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PCC
Banco digital do PCC foi criado para lavar dinheiro e financiar políticos e campanhas nas eleições municipais.| Foto: EFE/Ney Douglas/Arquivo

Investigações da Polícia Civil de São Paulo começam a revelar um esquema que movimentou cerca de R$ 8 bilhões envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC) com o banco digital 4TBank, uma espécie de fintech usada, segundo a polícia, para promover financiamentos de políticos e campanhas eleitorais neste ano, além de esquentar dinheiro vindo de ações ilegais e retroalimentar o crime organizado.

A Gazeta do Povo procurou a fintech, mas até a publicação desta reportagem os representantes da empresa não haviam se pronunciado. O espaço segue aberto.

No último dia da campanha eleitoral deste ano, na data do segundo turno das eleições, o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que encaminharia ao Ministério Público cartas atribuídas à organização criminosa orientando familiares de faccionados a votarem em Guilherme Boulos (Psol) à prefeitura de São Paulo.

Vale destacar, no entanto, que a investigação em curso envolvendo a fintech ligada à organização criminosa não tem relações com a denúncia feita por Tarcísio de Freitas, nem evidências de financiamentos do PCC à campanha de Boulos. Parte dos candidatos supostamente financiados pela facção está ligada a partidos de centro e prioritariamente em cargos de vereadores.

O esquema bilionário envolvendo o banco do PCC começou a ser desvendado há um ano e não tinha como foco original essa investigação.

Em agosto de 2023, a Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (Dise) de Mogi das Cruzes (SP) se debruçou para apurar possíveis financiamentos de políticos e campanhas no estado após a prisão, por tráfico de drogas, de uma mulher suspeita de integrar o PCC.

Ela é esposa de um dos líderes da organização criminosa que está preso há 22 anos. Segundo a polícia, desde a prisão do marido ela passou a coordenar os negócios. O homem apontado como o gerenciador do banco do PCC, João Gabriel Yamawaki, é primo do criminoso que está encarcerado há mais de duas décadas. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Yamawaki. O espaço segue aberto às manifestações.

A teia começou a ser desmantelada quando os investigadores identificaram no celular e outros dispositivos eletrônicos da mulher presa conversas com membros da facção indicando como e para quem deveria ser destinado o financiamento de campanha e apadrinhamento político.

Na casa da suspeita a polícia também encontrou cartas escritas pelo marido, de dentro do sistema prisional, determinando em quais candidatos deveriam ser investidos recursos e a forma como isso deveria ocorrer. Havia nomes e indicações em diversas cidades paulistas, desde a capital, região metropolitana, até o litoral e interior, tudo bancado pelo banco digital do PCC, de acordo com as investigações.

Operador do banco do PCC tinha experiência com mercado financeiro e o meio político

A Polícia Civil afirma que João Gabriel Yamawaki, apontado como operador do banco do PCC, tem experiência no meio político e com o mercado financeiro. Ele é “batizado” no PCC – nomenclatura usada quando um membro é oficialmente aceito e compõe a facção – e integra a chamada Sintonia Geral dos Caixas, que opera movimentações financeiras e de câmbio à organização criminosa. Yamawaki foi preso durante uma operação da Polícia Civil em agosto deste ano.

O delegado Fabrício Intelizano afirmou que os R$ 8 bilhões rastreados pela operação correspondem ao valor dos bloqueios que a polícia pediu à Justiça referentes às movimentações dos suspeitos investigados, incluindo pessoas presas e outras que seguem em liberdade e permanecem na mira dos investigadores. Há poucos dias o Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia contra 19 suspeitos de envolvimento no esquema.

Para o especialista em segurança pública, Sérgio Leonardo Gomes, que atuou no serviço público de inteligência, está evidente que o grande objetivo não é a facção tomar o Estado, mas se infiltrar para obter vantagens econômicas e financeiras, como chegar às licitações e contratos com o setor público.

Foi exatamente isso que revelaram as investigações. Com o apadrinhamento de políticos, além de se infiltrar para ter acesso a informações sobre políticas de segurança e enfrentamento ao crime, a organização criminosa pretendia ampliar seus tentáculos financeiros, acessando mais facilmente contratos e licitações para esquentar dinheiro vindo do tráfico de drogas e outros crimes.

“O objetivo está na capitalização constante e de operar em setores legais da economia para esquentar dinheiro vindo de ações ilegais como o tráfico de drogas. São as diversas formas de operação das organizações criminosas para dar um ar de legalidade a dinheiro sujo, vimos isso nos contratos com o transporte público em cidades paulistas”, descreve Gomes.

“Somado a isso, há gente da facção na política para fazer lobby contra ações de segurança pública ou mesmo orientar faccionados sobre operações, possíveis alvos e ações focadas em regiões das cidades dominadas pelos criminosos”, completa o especialista.

