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Brasil gasta R$ 5 milhões com pré-olímpico dos Brics
Chefes de Estado dos dos Brics posam para foto em encontro na África do Sul em 2023| Foto: Ricardo Stuckert/PR

O Brasil vai enviar 112 atletas para os Brics Games, jogos que a Rússia classifica como pré-olímpicos e acontecem em Kazan entre os dias 12 e 23 deste mês. O ditador russo Vladimir Putin usa o evento como propaganda após seu país ter sido suspenso dos Jogos Olímpicos de Paris. A punição ocorreu devido a uma quebra de regulamento do Comitê Olímpico Internacional relacionada à invasão russa à Ucrânia em fevereiro de 2022.

Moscou está na presidência do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos) neste ano e, sob o comando de Putin, o evento ganha sua maior edição. A ideia russa é usar os jogos como uma propaganda do Kremlin, que tenta apesentar o bloco dos Brics como uma alternativa à hegemonia política internacional das democracias ocidentais. Além do Brasil, a expectativa é de que mais de 90 países enviem delegações à cidade de Kazan, na Rússia, para participar do torneio esportivo.

Conforme apurou a Gazeta do Povo com o Ministério dos Esportes (MESP), o envio da delegação brasileira ao evento vai ter um custo de R$ 5 milhões ao governo brasileiro. "O valor destinado aos jogos do Brics (R$ 5 Milhões) é parte do orçamento discricionário do MESP, repassado por meio da SNEAELIS – Secretaria Nacional de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social", informou a pasta.

Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem investido em uma aproximação com a Rússia e fez declarações de aceno ao ditador russo. Em 2023, quando a África do Sul realizou os Brics Games, uma delegação brasileira não foi enviada sob a alegação de falta de recursos. O Ministério dos Esportes afirmou por meio de nota que: "O Brasil condena a violação do território ucraniano, mas também é contrário às sanções promovidas à Rússia, pois defende que elas diminuem o espaço de diálogo e reduzem as chances de uma solução negociada do conflito".

Os Brics Games, ou Jogo dos Brics, acontecem desde 2016, quando a Índia promoveu a primeira competição esportiva no âmbito do bloco. O país realizou uma competição de futebol sub-17 e, a partir disso, os países que presidiram o Brics nos anos seguintes implementaram competições entre os membros do bloco. Neste ano, contudo, Putin fez um grande esforço para dar ao torneio um caráter semelhante ao das Olimpíadas. Na concepção de analistas, está é uma estratégia do ditador russo para fazer frente às sanções que tem sofrido do Ocidente.

"Para a Rússia a [realização dos Brics Games] é uma alternativa para que possa participar de um evento esportivo internacional já que o país, como um todo, está proibido de participar dos Jogos Olímpicos, a maior competição desportiva do mundo", avalia o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Além dos países-membros do grupo, cerca de outros 80 países também já confirmaram o envio de delegações para o país, segundo organização da competição. Países como Cazaquistão, Turquia, México, Uruguai, Venezuela, Bahrein e Congo são alguns exemplos. A lista completa de participantes, contudo, não foi divulgada.

Brasil vai competir em 15 modalidades dos Jogos dos Brics

Com 112 atletas inscritos, o Brasil vai competir em 15 modalidades esportivas, conforme informou o Ministério do Esporte (MESP) à Gazeta do Povo. Os times brasileiros serão compostos por atletas universitários. A seleção e a convocação ficaram sob a responsabilidade da Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CDBU). Ainda de acordo com o Ministério dos Esportes, a organização foi a única a manifestar interesse em organizar a delegação a ser enviada à Rússia. Além da CDBU, o Comitê Olímpico Brasileiro e as Forças Armadas também foram consultados.

O Brasil vai competir nas modalidades de: atletismo (16 atletas), badminton (4), esgrima (4), judô (14), karatê (10), natação (20), saltos ornamentais (4), arte marcial sambo (4), tênis de mesa (6), Wrestling estilo livre (5), Wrestling greco romano (1), arte marcial wushu (8) e xadrez (4). O país terá atletas também no phygital basketball (4) e phygital football (8), que são uma mistura de jogo de videogame com uma versão real simplificada desses dois esportes.

Ao todo, a delegação enviada pelo Brasil conta com 160 pessoas: 112 atletas, 2 médicos, 5 fisioterapeutas, 12 oficiais administrativos e 29 membros de comissões técnicas. De acordo com Ministério dos Esportes, os recursos serão aplicados no custeio da delegação: passagens aéreas, nacionais e internacionais, seguros, hospedagem, alimentação, transfers nacionais, uniformes, acessórios de viagem, RH, comissões técnicas, materiais médicos e fisioterapêuticos, despesas de viagem e manutenção da delegação", disse a pasta em nota.

