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EUA e Brasil

Atuação do STF em extradições destoa da política dura de Trump contra imigração ilegal

Judiciário e MP venceram. Quem perdeu?
Além do escândalo político, investigação sobre emendas parlamentares no STF gera polêmica sobre concentração de poderes. (Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF)

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Duas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram como os ministros e a jurisprudência formada na Corte favoreceram dois criminosos procurados pelos Estados Unidos e cuja conduta está na mira do presidente Donald Trump. Durante a campanha e na recente posse, o americano prometeu combater severamente a imigração ilegal. A atuação do STF num caso que tramita na Justiça brasileira vai na direção oposta.

Em dezembro do ano passado, Kassio Nunes Marques mandou soltar um cidadão de Bangladesh condenado no Brasil a 8 anos de prisão por integrar uma organização criminosa, baseada em São Paulo, que promovia e lucrava com a entrada ilegal de estrangeiros no país para encaminhá-los, de forma clandestina e perigosa, para os EUA.

Em outubro de 2023, o ministro Luiz Fux já havia proferido decisão semelhante, para revogar a prisão preventiva do líder da quadrilha, condenado no Brasil a 14 anos de prisão pelos mesmos crimes. Os dois bengaleses foram presos em 2020 e 2022 a pedido do governo americano, porque são acusados no Texas por crimes equivalentes, de levar estrangeiros de forma ilegal para os EUA, com a finalidade de “obter vantagem comercial e ganho financeiro privado”.

Em junho de 2021, com base em uma investigação da Polícia Federal, a Justiça de São Paulo condenou os dois homens citados de Bangladesh, outros cinco bengaleses, um paquistanês e um brasileiro pelo esquema, que usava o Brasil como rota para imigração ilegal para os Estados Unidos.

Segundo a PF, o grupo era contratado por imigrantes de Bangladesh, Paquistão e Afeganistão para chegar irregularmente a São Paulo, onde ficavam hospedados em “cativeiros” controlados pelos dois bengaleses mencionados, no bairro do Brás. Cada um pagava à organização criminosa R$ 25 mil, para ficar no Brasil, ou R$ 47 mil, para seguir para os EUA.

A chegada ao Brasil ocorria pela obtenção fraudulenta de refúgio ou cartas marítimas. Da capital paulista, os imigrantes eram levados para Rio Branco, no Acre. De lá eram transportados para o Peru, depois para Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala, México, até chegarem aos EUA. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a rota era “clandestina e perigosa” e a viagem era realizada “em condições desumanas e degradantes”.

Um dos bengaleses foi preso em janeiro de 2020, por ordem de Dias Toffoli, do STF, depois que os EUA pediram ao Brasil sua extradição. A prisão preventiva, neste caso, serviria para garantir a entrega dele. Em setembro de 2022, pelo mesmo motivo, Nunes Marques mandou prender o segundo cidadão de Bangladesh. A extradição do primeiro foi aprovada pela Primeira Turma do STF em novembro de 2021, e a do segundo, pela Segunda Turma da Corte, em novembro de 2023.

No momento desses julgamentos, os bengaleses já haviam sido condenados no Brasil. Pela lei brasileira, eles deveriam cumprir a pena e encerrar seus processos no país antes de serem extraditados. E foi por causa da legislação e da jurisprudência mais frouxa no Brasil que eles puderam ser soltos.

Recursos ao STF

Ao longo de quase dois anos, os dois apresentaram diversos pedidos ao STF para serem liberados, alegando que constituíram família no Brasil, tinham residência fixa e precisavam de cuidados médicos fora da prisão. Vários desses pedidos foram negados, a pedido da Procuradoria-Geral da República, que se manifestou contrariamente junto aos ministros.

Em outubro de 2023, ao analisar o quinto pedido de soltura do primeiro bengalês, Fux cedeu aos apelos da defesa, que alegou que ele já estava preso havia quase 4 anos no Brasil unicamente em razão da prisão preventiva decretada pelo próprio STF. Sua condenação no país, com pena 14 anos, já possibilitava que ele progredisse para o regime semiaberto em 2022 e para o aberto em dezembro de 2023. Fux considerou que a prisão para atender à extradição já era uma medida “desproporcional” e aceitou o pedido de soltura.

“Considerando que o extraditando encontra-se recolhido há 3 anos e 9 meses, teria satisfeito os pressupostos para progressão de regime em condenação no Brasil e não há previsão para sua entrega às autoridades norte-americanas no âmbito dessa Extradição, a manutenção da prisão preventiva de forma indefinida revela-se desproporcional”, decidiu o ministro.

Citou para isso entendimento do colega Alexandre de Moraes, em outra extradição com situação semelhante. “Não havendo previsão para a entrega do extraditando e considerando sua progressão de regime para o regime aberto em condenação no Brasil, mantê-lo preso indefinidamente é situação demasiadamente gravosa”, escreveu Moraes no precedente.

Fux concedeu a soltura sem consultar a PGR, mas impôs medidas cautelares para evitar que ele fugisse: apreensão do passaporte, proibição de sair de São Paulo sem prévia autorização judicial, e comunicar endereço atualizado à Justiça.

Em dezembro do ano passado, em linha com Fux, Nunes Marques mandou soltar o segundo bengalês, acolhendo o argumento da defesa, de que ele já poderia estar no regime aberto desde novembro de 2011, na condenação a 8 anos de prisão. Foram impostas as medidas cautelares. O ministro considerou, de qualquer modo, que não haver “evidência de que, em liberdade, possa causar prejuízo à execução de sua extradição”.

Outro precedente, de Gilmar Mendes, foi citado na decisão: “a prisão para extradição prevalece durante o cumprimento de pena no Brasil, incumbindo ao STF deliberar acerca de eventual adaptação das condições da prisão para extradição ao regime prisional da execução penal, se esse regime for mais benéfico do que o fechado.”

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