Depois de acessar o banco digital do PCC, os recursos serviam para capitalizar a facção dando ar de legalidade a dinheiro ilegal e até para custear a compra de drogas no Paraguai. A polícia identificou que contas vinculadas ao banco do PCC foram usadas para fazer pagamentos envolvendo transações de entorpecentes no país vizinho.

Quanto ao esquema voltado às eleições, ele era articulado há pelo menos um ano, mas a criação do banco do PCC teria como um dos seus pilares os financiamentos de campanha e de políticos. Seu CNPJ mais antigo está registrado há cinco anos, segundo a polícia.

As investigações identificaram ainda o apadrinhamento de pessoas próximas a faccionados e outras cooptadas pela organização para disputas de cargos eletivos.

A polícia também apontou que a esposa do suspeito tido como líder das operações financeiras chegou a se lançar como pré-candidata a vereadora em Mogi das Cruzes, mas desistiu após a prisão do marido, em agosto. Uma ONG também é citada no esquema de lavagem de dinheiro, sem muitos detalhamentos de como ela operava no esquema.

Segundo o inquérito policial, são mais de 30 investigados dos quais seis teriam ligações diretas com o chamado banco do crime do PCC, os demais têm ligação com o tráfico internacional de drogas.

A polícia identificou que empresas ligadas ao banco transacionaram recursos entre si pela fintech e designavam verbas de financiamentos de campanha, em transferências ou em espécie. As investigações ainda querem entender quanto recurso foi destinado às campanhas e se candidatos bancados pelos criminosos foram eleitos neste ano.

Movimentação bilionária do banco do PCC e o Banco Central

Basta uma consulta rápida sobre a situação de instituições reguladas/supervisionadas pelo Banco Central no site oficial do BC para descobrir que a financeira digital 4TBank não possui licenças para operar no Brasil. Mesmo assim, seu CNPJ tem cinco anos e nunca despertou qualquer tipo de suspeitas da autarquia federal que deve garantir a estabilidade da moeda nacional e do sistema financeiro.

No site sobre a condição legal de operações, o BC alerta que a consulta sobre as condições de bancos e instituições financeiras “são importantes para conhecer o mercado e saber se a instituição que está oferecendo a abertura de conta, algum produto ou empréstimo está cadastrada no BC e, assim, evitar golpes”, mas a fintech com movimento bilionário operou a serviço do crime sem ser barrada por meia década, aplicando, ao que indica a apuração policial, um golpe ao sistema federal.

“É preocupante que uma instituição que opera como banco digital do PCC tenha funcionado por tanto tempo e movimentado tantos recursos sem ter chamado a atenção das autoridades”, avalia o analista de mercado financeiro, Marcelo Dias.

Além do CNPJ original, outros dois Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas aparecem vinculados à instituição financeira. Ao menos 19 empresas suspeitas de operar como laranjas são investigadas no esquema.

Na internet o 4TBank, indicado pela polícia como o banco do PCC, se descreve como “um banco digital que oferece vantagens como comodidade, segurança, menos burocracia, opções de investimentos, menores custos e taxas”. Nesta semana a página estava fora do ar e as contas dos investigados, de acordo com a Justiça, foram bloqueadas.

A Gazeta do Povo procurou o BC, questionando sobre as operações da instituição financeira apontada como banco do PCC, as movimentações ilegais e possíveis fiscalizações, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. A Polícia Civil de São Paulo reforçou no inquérito que o 4TBank não tinha licenças do BC para operar.

Para o especialista Marcelo Dias, soma-se à gravidade de não autorização para operar, as movimentações constantes entre contas de membros tidos como faccionados ou a serviço da facção sem levantar suspeitas. “Não estamos falando de milhares nem milhões, mas de bilhões de reais. Como esses recursos entraram e saíram das contas sem que tivessem sido rastreados pelas autoridades de fiscalização e controle? Isso é inadmissível”.

Somente em um dos CNPJs vinculado ao banco digital, a polícia identificou a movimentação de R$ 100 milhões nos últimos cinco anos em saques em espécie. “Dinheiro vivo é uma forma muito clara para operações financeiras não serem rastreadas. Financiamentos de campanha, compra de votos, o dinheiro em espécie deixa poucas marcas de rastreabilidade e facilita muito as ações criminosas”, explica Marcelo Dias.

No mesmo período a movimentação financeira global deste CNPJ foi de R$ 600 milhões envolvendo transações diversas, como transferências entre uma empresa suspeita e outra. Além do estado de São Paulo, um dos CNPJs é de uma financeira com sede em Palmas, no estado do Tocantins. A polícia indica que se trata de uma empresa ligada a laranjas.

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