Putin aposta nos Jogos dos Brics como resposta à exclusão da Rússia das Olimpíadas

Apesar de acontecer desde o ano de 2016, essa é a primeira vez que os Jogos dos Brics tentam obter um teor de "competição mundial". Neste ano, o torneio conta com 27 modalidades esportivas e em 17 delas haverá entrega de medalhas. Na concepção de especialistas, a estratégia da Rússia é tentar dar um caráter de Olimpíada ao evento, já que o país está suspenso de participar da competição deste ano, que acontece em Paris entre os dias 26 de julho e 11 de agosto — um mês após o fim dos Brics Games na Rússia.

"Essa competição pode ser vista como um gesto simbólico para mostrar que a Rússia, que é aliada da China, não é bem-vinda nas Olimpíadas, mas nos Jogos dos Brics pode participar sem nenhuma restrição, mostrando a ambição desse grupo de formar uma espécie de contraponto às organizações e normas internacionalmente aceitas", pontua Elton Gomes.

Herdeira da União Soviética, a Rússia é considerada uma potência esportiva e fez altos investimentos em iniciativas voltadas para o esporte. O país, contudo, está suspenso da Olimpíada de Paris por ter invadido a Ucrânia. Tecnicamente, a Rússia está sendo punida por ter reconhecido comitês olímpicos regionais criados em áreas anexadas do território ucraniano nas províncias de Luhansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia. Esses comitês foram criados na prática pelos próprios russos. A Rússia já havia sido suspensa da Olimpíada entre 2019 e 2022 porque Moscou patrocinava um programa de doping de atletas.

A suspensão dada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) não foi bem recebido por Moscou e foi alvo de críticas de Vladimir Putin e outras autoridades governamentais.

No ano passado, durante um discurso público, Putin teceu críticas ao COI e o acusou de politizar a Olimpíada. “Sobre o movimento olímpico, acho que a liderança das federações internacionais e do próprio Comitê Olímpico Internacional estão distorcendo os ideais originais de Pierre de Coubertin (conhecido como o pai da Olimpíada moderna). O esporte deveria ficar fora das discussões políticas", disse o ditador russo. Por outro lado, avaliam os analistas, é Putin quem busca protagonismo político ao promover uma grande competição esportiva no âmbito dos Brics.

Enquanto existiu, a União Soviética invadiu e anexou diversos países do leste europeu, como a Polônia, a Romênia e parte da Alemanha, mas não recebeu esse tipo de punição dos organizadores da Olimpíada. Moscou usou na época os jogos olímpicos como arma da Guerra Fria para difundir a ideologia comunista, fazendo investimentos pesados em esportes.

"Os Jogos dos Brics servem para poder mostrar também as ambições desse bloco Sino-Russo que congrega regimes não liberais e revisionistas, como a própria China e a própria Rússia. Essa iniciativa vai muito no sentido de querer promover aquilo que esse bloco o Russo faz para outras questões mais importantes e significativas da ordem internacional: de querer se mostrar como alternativa às instituições, organizações e regimes internacionais que, em geral, são tocados e são grandemente influenciados pelas democracias liberais do Ocidente capitaneadas pelos Estados Unidos e pelos países da União Europeia", pontua Elton Gomes.

Os Brics nasceram como um bloco econômico alternativo aos tradicionais organismos mundiais do Ocidente, como o G7, grupo das sete maiores economias do mundo formado por Alemanha, Estados Unidos, Canadá, França, Itália, Reino Unido e Japão. A crítica da Rússia e da China é que o G7 os estaria forçando a adotar modelos de governo democráticos, além de cobrá-los pelas denúncias de crimes contra os direitos humanos. Os Brics surgiram como um bloco econômico, mas que passou a ter um caráter político antiamericano em 2022, por iniciativa da China e da Rússia.

A pressão do Ocidente agora tem se voltado para a Rússia, que invadiu a Ucrânia. Desde que o Kremlin ordenou o envio de tropas russas ao país vizinho, o país foi alvo de uma série de embargos econômicos e se tornou o país mais sancionado do mundo. Desde que foi banida das principais competições esportivas do mundo, a Rússia tem adotado o discurso de que as organizações da Copa e da Olimpíada sofrem "influência do Ocidente".

Atletas russos que não defenderam a invasão da Ucrânia serão aceitos na Olimpíada de Paris

Na história dos jogos olímpicos, o país de Vladimir Putin (somando a participação da União Soviética e da Rússia) possui o segundo melhor desempenho em ganho de medalhas na competição, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Para o torneio deste ano, os atletas russos foram autorizados a participar das competições mas seguindo algumas determinações impostas pelo COI:

  • Atletas individuais com passaportes russo ou bielorrusso participarão das competições como "atletas neutros" e de nenhuma maneira representarão seu Estado ou qualquer organização em seu país;
  • Somente aqueles que não agiram contra a missão de paz do COI apoiando ativamente a guerra na Ucrânia podem participar das Olimpíadas;
  • Somente atletas que cumprirem integralmente o Código Mundial Antidoping e todas as regras e regulamentos antidoping relevantes estarão qualificados. Haverá inspeções individuais realizadas com todos os atletas inscritos.

