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Apoio à guerra

Rússia burla sanções ao petróleo com venda de diesel e Brasil se torna 2º maior cliente

Putin e Lula
Imagem de arquivo da visita de Vladimir Putin ao Brasil em novembro de 2004, durante primeiro governo Lula (Foto: EFE/FERNANDO BIZERRA JR/ARQUIVO)

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O Brasil fechou o ano de 2024 como o segundo maior comprador de diesel russo do mundo, ficando atrás apenas da Turquia. De acordo com informações obtidas pela Gazeta do Povo através do think tank finlandês Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA), mais de sete milhões de toneladas do diesel russo foram adquiridos por importadores brasileiros, quantia que foi superior a R$ 38 bilhões.

O dado mostra que o Brasil se tornou um dos maiores apoiadores da nova estratégia da Rússia para tentar burlar sanções econômicas impostas pelo Ocidente às suas exportações de petróleo. A venda de petróleo vem sendo usada por Moscou para financiar a invasão à Ucrânia, que já deixou ao menos 250 mil combatentes mortos, segundo estimativas conservadoras.

A Rússia é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. As sanções são aplicadas a navios petroleiros e companhias de seguros que transportam o petróleo cru da Rússia para a venda a preços superiores a US$ 60 por barril. Esse preço foi definido para que Moscou lucre menos, sem que o mercado de petróleo seja abalado.

Para contornar essas restrições, a Rússia tem optado por exportar o petróleo já refinado, na forma de diesel ou gasolina, por exemplo, uma vez que as sanções sobre esses derivados têm impacto menor no preço final do produto. Além disso, há uma maior disponibilidade de navios para o transporte desses combustíveis, o que facilita o seu escoamento. Entre os produtos petrolíferos exportados pela Rússia, estão a gasolina, o querosene e a nafta, além de óleos, lubrificantes e o próprio petróleo bruto.

O diesel, contudo, é o principal foco das importações brasileiras com origem em Moscou. Em 2024, dados do think tank CREA mostram que o Brasil foi o destino de 25% do óleo diesel vendido pelo regime russo. Já a Turquia, país que mais comprou diesel da Rússia no último ano, representou a fatia de 43% dessas vendas, com mais de 10,3 bilhões de euros investidos no produto – cerca de R$ 63,5 bilhões na cotação atual. Analistas internacionais suspeitam que empresas turcas atuam como atravessadoras, revendendo os produtos para países do Ocidente que não podem comprá-los da Rússia.

Os cinco países que mais importaram diesel da Rússia em 2024 (Foto: Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA))

Ainda de acordo com o think tank, a Rússia lucrou mais de 76,6 bilhões de euros – quase meio trilhão de reais (R$ 470, 3 bilhões) na cotação atual do euro –, com a venda de produtos refinados derivados do petróleo para diversos países. Apenas com o diesel, a Rússia lucrou mais de 24 bilhões de euros, cerca de R$ 124 bilhões, na atual cotação da moeda europeia. Grande parte desse lucro tem sido revertido para o esforço de guerra russo contra a Ucrânia.

Desde que o ditador Vladimir Putin ordenou que suas tropas invadissem a Ucrânia, um grupo de países coordenado pelo G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido) e pela União Europeia, se uniram com a intenção de impor sanções econômicas à Rússia. A medida foi tomada com a intenção de pressionar Putin a colocar um fim na guerra, já que o impacto dos embargos pressionou a economia russa. Apesar dos esforços, Moscou tem sobrevivido através de alianças comerciais e políticas com nações aliadas, como a China e os países dos Brics.

O Brasil não aderiu às sanções contra a Rússia porque a diplomacia brasileira segue a prática de não adotar embargos que não são aprovados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas – o órgão não evoluiu em discussões sobre o conflito devido ao veto russo no Conselho, que embarga decisões que não são a seu favor. Indo no caminho oposto ao adotado pelas nações ocidentais, o comércio russo-brasileiro sobre a gestão do presidente  Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve uma forte guinada. 

