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Frente Parlamentar

Bancada evangélica: derrota de aliado do governo frustra planos do Planalto de aproximação

Novo líder da bancada evangélica, Gilberto Nascimento, em coletiva de imprensa, após o resultado da eleição da FPE. (Foto: Ana Carolina Curvello/ Gazeta do Povo. )

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A derrota do deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) para o também deputado Gilberto Nascimento (PSD-SP) na eleição que definiu o presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) do Congresso Nacional se soma a mais uma tentativa frustrada do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se aproximar do eleitorado evangélico. Desde que começou o terceiro mandato, o petista procurou parlamentares do segmento para angariar apoio junto ao eleitorado evangélico, que em sua maioria apoia o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

Dos 178 parlamentares que votaram na eleição, Nascimento recebeu 117 votos contra 61 para Otoni. O pleito marcou uma mudança na escolha de seu líder por parte da bancada evangélica, que realizava a escolha de seus presidentes por meio de revezamento de congressistas. Na última eleição da FPE, houve um revezamento do cargo entre os deputados Eli Borges (PL-TO) e Silas Câmara (Republicanos-AM)

Com relação a Otoni, o candidato derrotado na eleição para o colegiado, desde que entrou em atrito com Bolsonaro nas eleições municipais do Rio de Janeiro, o parlamentar do MDB realizou diversos movimentos para agradar ao Palácio do Planalto e receber o apoio dos governistas na disputa pela bancada. Em outubro do ano passado, o deputado chegou a orar por Lula durante sanção da lei que criava o Dia da Música Gospel, comemorado em 9 de junho.

Na ocasião, a leitura dos governistas era de que o deputado fluminense poderia convencer outros colegas a dialogarem mais com a gestão petista, apesar das diferenças ideológicas. 

Com a eleição de Nascimento, a avaliação de um integrante da FPE, ouvido em reserva, é de que a bancada vai permanecfer mais próxima a Bolsonaro e que irá manter a firmeza nas críticas contra o governo federal em matérias de costume.

Lula tenta se aproximar de evangélicos desde o início do mandato

Apesar de buscar uma reaproximação com os evangélicos, a relação entre Lula e esse segmento enfrenta vários desgastes desde o início de terceiro mandato. O Planalto chegou a ensaiar uma aproximação ao articular, com a Frente Parlamentar Evangélica, a ampliação da isenção de impostos para entidades religiosas durante a primeira votação da Reforma Tributária (PEC 45/2019) na Câmara dos Deputados, em 2023.

A medida aprovada pelos parlamentares isenta organizações assistenciais e beneficentes ligadas a igrejas e templos religiosos de pagar alguns impostos, como IPTU, IPVA, Imposto de Renda, ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) e ISS, por exemplo.

A manutenção do benefício durante a tramitação da reforma, que foi aprovada em dezembro, gerou certa expectativa no governo para uma possível aproximação. No entanto, a resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que defendeu o aborto e o tratamento para mudança de sexo aos 14 anos, além das primeiras declarações de Lula sobre Israel, causaram o afastamento da bancada. Em novembro, o petista afirmou que o Estado chefiado por Benjamin Netanyahu praticava “terrorismo” na Faixa de Gaza.

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, chegou a ser escalado pelo Planalto para melhorar a interlocução ainda em 2023. No entanto, foi vaiado ao citar Lula durante a Marcha Para Jesus em Brasília, evidenciando a resistência do público evangélico à gestão petista. No ano seguinte, Messias conseguiu ler uma carta do presidente sem manifestações contrárias, mas sem reverter a falta de apoio significativo ao governo.

Em janeiro de 2024, a relação voltou a se desgastar após a Receita Federal revogar a isenção fiscal que havia sido concedida por Bolsonaro a líderes religiosos. No mês seguinte, Lula comparou os ataques de Israel ao grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto, política de extermínio de judeus implementada pelo ditador alemão Adolf Hitler. Além da crise criada com Isreal, a declaração do petista também levou evangélicos a comparecerem às manifestações de 25 de fevereiro em prol de Bolsonaro.

Para a nomeação de Flávio Dino ao STF, o governo também entrou em campo atrás de senadores da Frente Parlamentar Evangélica para garantir uma aprovação mais folgada do então ministro da Justiça e Segurança Pública. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que também é evangélica, chegou a ser escalada para conquistar o apoio e realizou contatos com os colegas.