O Comitê Olímpico também decidiu recentemente que os atletas russos que vão disputar a Olimpíada de Paris não vão participar da cerimônia de abertura da competição. "A decisão foi unânime e a lógica é muito clara para nós. Os atletas neutros individuais vão competir como indivíduos, a cerimônia de abertura é um desfile para delegações e times. Eles não estarão em nenhuma delegação", afirmou James MacLeod, diretor do COI para relações com os comitês olímpicos nacionais.

A decisão desagradou o Kremlin. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, chegou a acusar o COI de "racismo" e de "cair no neonazismo", além de fazer críticas diretas a Thomas Bach, presidente do comitê. De acordo com Zakharova, Thomas estaria conspirando com a Ucrânia para boicotar atletas russos e insinuou a necessidade de uma investigação para avaliar a conduta do presidente do COI.

“Tudo isso exige análise, estudo e investigação profundos e completos. Porque pessoas como Thomas Bach desacreditam o esporte mundial, desacreditam o movimento olímpico”, afirmou ela aos repórteres durante uma entrevista coletiva. Além de dar declarações públicas, o governo russo ainda tem tentado boicotar a Olimpíada com campanhas de desinformação na internet.

Um relatório publicado pela organização de defesa cibernética Recorded Future revelou que indivíduos e entidades ligados à Rússia tentam "minar os Jogos Olímpicos através de várias operações de influência" lançadas desde 2023. A denúncia foi ainda confirmada pelo Centro de Análise de Ameaças da Microsoft (MTAC).

No documento, os especialistas detalham as estratégias para descredibilizar o evento: montagens de vídeos, falsos avisos sobre o risco de terrorismo, falsos artigos de imprensa, fotos de pichações reais ou inventadas.

O uso de campanhas de desinformação através das redes sociais é uma prática comum do Estado Russo. Relatórios divulgados pelos governos dos Estados Unidos e do Parlamento Europeu já apontaram atividades do país nesse sentido através de canais no Telegram e mídias de comunicação russa para divulgação de fake news sobre a guerra na Ucrânia, por exemplo.

Lula e a aproximação política com a Rússia e Putin

Questionado pela reportagem sobre o envio de uma delegação para o Brics Games na Rússia em meio ao contexto da guerra iniciada pelo país, o Ministério dos Esportes alegou que o "Brasil não está participando de um evento esportivo russo, mas sim dos Jogos dos Brics". Ainda de acordo com a pasta, o Brasil "adota uma postura de neutralidade/equilíbrio em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia, e defende que as negociações de paz precisam envolver as duas partes e levar em conta as preocupações de ambas".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), contudo, tem sido alvo de críticas devido aos acenos que tem feito ao ditador Vladimir Putin. Em declarações, o mandatário brasileiro chegou a afirmar que a Ucrânia seria tão culpada pelo conflito quanto a Rússia. O petista também disse que gostaria de receber o ditador russo no Brasil e que ele não seria preso caso viesse participar da Cúpula do G20, que o Brasil sedia em novembro, no Rio de Janeiro. Putin tem um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) e por ser um signatário do órgão, o Brasil deve cumprir a ordem de prisão.

Em maio, o mandatário brasileiro declinou do convite ucraniano para participar da Cúpula da Paz na Suíça para discutir uma solução ao conflito em curso na Europa. O brasileiro foi convidado pelos governos suíço e ucraniano, porém Lula recusou ir ao encontro. Recentemente, o petista alegou que está disposto a participar de discussões como essa desde que Rússia e Ucrânia, ou seja, invasor e invadido, também integrem os diálogos.

Algumas semanas após a confirmação de que Lula não participaria da Cúpula, o assessor para assuntos especiais da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, foi envido à China e aderiu ao plano de paz na Ucrânia produzido pela China. O documento atende aos anseios russos e implica ainda na anexação territorial de ao menos um quinto do território da Ucrânia.

O Brasil também não aderiu às sanções impostas à Rússia pelo Ocidente. A Gazeta do Povo revelou ainda que o comércio entre os dois países tem aquecido após a invasão de Moscou à Kyiv. Levantamento feito pelo jornal mostrou que o Brasil é o segundo principal destino do diesel russo. A compra do produto teve ainda um aumento de quase 200% entre os quatro primeiros meses de 2024 em comparação com o ano anterior.

Em nota, o Ministério dos Esportes reafirmou a postura brasileira de não aderir às sanções. "O Brasil condena a violação do território ucraniano, mas também é contrário às sanções promovidas à Rússia, pois defende que elas diminuem o espaço de diálogo e reduzem as chances de uma solução negociada do conflito", informou a pasta.

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