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Após sair fortalecido em 2024, o Partido Liberal já vivencia disputas internas que demandarão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) posicionamentos sobre quais aliados irá priorizar na composição das chapas estaduais em 2026. Em recentes posicionamentos, o ex-mandatário sinalizou apoios que podem interferir em eleições de estados importantes para a direta.
As movimentações do PL visam obter uma bancada majoritária no Senado para se contrapor ao ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, a estratégia do partido comandado por Valdemar Costa Neto é eleger um ou dois senadores em estados em que Bolsonaro obteve vitória no último pleito, como Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em 2026, cada um dos 26 estados e o Distrito Federal irão eleger dois novos senadores. Ou seja, 54 dos 81 senadores serão eleitos no próximo pleito.
Em Santa Catarina, o recente atrito entre a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) e o governador Jorginho Mello (PL) pela vaga na Câmara Alta do Legislativo evidenciou que a sigla ainda se divide entre os que preferem compor com outros partidos e os que defendem que o PL lance chapas “puro-sangue” para o próximo pleito.
Presidente regional do partido e postulante à reeleição, Mello sinalizou, na semana passada, a possibilidade de firmar alianças com outras legendas, o que gerou desconforto em Zanatta, já que ela e Caroline De Toni foram nomes cotados por Bolsonaro para disputar o Senado.
“Aqui tem governador e vai ter composição. Nós não iremos indicar as duas vagas para o Senado”, afirmou Mello. Ele nota, ele acrescentou que as decisões serão tomadas em acordo e em conjunto com o presidente Valdemar Costa Neto e Bolsonaro.
Em resposta, Zanatta criticou a declaração do governador. A parlamentar defendeu que o partido tem condições de indicar dois candidatos ao Senado. "O fato de ele [Jorginho Mello] demonstrar que vai intervir na escolha das vagas para o Senado deixou muita gente incomodada. Ainda mais aqui em Santa Catarina, onde não precisamos de composição”, disse a deputada.
Em Pernambuco, o PL enfrenta uma grave crise interna, com a possível saída de três figuras influentes: Gilson Machado Neto, ex-ministro da Cultura e do Turismo; Gilson Machado Filho, vereador do Recife; e o deputado estadual Coronel Alberto Feitosa. A alegação do grupo é o descontentamento com a condução do presidente estadual da sigla, o ex-prefeito Anderson Ferreira, desde as eleições de 2022.
“Seu estilo de condução política, marcado por exposições midiáticas e disputas internas, tem afastado aliados históricos de Bolsonaro em Pernambuco”, disse Gilson Machado em nota. O grupo estuda uma mudança para o PP, partido do deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE). Caso isso ocorra, o Partido Liberal no estado poderá ficar enfraquecido no ano que vem. Ferreira foi procurado pela reportagem, mas assessoria afirmou ele não irá se pronunciar sobre o assunto.
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Senado: Bolsonaro já sinalizou candidaturas para 10 estados
Em meio às disputas internas, o ex-presidente já sinalizou apoio a uma lista de nomes que podem concorrer ao Senado em 2026. Os nomes, relacionados ao vivo durante entrevista para o jornalista Léo Dias, mexeu com o cenário em 10 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia, Ceará, Amazonas, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Na região Sul, a lista de Bolsonaro incluiu nomes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Dentre os possíveis candidatos do Rio Grande do Sul estão os deputados federais Giovani Cherini e Ubiratan Sanderson, além o líder da oposição, deputado Luciano Zucco. A sinalização de apoio de Bolsonaro animou aliados e, nos bastidores, o nome de Zucco já é mencionado por lideranças estaduais como o mais cotado para concorrer ao governo do estado.
Embora Bolsonaro tenha mencionado nomes suficientes para “fechar as vagas”, ele não descartou uma aliança com o partido Novo. Com isso, a construção fica mais complexa, já que o deputado Marcel van Hattem já declarou, em entrevista ao Poder 360, que sua prioridade em 2026 será concorrer ao Senado.
Nas eleições de 2022, o PL quase elegeu o ex-ministro Onix Lorenzoni para comandar o RS. Ele teve o melhor desempenho no primeiro turno do pleito, obtendo aproximadamente dois milhões de votos. Porém, perdeu no segundo turno, no qual o então governador Eduardo Leite (PSDB) conseguiu virar o resultado e venceu por uma vantagem de 900 mil votos. Agora, com Eduardo Leite fora da disputa pelo Palácio Piratini, por já estar exercendo o segundo mandato, o cenário pode ser favorável para o partido de Bolsonaro no estado.
Para o Paraná, Bolsonaro ainda não mencionou indicações de candidatos para o Senado publicamente. Isso se deve ao fato de o estado ter um cenário que envolve o atual governador, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD). Ele é um dos nomes cotados pela direita para disputar a presidência, mas ainda a possibilidade de o governador do PR se candidatar a uma das vagas do estado para a Casa Alta do Congresso em 2026.