A gestão petista buscou novamente se aproximar do segmento por meio dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O objetivo era treinar integrantes de igrejas para cadastrar pessoas em situação de vulnerabilidade nos programas sociais, como Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa, Minha Vida e Luz para Todos.

Tentativa fracassada de atrair evangélicos expõe isolamento do governo Lula

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a relação do governo com o segmento evangélico é praticamente inviável. “É complicado imaginar qualquer maneira de trazer essa bancada para apoiar formalmente o governo, porque não há incentivos seletivos para que isso aconteça sob as condições atuais”, avaliou.

Segundo Gomes, o deputado Otoni de Paula superestimou sua capacidade de articulação ao tentar se colocar como uma nova liderança evangélica. “Ele achava que poderia criar um movimento evangélico alinhado com ele para contrabalancear a força de Bolsonaro nesse segmento, mas o resultado da votação mostrou que ele tinha muito menos capacidade de mobilização do que imaginava”, explicou.

Além da falta de interlocução, o especialista destaca que a popularidade do governo e a escolha de Gleisi Hoffmann para a articulação política afastam ainda mais os evangélicos. “Os parlamentares da Frente Evangélica não teriam por que se aproximar do governo, pois isso representaria um custo político elevado, o risco de não se reeleger e o distanciamento de suas bases”, afirmou.

Ele também aponta que a rejeição ao petismo entre evangélicos não é apenas religiosa, mas também econômica e ideológica. “Mesmo forças políticas mais fisiológicas que apoiam o governo hoje fazem isso a um custo muito grande”, destacou.

Embate entre Otoni e Bolsonaro se iniciou nas eleições para a prefeitura do Rio

Os atritos entre Bolsonaro e Otoni começaram na eleição municipal do Rio de Janeiro de 2024, quando o ex-presidente resolveu apoiar o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) para o Executivo municipal.

Na época, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o presidente do MDB, o deputado Baleia Rossi, firmaram um acordo de apoio mútuo entre as candidaturas no Rio e em São Paulo. O MDB apoiou Ramagem no Rio, enquanto o PL apoiou Ricardo Nunes em São Paulo. O acordo fez com que Otoni tivesse sua candidatura à prefeitura retirada.

Outro fator que agravou a relação entre o deputado e o ex-presidente foi a escolha do vice-prefeito na chapa de Ramagem. Apesar de o MDB ter concordado em indicar o candidato, Bolsonaro preferiu a indicação do ex-prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, aliado mais próximo do ex-presidente. Pouco antes do primeiro turno, Otoni declarou apoio ao prefeito Eduardo Paes (PSD), que foi reeleito, e passou a criticar Bolsonaro.

Após os acenos de Otoni a Lula, parte da bancada evangélica entendeu que o parlamentar estava muito próximo do governo, o que poderia comprometer a percepção do eleitorado em relação à Frente Parlamentar.

Uma apuração da Gazeta do Povo mostrou que o deputado fluminense tentou minimizar a aproximação com o Palácio do Planalto antes da eleição da FPE, alegando que o adiamento da votação era uma estratégia de opositores para desidratar sua candidatura. No entanto, a articulação feita por Bolsonaro junto aos deputados do colegiado reforçou a oposição contra Otoni. Em reserva, um deputado federal do PL confirmou que o ex-presidente ligou para parlamentares do colegiado antes da votação.

Em entrevista à Veja, Otoni afirmou que o ex-presidente nunca mais terá sua solidariedade por tê-lo tratado como inimigo e feito “sacanagem” na eleição da presidência da Frente Parlamentar Evangélica (FPE).

“Nunca mais Bolsonaro terá minha solidariedade para nada”, disse Otoni. E acrescentou: “Meu candidato, até então, podia ser Bolsonaro. Mas me mantenho com Ronaldo Caiado. Foi sacanagem o que fizeram. Tenho amor próprio", afirmou.

Questionado sobre a situação vivenciada pela FPE nesse último pleito, o deputado federal Pastor Diniz (União-RR) afirmou que o resultado do colegiado deve ser respeitado e que o novo presidente possui "credenciais e competência" para manter o grupo unido.

"Como todo Colegiado, a eleição de seus dirigentes é feita dentro dos critérios exigidos e deve ser respeitado o resultado. Não é diferente com a Bancada Evangélica. Houve a eleição do atual Presidente, Pastor Gilberto, o qual tem suas credenciais e competência para continuar unindo os pares, dando continuidade ao trabalho representativo dos evangélicos e exercendo seu mandato com maestria", disse Diniz.

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