Uma das principais lideranças do "bolsonarismo raiz", a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) trabalha no Congresso para pavimentar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ela costura a criação da bancada conservadora, grupo que promete pressionar pela votação no Congresso de uma série de propostas da chamada agenda de costumes – que a base bolsonarista vê como fundamental para a reeleição.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Bia Kicis fala de assuntos que podem influenciar as eleições de 2022, como o partido no qual Bolsonaro e os "bolsonaristas" vão se filiar e a disputa pela presidência da Câmara — ela defende um nome alternativo: a deputada licenciada e ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM). Bia também falou sobre o projeto que propôs no Congresso e que apelidou de "Lei Constantino", para punir estupradores com mais rigor e prever a castração química deles.
Leia os principais trechos da entrevista com a deputada Bia Kicis:
As eleições de 2022 estão se aproximando e o presidente Bolsonaro não tem partido. Ele recebeu propostas de filiação e há até a possibilidade de voltar ao PSL. Isso gera algumas incertezas, não? O é discutido internamente?
Bia Kicis: Março é nosso deadline [data-limite] para a gente definir essas questões de partido [no qual Bolsonaro e os bolsonaristas vão se filiar]. Agora, está tudo muito no ar ainda. Não dá para a gente ter certeza do que vai acontecer. Mas existe aí uma possibilidade ainda do presidente retornar ao PSL? Existe, mas não é tão grande assim. Ele ainda está contando com o Aliança pelo Brasil até março, que é o deadline dele também. Se não for o PSL, tem outros partidos. Vários partidos convidaram o presidente: Republicanos, PP, PL, Patriota, PTB. Tem vários partidos que gostariam que ele fosse para lá. Tem que aguardar um pouco. Mas estamos na marca de pênalti [para definir o partido].
O presidente do PTB, Roberto Jefferson, ainda sonha em filiar o presidente em seu partido. Até disse que a senhora poderia ser candidata ao Senado ou ao governo do Distrito Federal pelo PTB. A legenda é, de fato, uma alternativa?
Bia Kicis: É uma alternativa. A gente não pode descartar. Ele tem sido, sim, um apoiador do presidente, das pautas conservadoras. Modificou todo o seu estatuto agora, para fazer do PTB um partido conservador. Tem muita gente indo para lá, mas não quero tomar nenhuma decisão antes de o presidente Bolsonaro decidir o destino dele. Eu prefiro estar ao lado do presidente, no mesmo partido que ele estiver.
Mas, ao mesmo tempo, é dito entre alguns “bolsonaristas” que é preciso avaliar muito bem o partido. Dependendo da legenda, alguns dos senhores teriam concorrência com lideranças locais em partidos mais estruturados...
Bia Kicis: Sim, pode ser que não seja possível [estarmos ao lado do presidente no mesmo partido], e pode ser que aqui no DF [Distrito Federal] não tenha espaço [para mim, a depender do partido escolhido]. Até porque tem partido que, dependendo da região, ele funciona de uma forma. Dependendo da região, funciona de outra. Num local é mais alinhado à direita, em outro à esquerda. Vou ter que esperar um pouquinho para decidir.
Sobre a presidência da Câmara. É verdade que a senhora apoia uma candidatura da ministra da Agricultura, Tereza Cristina [ela é deputada federal licenciada por Mato Grosso do Sul]?
Bia Kicis: É verdade. Já conversei com o presidente também. Ele não se opôs de forma alguma, é um caminho. Conversei com a ministra também. A ministra não vai se lançar, evidentemente. Mas eu lancei o nome dela e tem o apoio de muita gente. Mas, na verdade, não foi uma ideia minha, algo que eu já tinha ouvido; várias pessoas apoiam o nome dela. Em participação ao vivo em programa, eu verbalizei, expus isso aí. E tem tido muito apoio. Quem sabe, né? Seria um nome que acomodaria a base do presidente, que votaria com tranquilidade nela. Teria o apoio de muitas pessoas de diferentes partidos e frentes, como a FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária], que é a maior frente do Congresso. Teria ali pelo menos metade dos votos. É uma questão de conversar, buscar esse caminho.
