação de que Lira já teria "pedido a cabeça" de Padilha, o que fez com que Lula passasse o comando das negociações com o presidente da Câmara para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ainda que informalmente.
O Partido dos Trabalhadores também divulgou nota em solidariedade a Alexandre Padilha, em que reiterou que "é inegável a competência e a capacidade do ministro Padilha, tanto no atual governo quanto nas inúmeras oportunidades em que serviu aos interesses do povo brasileiro".
Desde o começo do mandato Lula 3, o governo tem dificuldades em negociar com os parlamentares e o clima ficou pior depois que o presidente editou, durante o recesso legislativo do começo do ano, uma Medida Provisória (MP) que limitava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia – na contramão do que o Congresso havia aprovado em 2023. Diante da falta de articulação política, o governo teve que voltar atrás e propor um projeto de lei para discutir a questão.
Outro ponto de atrito foi o corte de mais de R$ 5 bilhões em emendas parlamentares de comissão. O governo não quer incluir esse montante no orçamento e tenta negociar com deputados e senadores para que o veto que Lula impôs a essas emendas não seja derrubado pelo Congresso. A expectativa é de que a primeira sessão conjunta de Câmara e Senado neste ano, para discutir os vetos presidenciais, ocorra nesta quinta-feira (18).
Soma-se às desavenças entre Executivo e Legislativo, o veto parcial de Lula ao projeto de lei que restringiu as "saidinhas" dos presos, aprovado pelo Congresso. Com a decisão do governo, presos do regime semiaberto podem sair para visitar as famílias “por motivos humanitários”. Parlamentares da oposição prometem a derrubada de mais esse veto de Lula.
Governo sai perdendo na briga com Lira, garantem analistas
Entre analistas em política, há o entendimento de que, nesta briga entre Lira e Padilha, quem sai perdendo mais é o governo, que precisa da articulação do presidente da Câmara para avançar a agenda do governo no Congresso. "O governo precisa muito mais de Arthur Lira do que Arthur Lira do governo", resume o professor de Ciências Políticas do Ibmec de Belo Horizonte, Adriano Cerqueira, acrescentando que Lira se mostra mais independente do governo do que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ele pontua ainda que as declarações de Lira contra Padilha podem contribuir para tornar a permanência do ministro no cargo mais insustentável, com um custo político maior para o governo, que poderia se ver forçado a substituir o articulador político. As eleições municipais, avalia Cerqueira, devem acirrar os ânimos ainda mais, em virtude da disputa sobre as liberações de verbas da saúde e a possível intenção do atual presidente da Câmara dos Deputados de concorrer ao governo de Alagoas.
O cientista político Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí, também é enfático ao afirmar que a expectativa de poder de Padilha é baixa. Ele lembra que o ministro tem sido questionado dentro do seu próprio grupo político e tem sofrido com a dificuldade de conseguir entregar o que promete no sistema de barganhas e trocas do presidente.
“Mesmo nas matérias nas quais o governo tem afinidade com a maioria dos congressistas, o preço negocial tem sido elevado, a fatura que o governo tem pago tem sido muito alta, então Padilha está sendo questionado dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, visto como alguém que não tem sido capaz de entregar aquilo que o governo precisa entregar para garantir o apoio parlamentar”, pontuou o analista.
Elton Gomes também afirmou que o presidente da Câmara, ao abrir publicamente as diferenças com o ministro das Relações Institucionais, tem um plano claro, de forçar o governo a trocar Alexandre Padilha. “Se Lira fez isso, ele fez sabendo que o ministro já está enfraquecido numa queda de braço dentro do próprio PT e que ele, então, busca criar condições para que uma outra figura seja designada para essa função”, concluiu.
Tensão entre Lira e Padilha vem desde o início do governo Lula
A tensão entre Arthur Lira e Alexandre Padilha vem desde o início do terceiro mandato de Lula à frente do Palácio do Planalto, e ficou nítida em maio do ano passado, quando o governo quase teve que enfrentar uma derrota na Câmara com o fim da validade da medida provisória (MP) que reformulava a Esplanada dos Ministérios. Na época, Lira disse que faltava articulação política com o Congresso, numa crítica direta ao trabalho do ministro das Relações Institucionais.
