Parlamentares da bancada do agronegócio estão se mobilizando para garantir o direito de propriedade após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de desapropriação de terras produtivas. Uma questão até então pacificada passou a ser motivo de apreensão para os proprietários de terras no Brasil. Com a decisão do STF, um imóvel produtivo pode ser desapropriado para fins de reforma agrária, caso não seja cumprida a chamada "função social” da propriedade.
Segundo o artigo 186 da Constituição Federal, a função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente a alguns requisitos, como a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente e a observância da legislação trabalhista. A Suprema Corte julgou uma ação movida pela Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em 2007.
Preocupados com as possíveis consequências da decisão do STF, os deputados Rodolfo Nogueira (PL-MS) e José Medeiros (PL-MT) apresentaram projetos de lei (PL) que visam impedir as desapropriações. O PL 4357/2023, de autoria de Nogueira, pretende impossibilitar a desapropriação por interesse social, para fim da reforma agrária, da propriedade produtiva que não cumprir sua função social. Já o Projeto de Lei 2038/23, apresentado por Medeiros, impede a desapropriação de imóveis rurais com limites preservados de reserva legal e de demais áreas de proteção ambiental legalmente instituídas.
Bancada do agronegócio busca aprovação de projetos de lei contra desapropriações
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), divulgou um vídeo em que afirma que a bancada deve apoiar ações e projetos de lei que visam regulamentar a questão e “garantir o direito de propriedade, segurança jurídica no campo e que os produtores rurais sejam respeitados”.
"Tenham a certeza de que nós na FPA vamos legislar o que tiver que legislar. Estamos entrando com as ações que temos que entrar, estamos trabalhando, buscando soluções para cada um destes problemas, para garantir o direito à propriedade, mas mais do que isso, que nós todos, produtores rurais do Brasil, sejamos respeitados pelo que a gente faz e não perseguidos todo esse tempo. Parece que o governo federal e o STF focaram em nos perseguir, mas somos resilientes e estamos trabalhando todos os dias para solucionar estes problemas", concluiu o deputado paranaense.
Nogueira já articula a apresentação de um requerimento de urgência para a votação do seu projeto de lei diretamente no plenário da Câmara dos Deputados, com o apoio da bancada da FPA. Mas a proposição ainda não foi despachada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, portanto, ainda não tem tramitação definida.
Já o projeto de Medeiros, apresentado em julho, já tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e deve passar também pela apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
O deputado Rafael Pezenti (MDB-SC) também se manifestou por meio das redes sociais para dizer que apoia ações legislativas para resolver o impasse. “Como é que vão decidir isso com termos tão abrangentes? É um absurdo, é muita insegurança. Nós precisamos e vamos garantir em lei que os produtores rurais continuem com suas terras para sustentar suas famílias e garantir o alimento na mesa do brasileiro”, assegurou o parlamentar catarinense.
Advogados expressam preocupação com questões trabalhistas e ambientais
Advogados especialistas em direito agrário destacam que a preocupação com a decisão do STF decorre da ausência de uma legislação que determine os critérios específicos para que a desapropriação de terras ocorra, especialmente em se tratando de questões ambientais e trabalhistas.
A avaliação é que se trata de um problema devido ao momento político que vivemos. “Não temos lei para regulamentar as desapropriações nessas hipóteses. O temor que temos é [de] eventual ativismo judicial. O problema que nós temos, que dá margem de insegurança, é não saber qual é o dano cometido ou infração ambiental que justifica a desapropriação, por exemplo”, explicou o advogado Albenir Querubini, especializado na área do agronegócio.
Querubini, autor do livro do Função Ambiental da Propriedade Rural e dos Contratos Agrários, destaca que já houve pelo menos duas desapropriações de terras decorrentes de infração ambiental. Ambas foram oficializadas por meio de decreto em 2009 e diziam respeito a propriedades localizadas no Pará e em Minas Gerais.
O advogado agrarista Paulo Roberto Kohl afirma que não há uma legislação que diga o que é considerado uma violação ambiental ou trabalhista que possa para sujeitar o imóvel à desapropriação. “Se você pegar o próprio Código Florestal, ele criou o que se chama de Programa de Regularização Ambiental (PRA). Por meio do PRA, as pessoas que estão em desacordo com a legislação ambiental podem regularizar, sem que isso implique uma desapropriação. Se tiver um empregado que não estiver registrado, por exemplo, isso não vai sujeitar o imóvel à desapropriação, pois existe a possibilidade de regularização junto ao Ministério do Trabalho”, pontua.
Neste sentido, Kohl lembra ainda que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, prevê que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, ou seja, deve haver uma possibilidade de regularização, para que as irregularidades trabalhistas e ambientais possam ser sanadas.
Os advogados salientam que a orientação é de que os produtores rurais tenham sempre em mãos a documentação relacionada à propriedade. “Cadastro Ambiental Rural, documentos relacionados às questões trabalhistas, relatórios agronômicos e notas fiscais para atestar a produtividade, por exemplo, devem ser armazenados por, no mínimo, cinco anos”, enfatizou Roberto Kohl.
Deputado militante do MST comemorou a decisão do STF sobre desapropriação de terras
A decisão do STF sobre a possibilidade de desapropriação de terras produtivas para destinação de áreas para a reforma agrária foi comemorada no perfil do deputado Valmir Assunção (PT-BA), militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O parlamentar classificou a decisão como um “avanço”.
“Se a área não cumpre a função social, o poder público pode e deve realizar a desapropriação para a reforma agrária. Quando o poder público não cumpre seu papel, os movimentos sociais denunciam por meio das ocupações, jogam luz ao descumprimento da função social da terra. Mais de 90% dos assentamentos hoje existentes são frutos da mobilização popular”, comentou Assunção, em matéria publicada em seu site oficial.
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