Os eleitores “bolsonaristas” parece que gostam dessa ideia...
Bia Kicis: Sim, ela não conta com resistência da base do presidente. Todas as pessoas com quem falei viram com muitos bons olhos.
E o que a ministra disse à senhora?
Bia Kicis: Ela disse o seguinte: que ela trabalha por missão. Se essa for a missão dela, ela está pronta.
E qual é o clima do PSL sobre a eleição da presidência da Câmara?
Bia Kicis: Mais da metade do partido vai apoiar o candidato que for melhor para a governabilidade, melhor para o presidente. Aquele candidato que for mais alinhado às pautas do presidente, que tiver compromisso com a governabilidade. Jamais apoiará alguém que seja oposição do governo. A outra parte, que acredito que seja menos da metade, aí eu acho que vai depender de algumas conveniências, alguns acertos.
Mas há um sentimento de que o poder da bancada conservadora [que Bia Kicis tenta criar] fica muito atrelado ao comando da Casa. Um presidente da Câmara mais afeito à agenda conservadora pode pautar essas matérias [a agenda de costumes]. Outro, não. Como a senhora avalia isso?
Bia Kicis: Grande parte da bancada conservadora veria com muita simpatia a candidatura da ministra Tereza Cristina. Tem uma parte conservadora da bancada que é ligada ao Republicanos, e aí você tem o presidente deles, o [deputado federal] Marcos Pereira [SP], que concorre também. Não posso dizer que a bancada em peso apoiaria a ministra, porque teria essa concorrência. Mas eu acho que, tirando o pessoal do Republicanos, nós temos muita chance de ter na bancada grande apoio para a Tereza.
Mas a ministra Tereza Cristina é do DEM, do atual presidente, Rodrigo Maia. Como associar ela a uma candidata que trabalharia pelo governo, não pelos interesses do partido?
Bia Kicis: O DEM é um partido muito grande. Obviamente que precisaria de um aceno do ACM [Neto]. Ele é o presidente do partido. Teria que ter um aceno dele aí. Por isso, claro, é uma coisa a ser construída. Mas o Rodrigo [Maia] poderia olhar com bons olhos [o nome de Tereza Cristina]. E, vendo que seria alguém do partido dele, ele não ficaria totalmente desprestigiado. Então, o Maia teria que abrir mão do projeto dele de ser uma oposição ao presidente.
Caso a ministra Tereza Cristina não tope essa missão, Marcos Pereira não poderia ser um candidato a ser apoiado pela bancada conservadora?
Bia Kicis: Eu acho que isso dependeria muito de qual seria a posição dele relativamente ao Rodrigo Maia. Porque se ele for alinhado ao Rodrigo Maia, se ele estiver contando com o apoio do Rodrigo Maia, fica difícil. Porque o Maia é oposição ao presidente. Ele tem três candidatos hoje: Aguinaldo [Ribeiro, do PP, líder da Maioria], Marcos Pereira e Baleia [Rossi, presidente do MDB]. São três candidatos do Rodrigo Maia. Marcos Pereira é muito ligado ao Maia, apesar de ser conservador. Nesse caso, eu não vejo como sendo uma saída, a não ser que ele se coloque como totalmente independente com relação ao Rodrigo Maia.
Mudando de assunto. Sobre a chamada “Lei Constantino”? A senhora é autora de um projeto de lei de castração química para estupradores...