E a cada votação importante do governo, que dependia de negociações com o Congresso, a animosidade aumentava, embora ambos tentassem disfarçar. Após o episódio dos vetos sobre as emendas e a desoneração, no final do ano passado, Lira fez um discurso contundente no começo do ano legislativo da Câmara, cobrando que o governo honrasse os acordos fechados com o Parlamento, num recado claro ao Planalto e a Padilha, a quem cabia a articulação.
Lira se referia principalmente ao corte nas emendas parlamentares, instrumento fundamental com que os parlamentares contam para atender suas bases eleitorais. As críticas ganharam peso ainda maior por 2024 ser um ano de eleições municipais.
Na própria sessão de reabertura do ano legislativo, em fevereiro, Padilha, ao chegar na Câmara dos Deputados, afirmou que as relações institucionais entre os poderes estavam bem, e que divergências eram normais, discurso reforçado por Rui Costa e por aliados do governo.
A saúde comandada por Padilha e o desejo do Centrão de Lira pela pasta
Um dos principais pontos de discórdia entre Padilha e Lira, na avaliação de alguns parlamentares, no entanto, é o comando do ministério da Saúde, cobiçado pelo Centrão, liderado por Lira, e que tem forte influência de Alexandre Padilha, com várias indicações de cargos na pasta. Lula tem resistido a esses avanços, não só pela relevância política do ministério, mas também pelo grande volume de recursos que a pasta gerencia.
Após a aprovação da reforma tributária – quando os partidos do centrão (PP, União e Republicanos) cobraram a fatura pela votação da matéria após décadas de tramitação sem sucesso – a substituição da ministra da Saúde foi a primeira a ser levantada, mas Lula conseguiu segurar Nísia Trindade na pasta, oferecendo outros ministérios – Esportes, Turismo e Portos e Aeroportos, além da Caixa Econômica Federal – às legendas.
O presidente da Câmara inclusive liderou um movimento de parlamentares, em fevereiro deste ano, pedindo ao ministério da Saúde esclarecimentos sobre a destinação de recursos da pasta, em meio a denúncias de supostos favorecimentos a aliados do governo.
Também pesa contra Nísia a explosão de casos de dengue no país, com recorde de casos e mortes pela doença, além da demora em adotar medidas preventivas para combater uma epidemia em diversos pontos do país. Neste meio tempo, a ministra também sofreu desgaste após a divulgação de uma nota técnica, posteriormente derrubada pelo próprio ministério, que permita a interrupção da gravidez a qualquer momento da gestação em casos de estupro, anencefalia e risco de morte para mãe.
Na avaliação do deputado José Nelto (PP-GO), a gestão da saúde é "péssima" e a manutenção da ministra Nísia, assim como a permanência de Padilha na função de negociador com o Congresso é típica do Partido dos Trabalhadores, de "não abandonar os companheiros". O deputado completou usando um antigo bordão de programa humorístico que dizia “vai para casa, Padilha”.
As relações institucionais e a sucessão de Lira na Câmara
Embora fosse ideal contar com apoio do Planalto ao seu candidato para a sucessão na presidência da Câmara, em fevereiro de 2025, é pouco provável que o candidato de Arthur Lira seja prejudicado pela guerra com Padilha, já que os partidos de centro e direita têm maioria na Casa.
Faltando dez meses para a troca do comando da Câmara, ainda não há uma candidatura oficial, mas nos bastidores é sabido que o líder do União Brasil, Elmar Nascimento, seria o preferido de Arthur Lira [mas teria perdido pontos com o Planalto por votar contra a manutenção da prisão do deputado acusado de mandar matar Marielle], enquanto o presidente do Republicanos, Marcos Pereira também almeja a presidência.
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