No estado, o PL também tem disputas internas que podem render algumas dores de cabeça ao ex-presidente. O deputado Filipe Barros e o vice-prefeito de Curitiba e ex-deputado federal Paulo Eduardo Martins também tem a intenção de buscar uma vaga no Senado. A expectativa é de que Barros receba o apoio formal de Bolsonaro em evento de lançamento da pré-candidatura.
"Temos pela frente um trabalho de grande responsabilidade. Por isso, nós do PL Paraná trabalhamos para, já no fim de março, realizarmos um grande encontro da direita, em Curitiba, ao lado de Bolsonaro, para o lançamento de minha pré-candidatura ao Senado", disse o deputado Filipe Barros à Gazeta do Povo.
Além da disputa interna, existe também a situação de Cristina Graeml, hoje no Podemos, que concorreu ao cargo de prefeita de Curitiba pelo PMB e ficou no segundo lugar na disputa - mesmo sem ter concorrido a outros cargos antes. Cristina teve o apoio velado de Bolsonaro, já que Paulo Martins, do PL, estava na chapa encabeçada por Eduardo Pimentel (PSD) e que foi eleita na capital paranaense.
Manter coesão partidária no atual sistema político traz desafios para a direita
Para o cientista político Jorge R. Mizael, a realidade política do sistema federativo brasileiro torna a coesão partidária um desafio para partidos em processo de consolidação, como é o caso do PL. A autonomia política dos estados influencia diretamente as dinâmicas partidárias locais, o que pode dificultar o alinhamento entre interesses estaduais e nacionais.
“No contexto do sistema federativo brasileiro, os estados possuem autonomia política que influencia diretamente as dinâmicas partidárias locais. Conflitos internos, como os observados recentemente no Partido Liberal (PL), evidenciam a dificuldade de alinhar interesses estaduais e nacionais. A disputa entre Júlia Zanatta e Jorginho Mello pela candidatura ao Senado em Santa Catarina exemplifica essa tensão”, afirmou Mizael.
Para ele, essas divergências regionais podem comprometer a estratégia nacional da sigla em 2026. “Os estados têm um papel crucial na formação de colégios eleitorais e na articulação política, e essas disputas podem afetar o desempenho do partido na eleição”, analisou.
As dificuldades mencionadas pelo cientista político foram observadas durante as eleições municipais do ano passado, momento em que PT e PL estiveram na mesma coligação em diversos municípios do país.
Como a Gazeta do Povo mostrou anteriormente, só no Paraná, por exemplo, os partidos estiveram unidos em 10 municípios. Em três deles, foram eleitos prefeitos com o apoio das duas legendas: Bela Vista da Caroba, Catanduvas e Três Barras do Paraná.
Na época, o diretório nacional do PL chegou a se mobilizar para impedir coligações de seus quadros com partidos do campo da esquerda, alegando que os diretórios que firmassem alianças com siglas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva estariam sujeitos a medidas disciplinares previstas no Código de Ética do PL.
PL passa por nova configuração para acomodar aliados de Bolsonaro
O caso vivenciado nas eleições municipais levou o partido a se reformular e a realizar mudanças em diretórios estaduais. A chegada do ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga à presidência do PL na Paraíba, em fevereiro deste ano, é vista como um movimento para reforçar a identidade conservadora dentro da legenda e diminuir a presença de membros do Centrão.
Questionado pela reportagem sobre o assunto, Queiroga negou haver uma divisão entre a ala mais ligada a Bolsonaro e a ala mais ao centro, e disse que se tratava de um processo natural de reorganização da legenda.
“Tanto o presidente Bolsonaro quanto o presidente Valdemar Costa Neto sempre nos deram o apoio necessário para estruturar o partido aqui na Paraíba”, disse Queiroga, ao minimizar relatos de tensão interna. Ele citou mudanças recentes, como a nomeação do deputado estadual Carmelo Neto para a presidência do diretório no Ceará e de Rogério Marinho para o comando do PL no Rio Grande do Norte.
“Está havendo essa nova configuração para acolher as lideranças do PL que chegaram com o presidente Bolsonaro, que é o maior líder conservador da América Latina, um dos maiores do mundo”, afirmou.
Disputas no PL refletem crescimento e necessidade de articulação
O fortalecimento do PL como uma das principais forças políticas do Brasil trouxe consigo desafios internos, segundo o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos. “Naturalmente, quando um partido se torna majoritário e passa a abrigar diferentes perfis de lideranças, as disputas internas por espaço político aumentam”, destacou.
Para Arruda, apesar das tensões, essas disputas são naturais em partidos que se consolidam nacionalmente. “O ex-presidente Bolsonaro segue como a principal liderança do partido e tem um papel fundamental na articulação e mediação de interesses, tanto em nível nacional quanto estadual”, afirmou.
No entanto, ele alerta que “o cenário de 2026 exige uma estrutura partidária coesa, e manter essa unidade será um grande desafio”.
O especialista também destaca que os embates internos não devem ser reduzidos a uma disputa entre uma ala “ideológica” e outra “fisiológica”. “O que vemos são diferentes lideranças buscando consolidar seu espaço dentro de um partido que cresceu exponencialmente e que precisa equilibrar seus interesses regionais com a estratégia nacional”, explicou.