Bia Kicis: Essa Lei Constantino, que é a Lei 5112/2020, ela vem porque eu acompanhei a enorme injustiça que fizeram com o Rodrigo Constantino [colunista da Gazeta do Povo] quando ele fez uma live com um amigo dele, em uma página dele, não tinha nada a ver com o trabalho dele na [rádio] Jovem Pan [que demitiu Constantino após o episódio]. Ele tratou de situações que ele estava falando hipoteticamente, relacionado à filha dele, sem nenhuma menção ao caso à menina que veio a público, a questão que chamaram de estupro culposo. Não estava se referindo àquilo e falando de questão de educação, como educa a filha dele e tal. E queriam tratar como se ele fosse estuprador. Depois, ele fez uma provocação, perguntando se as pessoas que o chamam de estuprador adeririam a um projeto que endureça a pena ao estuprador e que propõe a castração química deles. E aí falei: "Bom, vamos lá". No mesmo dia fiz o projeto, apresentei, chamei de Lei Constantino exatamente porque surgiu dele essa ideia de reavivar o projeto do então deputado [Jair] Bolsonaro, que está arquivado.
O projeto do presidente não poderia ser desarquivado?
Bia Kicis: Quando você não se reelege como deputado [caso de Bolsonaro, que virou presidente], ninguém pode desarquivar o projeto. Teria que ser outro [parlamentar a propor a mesma ideia].
Mas por que “Lei Constantino”?
Bia Kicis: Nesse momento, quem precisava ter essa visibilidade é o Constantino, para combater uma narrativa falaciosa que ele estaria agredindo mulheres e defendendo estuprador – quando, na verdade, era o contrário do que ele propõe. A lei prevê o aumento das penas para quem comete o crime de estupro e, também, propõe que a pessoa possa se submeter voluntariamente à castração química para poder progredir de regime; sair de regime fechado para semiaberto e tudo o mais.
E como está esse projeto na Câmara?
Bia Kicis: Tem várias pessoas querendo relatar. Muitos deputados vieram falar comigo, elogiar a iniciativa. E alguns já se colocaram à disposição. A gente não tem nada fechado, e precisa da pessoa ser designada para ser a relator. Não quero falar em nomes, porque não quero atrapalhar, corre o risco de atrapalhar. Teve uma aceitação muito grande, mas muita gente não entendeu.
Poderia explicar melhor esse “não entenderam”?
Bia Kicis: Questionaram coisas como: “Por que chamar de Lei Constantino? Fosse assim, prestigiasse outros jornalistas que já foram também muito perseguidos. Ou chamasse de Lei Bolsonaro”. Mas, na guerra cultural, tem que entender a hora de dar o passo. O presidente Bolsonaro não precisa dessa lei nesse momento; não é algo que vai ser marcante para ele. Para o Constantino, fica o registro de que parlamentares entenderam a atitude dele e o apoiam; e sabem que ele não é um apoiador de estuprador, nem uma pessoa que agride as mulheres. É importante, neste momento, que a lei seja denominada com o nome dele. E aliás, queria fazer um elogio...
Pode fazer, deputada...
Bia Kicis: Eu quero aqui fazer um registro da atitude da Gazeta do Povo que foi corajosa, já que, hoje, tem sido nós que ousamos discordar do politicamente correto. Nós temos sido muito atacados; e a Gazeta foi atacada também, pelo Sleeping Giants, querendo atacar os anunciantes. E a Gazeta teve uma atitude honrada, corajosa, de não ceder. Porque as pessoas cedem a esse tipo de chantagem e eu entendo até quem cede, mas precisamos de pessoas que sejam firmes, corajosas e não cedam. Se não, vamos perder todos os espaços e essas pessoas, que são canalhas, vão ocupar todos os espaços. Eu tenho dito que está na hora de as pessoas de bem, dos conservadores, terem a ousadia dos canalhas. Inclusive, em razão disso, levei a público, fiz um tuíte e fiz campanha para que as pessoas assinem [a Gazeta do Povo], porque temos que prestigiar quem faz sucesso. Porque gente que ataca com pedra não falta. É preciso apoiar pessoas que tem coragem de fazer o certo, e apoiar com atos concretos, não só palavras bonitas.
E sobre o voto impresso, deputada? A senhora é autora de uma PEC [135/19] que o regulamenta. Acredita na votação dessa matéria para 2021?
