Com a volta da discussão sobre uma possível anistia aos envolvidos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023 e em outros atos antes e depois das últimas eleições presidenciais, deputados e senadores se articulam para tentar avançar com projetos que podem beneficiar diretamente pessoas presas durante os protestos e, até mesmo, o ex-presidente Jair Bolsonaro e militares.
Os pedidos de anistia voltaram à cena política após o ato pró-Bolsonaro realizado no dia 25 na Avenida Paulista, em São Paulo, quando o ex-mandatário defendeu o perdão para aqueles presos injustamente, muitos sem uma condenação. São pelo menos seis projetos que tramitam na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Como tratam do mesmo assunto, as matérias foram agrupadas e são discutidas a partir de um projeto principal, apresentado em novembro de 2022 pelo deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), que foi líder do governo Bolsonaro. O texto prevê a anistia para manifestantes, caminhoneiros, empresários e todos aqueles que participaram de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional entre 30 de outubro de 2022 até o dia em que a lei [se aprovada] entrar em vigor.
Na justificativa do projeto, o deputado diz que a anistia alcança os crimes de qualquer natureza relacionados a crimes políticos ou praticados por motivação política. Segundo o texto, também se beneficiam do perdão quem financiou, organizou e apoiou atos, além daqueles que tiverem feito comentários ou publicações em redes sociais ou qualquer plataforma na internet.
Anistia se estende até mesmo a quem participou de atos anteriores às eleições 2022
Outra proposta apresentada antes de 8 de janeiro de 2023, do deputado José Medeiros (PL-MT), concede anistia a todos que tenham se manifestado ou financiado atos e protestos políticos a partir de junho de 2022.
Medeiros disse à Gazeta do Povo que percebeu o clima tenso e de enfrentamento bem antes das eleições presidenciais, e por isso decidiu tomar a iniciativa. Segundo o parlamentar, o projeto tem um escopo amplo, e estabelece perdão para "qualquer manifestação escrita ou falada que tenha relação com o processo eleitoral e a discussão política, para que as pessoas não sejam punidas por expressar opiniões ou por participar de atos".
O deputado disse que chegou a ser punido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após fazer um pronunciamento na tribuna da Câmara dos Deputados, e ter as redes sociais suspensas por meses.
Ele, inclusive, disse que foi intimado pela Polícia Federal recentemente, na mesma época em que o líder da oposição, Carlos Jordy, foi alvo de mandados de busca e apreensão, mas sequer sabe o motivo, já que sua defesa ainda não teve acesso aos documentos.
Mesmo sendo um dos defensores da anistia, o deputado acredita que a proposta dificilmente passe, nem mesmo pela CCJ. Segundo o parlamentar, não basta a oposição querer. "Quem decide são os líderes, eles se reúnem e definem as pautas". conclui.
Também da bancada do PL, o deputado Alexandre Ramagem (RJ) quer alterar artigos dos Códigos Penal e de Processo Penal para evitar "interpretações desviadas" da legislação.
O deputado disse à Gazeta do Povo que o projeto demonstra que "dispositivos utilizados para condenar presos do 8/1, como violação ao Estado Democrático de Direito, por exemplo, estão tendo uma interpretação abusiva, levando a condenações absurdas". Ramagem aponta que repensar esses dispositivos alcançaria todos aqueles que estão supostamente vinculados aos atos de 8 de janeiro".
Sobre um eventual acordo ou anuência para que esses projetos avancem, o deputado Ramagem acredita que ainda é preciso aguardar, ver qual o comportamento dos partidos, e ainda a vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para pautar a matéria.
Análise sobre anistia aguarda votação na CCJ
Os projetos que tratam da anistia a presos, financiadores, organizadores, políticos e militares que participaram de alguma forma de protestos contra as eleições e o sistema eleitoral aguardam análise dos deputados da CCJ. Todos eles são relatados, de forma conjunta, pela deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que já deu parecer prévio sobre a inconstitucionalidade das propostas.
"Sou relatora na CCJ da Câmara do projeto apresentado pela extrema direita que pretendia perdoar Bolsonaro e seus comparsas pela tentativa de golpe. O relatório que apresentei rejeita essa tentativa ridícula de impedir que os terroristas do 8 de janeiro, seus mentores e financiadores paguem por seus crimes. Especialmente Bolsonaro, os generais e parlamentares envolvidos", afirmou a deputada no X (antigo Twitter), no dia em que Bolsonaro defendeu a anistia, durante o ato na Paulista.
Adilson Barroso (PL-SP) foi mais um deputado da oposição a sugerir anistia para todos que no período das eleições de 2022 "tenham praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política e eleitoral, decorrente ou relacionado com estes, tal como aos que sejam praticados por motivação politica, incluindo condutas inseridas no âmbito da liberdade de expressão, manifestação e crença".
Por fim, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) defende que quem participou do ato de forma pacífica ou financiou a manifestação não seja penalizado. Segundo ele, a anistia não será estendida àqueles que depredaram o patrimônio público. De acordo com o texto, ficam absolvidos todos os que participaram da manifestação por motivação política ou eleitoral, assim como aqueles que forneceram apoio, por quaisquer meios, seja contribuição, doação, logística ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas.
Senado também deverá analisar anistia a presos do 8/1
No Senado Federal, o ex-vice presidente, general Hamilton Mourão (Republicanos - RS), também apresentou um projeto propondo o perdão aos manifestantes presos no 8 de janeiro pelos crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O texto está atualmente na Comissão de Defesa da Democracia, e é relatado pelo senador petista Humberto Costa (PE), que ainda não se manifestou sobre o tema.
Parlamentares próximos ao senador avaliam que a tendência, assim como na Câmara, é de que o relatório não seja favorável à proposta, e também neste caso a alternativa seria aprovar o projeto por maioria de votos dos parlamentares.
Ao jornal "Valor", o senador disse que está "batalhando" para a proposta avançar. Caso não seja possível, a alternativa seria apostar numa proposta de emenda à Constituição apresentada pelo senador Márcio Bittar (União-AC), e que tramita na CCJ do Senado.
A PEC busca anistiar os acusados e condenados pelas manifestações de 8 de janeiro, em Brasília, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que foi declarado inelegível por abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação e conduta vedada a autoridades nas eleições.
Apesar da vontade de parte do Congresso, especialistas não acreditam em possível anistia
Mesmo com o esforço do Congresso para debater a anistia, o advogado criminalista Henrique Attuch, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) não acredita que esses projetos tenham força suficiente para avançar.
"Ocorre que o obstáculo político é gigantesco, dado o grau de indisposição que a aprovação dos projetos poderia gerar com o Supremo Tribunal Federal (STF), sem contar com o fato de que, de acordo com a Constituição, a anistia, mesmo que aprovada, dependeria de sanção presidencial", lembrou.
O cientista político Leonardo Barreto, da Vector Research, compartilha da mesma opinião. Segundo ele, o discurso pela anistia é "uma maneira de materializar a narrativa de pacificação". Mas segundo ele, as propostas dificilmente terão maioria no Congresso Nacional, portanto "num primeiro momento, a chance de prosperar seria pequena, porque os parlamentares seriam cobrados por boa parte da mídia."
Além disso, mesmo que os projetos passem pelo Congresso Nacional, certamente vão esbarrar no STF, com a declaração de inconstitucionalidade.
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