Lula, que é visto como um aliado de Vladimir Putin, anunciou ainda o desejo de visitar a Rússia em maio. Em telefonema com o ditador russo nesta semana, Lula afirmou que pretende ir a Moscou para participar das celebrações dos 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial. Diferente do resto do mundo, a Rússia celebra a data no dia 9 de maio e não no dia 8, quando os Aliados aceitaram oficialmente a rendição alemã.

A viagem, conforme apurou a Gazeta do Povo, não está confirmada. Analistas avaliam que o interesse de Lula em viajar para Moscou passa uma mensagem negativa ao mundo, sobretudo quando o petista tem rejeitado convites para visitar a Ucrânia. Ele se recusa até a receber o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ou seus diplomatas no Brasil, mas já atendeu duas vezes pessoalmente o chanceler do Kremlin, Sergei Lavrov.

Putin não pode sair da Rússia porque é alvo de um mandado de prisão internacional por envolvimento direto no sequestro de 20 mil crianças ucranianas de território temporariamente ocupado pelos russos na Ucrânia.

As importações brasileiras da Rússia tiveram um salto em 2021 e depois em 2022, ano que ficou marcado pela invasão russa à Ucrânia (Foto: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC))

Rússia liderou importação de diesel no Brasil nos últimos dois anos

O diesel é o combustível derivado do petróleo mais procurado pelos importadores brasileiros no mercado internacional, já que o Brasil tem limitações quanto ao refino do produto e importa um quarto do que consome. Após o início da guerra, o mercado russo de diesel ficou atrativo para empresários brasileiros, pois com os embargos o preço do produto russo caiu.

Em 2024, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a Rússia foi o país que mais exportou diesel ao Brasil. Cerca de 65% das importações brasileiras de diesel vieram da Rússia; seguidas pelos Estados Unidos (17%); pelos Emirados Árabes Unidos (6%) e pelo Kuwait (5%). O volume de importação de diesel russo por importadores brasileiros em 2024 representa um aumento de 18% em relação ao ano anterior, quando 47% do diesel importado pelo Brasil foi de origem russa – ano em que a Rússia também foi a principal fornecedora de diesel.

Dados do MDIC analisados pela reportagem mostram uma grande mudança no mercado de importação de diesel pelo Brasil que mostram como a guerra influenciou o comportamento dos importadores brasileiros. Até o ano de 2022, o mesmo em que ocorreu a invasão russa ao território ucraniano, o diesel americano era o mais consumido pelo Brasil. Ainda em 2022, o Brasil fechou o ano com 49% da sua importação de diesel tendo origem nos Estados Unidos. Foram US$ 3,4 bilhões investidos no combustível americano. Neste mesmo ano, a importação de diesel russo não chegou a US$ 100 milhões, quantia que não representou nem 1% de todo diesel importado pelo Brasil.

Em 2021, por exemplo, os Estados Unidos havia sido responsável por 82% das importações de diesel feitas por empresários brasileiros. Foram mais de US$ 3,3 bilhões em aquisições do combustível. Naquele mesmo ano, o Brasil sequer importou diesel de origem russa. O mesmo ocorreu em 2020 e em 2019, quando não há registros de operações envolvendo comércio de diesel russo por empresas brasileiras.

O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, explica que quase todas as empresas brasileiras que importam diesel têm negociado com a Rússia, com exceção da Petrobras. As razões para a Petrobras não importar diesel russo não são claras, mas analistas avaliam que o fato de a empresa possuir ações disponíveis nos Estados Unidos e em outros países pode ter sido um dos motivadores. Com a Rússia sendo sancionada pela maioria das nações ocidentais, a avaliação é de que a importação de combustível vindo da Rússia poderia prejudicar a companhia.

Para analistas, o aumento do comércio brasileiro com a Rússia aponta para uma incoerência do governo do presidente Lula. O mandatário, que já rejeitou um envolvimento direto na guerra – como quando vetou vendas de ambulâncias militares à Ucrânia e de equipamentos militares à Alemanha, com receio de que pudesse ser enviado ao conflito – tem sido um grande aliado econômico de Vladimir Putin. Na avaliação de Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard, o atual contexto geopolítico não permite ignorar o destino da economia russa.