Bia Kicis: Com certeza. Nós queremos voto impresso em 2022, vamos lutar por isso.
Hoje, a sua PEC está parada no aguardo da instalação de uma Comissão Especial. Mas essa é uma matéria que, a depender da vontade da Câmara, pode ser votada diretamente no Plenário, não?
Bia Kicis: Pode, porque já fizemos isso agora, durante a pandemia. As assinaturas já temos, porque eu consegui, aprovei na CCJ. Já foi aprovada na principal comissão [permanente da Câmara], então, pode ser levada diretamente, sim. Mas eu não acredito muito nisso.
Ter a PEC aprovada em uma Comissão Especial poderia ser vantajoso?
Bia Kicis: Sim, eu até acho que a gente pode fazer uma Comissão Especial para esclarecer parlamentares que ainda têm dúvida. Tem gente que confunde voto impresso com voto do papel. A gente quer mostrar, principalmente, a vulnerabilidade do sistema e mostrarmos que o que nós queremos é mais transparência. Todo parlamentar com quem eu falei até agora ou já é a favor do voto impresso, porque o Parlamento é muito favorável, ou ele tem uma certa resistência que se entre no debate da fraude. Mas quando eu falo: “o que a gente quer é transparência”. Aí eles falam: “não, eu topo, transparência eu também quero”.
E sobre as críticas ao voto impresso, de que seria um retrocesso, um "anacronismo", a exemplo do presidente do TSE [Luís Roberto Barroso]? Como a senhora as responde?
Bia Kicis: Eu ouço ministros do Supremo [Tribunal Federal, o STF], do TSE, dizerem assim: “o voto impresso seria retrocesso”. Isso só pode ser fruto de ignorância ou de má-fé. Por quê? Se você pegar a história da urna eletrônica, você vai ver que as primeiras urnas não tinham o voto impresso. E é urna de primeira geração, que só o Brasil usa. Aí, os países tecnológicos que começaram a usar, logo perceberam a grande fragilidade e abandonaram e voltaram para o papelzinho.
Sim, hoje, a maioria dos países usam a urna híbrida, o impresso com o eletrônico...
Bia Kicis: Teve uma doutora, Rebecca Mercuri [cientista da computação especialista em sistemas de votação eletrônica] que ela fez a tese dela dizendo que, com o voto impresso, a urna eletrônica não precisaria ser descartada. Ela poderia ser usada, ela passaria a ser viável. O maior absurdo é dizer que o voto impresso é o retrocesso quando você tem a urna eletrônica, porque a urna eletrônica foi descartada no mundo inteiro. Ela só passou a ser usada de novo com o voto impresso. O Brasil é o único país do mundo que tem urna eletrônica sem voto impresso.
Qual o principal problema da urna somente eletrônica, na sua avaliação?
Bia Kicis: É que o voto não é auditável. A contagem não é transparente. Tem gente que, inclusive, acha que não deveria ter urna eletrônica de jeito nenhum, porque você não acompanha o caminho do voto. Ele entra dentro da urna e você tem que acreditar e rezar que ele vai chegar lá com o seu candidato. Mas pode haver qualquer desvio pelo caminho, isso é a coisa mais fácil que pode acontecer.
É um debate que passa pela ruptura do entendimento do STF de que o voto impresso é inconstitucional. Ao longo de anos, ministros sustentam o discurso de quebra do sigilo e inviolabilidade do voto...
Bia Kicis: A urna [eletrônica] pode dar problema também. Você votou no teu candidato, não consegue confirmar, tem que chamar o mesário. Isso [de inconstitucionalidade do voto impresso] é uma tremenda de uma bobagem, é uma narrativa. E, na verdade, a quebra de sigilo foi porque lá atrás, numa urna anterior, permitia que você, na cédula impressa, identificasse o eleitor. Agora, não, o voto impresso é só um espelho do voto digital, não tem nenhuma informação a mais. Então, não tem como identificar.
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