"Não se pode levar em consideração [em negociações e parcerias internacionais] apenas a economia, sobretudo em um contexto geopolítico tão complicado como o atual. Ao se levar em consideração só a economia, você esquece que esse dinheiro tem sido utilizado para financiar o esforço de guerra russo que tem matado milhares de pessoas na Ucrânia", avalia Brustolin.

Em 2023, dados do Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI) mostram que 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) russo foi investido em gastos militares. Isso significa que cerca de US$ 109 bilhões foram revertidos para despesas militares. Isso é mais do que toda a ajuda militar que os Estados Unidos enviaram para a Ucrânia desde 2022: cerca de US$ 65 bilhões.

Importadores brasileiros se aproveitaram da guerra para tentar aumentar lucros

O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, explica que não era uma prática comum de importadores brasileiros recorrerem ao mercado russo de diesel por uma questão logística. "Logisticamente falando, faz mais sentido comprar diesel dos Estados Unidos, que chega aqui muito mais rápido e de forma mais segura", explica.

De acordo com ele, o combustível americano leva até 20 dias para chegar ao Brasil, enquanto o russo demora cerca de 30 a 50 dias. O longo período em alto mar também aumenta os riscos sobre a mercadoria e, consequentemente, o preço do frete. Araújo explica, contudo, que este cenário se transformou após o início da guerra. Depois que a Rússia ordenou a invasão à Ucrânia, em fevereiro de 2022, e os países do Ocidente impuseram embargos ao petróleo russo, a conjuntura de venda de combustíveis mudou.

A União Europeia que até então concentrava sua importação de petróleo e gás natural na Rússia, suspendeu a maior parte das negociações após o embargo. Sendo assim, os países do bloco europeu recorreram ao mercado americano para comprar energia. Com o aumento da demanda nos Estados Unidos, o diesel americano sofreu um aumento no preço. Já o diesel russo, após a perda do mercado europeu, enfrentou uma queda no seu preço. Nesse sentido, Araújo explica que surgiu uma janela de "oportunidade" para o mercado brasileiro.

"Com os embargos, o óleo russo teve uma queda muito grande no preço. Apesar do frete e da longa distância, estava compensando negociar com o país a importação do diesel. E como o Brasil não aderiu às sanções, os importadores ficaram livres para negociar com a Rússia e é o que tem acontecido até hoje", pontua.

Não está claro, porém, como os importadores estão escapando das limitações impostas pelo Ocidente às empresas de transporte marítimo e às seguradoras que fazem o transporte desse óleo diesel.

Ainda segundo o presidente da Abicom, a dinâmica de importação de diesel tende a se manter inalterada nos próximos anos. Isso se deve ao fato de que a guerra não apresenta sinais de uma resolução próxima, além do diesel americano continuar a encarecer com a valorização do dólar e o retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Mas há outras peculiaridades da disputa militar. Neste mês de janeiro, a Rússia aumentou em 108 mil barris sua capacidade diária de refino de diesel. A ideia é refinar o petróleo e produzir derivados para fugir das sanções ao petróleo cru, segundo investigação da agência de notícias Reuters. Por outro lado, a Ucrânia identificou essa tendência e intensificou seus ataques com drones de longa distância a refinarias e depósitos de combustível russo.

O alvo mais recente foi a refinaria Lukoil-Nizhegorodnefteorgsintez, em Kstovo, bombardeada no último dia 29. A planta processava 17 milhões toneladas anuais de gasolina e óleo diesel. Desde outubro, 20 ataques similares foram lançados. Mas normalmente as refinarias não são completamente destruídas e a Rússia as reconstrói. Assim, não é possível saber ainda se a Ucrânia vai conseguir minar essa fonte de receitas russas por meio de ações militares.

Apesar do preço mais baixo praticado por Moscou, o valor do diesel não tem previsão de ser reduzido no Brasil. Pelo contrário. Nesta semana, a Petrobrás afirmou que o valor do diesel vai sofrer um reajuste. A razão, de acordo com Magda Chambriard, presidente da Petrobrás, se deve ao valor defasado do combustível em relação ao praticado no Brasil e no exterior. O produto vai sofrer dois aumentos: um ainda indefinido que será repassado pela Petrobrás e outro neste sábado (1º), vinculado ao percentual de aumento do ICMS.

Rússia se escora nos países dos Brics para contornar sanções do Ocidente

Na mira de sanções das nações ocidentais, Vladimir Putin expandiu seu mercado com o chamado Sul Global, termo utilizado para denominar países em desenvolvimento. Em busca de contornar os embargos econômicos impostos pelas potências ocidentais, o ditador russo passou a investir na relação com países aliados e que não aderiram às sanções, como é o caso do Brasil, da China e das nações que formam os Brics.

De acordo com dados do think tank Crea, entre os dez países que mais importaram produtos derivados do petróleo russo (gasolina, diesel, querosene de aviação, entre outros), seis são membros dos Brics. São eles, Brasil, China, Índia, Malásia, Egito e Emirados Árabes Unidos. Juntos, esses seis países importaram mais de 40 bilhões de euros em combustível russo, cerca de R$ 245,2 bilhões. Foram mais de 66 milhões de toneladas de commodities de origem russa adquiridas por esses países.

O Brics é um bloco de nações emergentes inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O grupo que nasceu com viés predominantemente econômico e com a intenção de impulsionar a economia de seus respectivos membros ganhou novas ambições nos últimos anos. Com a mudança da conjuntura geopolítica, o Brics adotou uma postura política antiamericana desde 2023, questionando a ordem mundial.

Em 2023, após mais de uma década de formação, o Brics anunciou sua expansão, com convite para seis novos países aderirem ao bloco como membros plenos. Foram eles: Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã. A Argentina, após Javier Milei assumir a Casa Rosada, declinou o convite e a Arábia Saudita, apesar de ter iniciado sua adesão ao bloco, desistiu de se tornar um membro Brics no ano passado.

No início deste ano, dias após o Brasil assumir a presidência do grupo, uma nova expansão foi anunciada. Desta vez, a Indonésia foi convidada a se tornar membro pleno no bloco e outras nove nações receberam convites para se tornarem membros parceiros (sem poder decisório como os membros plenos). Foram elas: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. As adesões devem ser efetivadas ao longo deste ano.

O grupo, assim como outros países ao redor do mundo, sobretudo asiáticos e africanos, tem sido o apoio do regime russo para burlar os embargos do Ocidente. Após a anunciar sua expansão, o Brics elencou uma lista de critérios para os países que desejam fazer parte do bloco. Entre as exigências, as nações devem concordar em se opor a sanções unilaterais (aquelas que não são aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU). Ou seja, não devem aceitar sanções que possam prejudicar a Rússia ou a China. O grupo também tem impulsionado discussões sobre a criação de um meio de pagamento que não utilize o dólar, em uma opção ao Swift.

De acordo com Vitelio Brustolin, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, essa é mais manobra russa para escapar dos embargos. "As transferências bancárias feitas em dólar são rastreáveis, e a maioria desses produtos é negociado com dólar. Se os países do Ocidentes quiserem apertar o cerco contra esse comércio, eles podem. Mas isso seria desastroso para a economia russa. É por isso que o Putin tem apoiado iniciativas como o Brics Pay e feito acordos comerciais para negociações internacionais sem dólar, é uma tentativa de fugir de mais sanções", explica.

O Brics Pay é uma plataforma de pagamentos que tem sido desenvolvida pelos membros do grupo que funcionaria como uma alternativa ao Swift – sistema de mensageria baseado em bancos ocidentais para transações comerciais em diversas moedas. A Rússia, contudo, foi suspensa do Swift desde que invadiu a Ucrânia. O sistema é o mais utilizado do mundo para pagamentos internacionais. Desde sua suspensão, Moscou tem buscado meios de manter suas negociações através de meios alternativos.

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