O Comando do Exército e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) publicaram portarias e informações, nos dias 22 e 26 de dezembro de 2023, respectivamente, que possibilitam a retomada da caça de javalis com armas de fogo no Brasil. Desde julho do ano passado, após a publicação do último decreto antiarmas assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a suspensão da atividade pelo Ibama, a caça desses animais estava paralisada. Pequenos agricultores no interior do país chegam a perder a produção de um ano inteiro em um único ataque de javalis.
Apesar de destravar a atividade, as novas normas do governo tornam a caça mais complicada. Em nota divulgada nesta semana, o Ibama enfatizou, por exemplo, que "os javalis devem ser abatidos de forma rápida de modo a evitar sofrimento desnecessário", o que pode dar margem para debate judicial e suspensão de licenças. O órgão também impôs restrições para o uso de cães nas caçadas.
A paralisação na emissão de licenças e autorização de compra de armas de fogo em um sistema gerido pelo Exército durou todo o ano de 2023. As renovações de licenças do Ibama para caçadores novos estavam paradas desde julho. Com isso, os relatos de perdas em plantações causados pelos javalis se intensificaram pelo Brasil. A Associação Brasileira de Caçadores diz que o número de animais soltos nas zonas rurais aumentou muito.
No último boletim com informações sobre a presença de javalis no Brasil, divulgado pelo Ibama em março de 2022, foram registrados 436 avistamentos de grupos de javalis que totalizavam cerca de 6 mil animais. Ao menos 56% desses avistamentos foram registrados no momento em que os animais atacavam lavouras. O Ibama foi procurado mas não forneceu à reportagem dados mais atuais.
Entenda como as novas regras burocratizaram a caça
Logo após a publicação do último decreto antiarmas de Lula em julho, o Ibama suspendeu a emissão de novas autorizações para caça de javalis no Brasil. Com isso, somente caçadores com autorizações emitidas antes do decreto podiam continuar com a atividade de controle e manejo dos animais. A suspensão rendeu uma mobilização de entidades do agronegócio - feita logo após a publicação do decreto - mesmo assim, a emissão de novas autorizações permaneceu suspensa até o fim do ano passado.
A retomada da emissão de novas autorizações para controle de javalis, feita por meio do Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf), do Ibama, em dezembro veio acompanhada de novas exigências, que, de acordo com os caçadores, deixaram a atividade mais burocrática. “Bastante burocracia e muita restrição”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Caçadores, Rafael Salerno, em vídeo publicado nas redes sociais.
É o caso da exigência de uma autorização dos proprietários das terras, registrada em cartório, para que os caçadores possam acessar as áreas em que os javalis serão abatidos. A exigência visa garantir que os caçadores tenham permissão de acesso nas áreas de atuação. Além disso, diante da necessidade de cadastro do polígono da propriedade, é obrigatório que todas as propriedades que serão alvos de ações de controle estejam no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Antes da suspensão da atividade, os fazendeiros davam permissão informal para os caçadores atuarem.
Quando os caçadores utilizarem cães durante a atividade, há ainda outras exigências a cumprir. Os animais deverão ter o certificado anual de vacinação em dia e um atestado de saúde, assinado por médico veterinário, com validade máxima de 30 dias.
A portaria nº 166 do Exército, que atualizou as normas para controle populacional de javalis, considerada caça excepcional para controle da fauna invasora, também criou dificuldades. Entre as mudanças está o prazo de validade do registro de caçadores, que passa de dez anos para três.
Além da mudança no prazo de validade do registro, a portaria diz que a Guia de Tráfego Especial (GTE) emitida para transportar armas para o abate da fauna exótica invasora só terá validade quando acompanhada do documento comprobatório da necessidade de abate da fauna invasora, o qual é expedido pelo Ibama. Sem ela esses dococumentos, um caçador pode ser acusado de porte ilegal de armas.
Relatos de perdas em lavouras se multiplicam pelo Brasil
A suspensão da caça de javalis no Brasil tem uma série de consequências, dentre elas, a possibilidade de transmissão de doenças para os animais domésticos, como a peste suína africana.
Os javalis são também uma espécie exótica invasora e, portanto, não possuem predadores naturais. Além disso, por serem onívoros, comem todo tipo de alimento, de origem vegetal e animal, o que implica em prejuízos para os produtores rurais e para a biodiversidade.
Nas plantações, especialmente de milho, produtores de diversos Estados tem relatado perdas significativas. Em alguns casos, um único ataque pode representar a perda de toda a produção do ano. Em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, o caçador Benedito Ezequiel do Prado relatou que em uma propriedade onde atuou, o produtor ficou com apenas 20% da safra de milho após o ataque de javalis. Relatos semelhantes se repetem em municípios como Alagoa e Passa Quatro, em Minas Gerais; e Boa Vista do Incra, no Rio Grande do Sul.
A Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) constatou que ao menos 57% dos municípios do Estado registraram a presença de javalis durante o ano de 2022. A população dessa espécie em Santa Catarina é desconhecida, assim como não há contabilização de estragos causados por eles em lavouras. Apesar disso, algumas estimativas apontam a existência de aproximadamente 100 mil javalis só em território catarinense.
Com a falta de regulamentação em âmbito nacional, Santa Catarina chegou a aprovar uma lei que autoriza o controle populacional e manejo sustentável do javali europeu no Estado. O texto de autoria do deputado Lucas Neves (Podemos) foi sancionado pelo governador Jorginho Mello (PL) e entrou em vigor no dia 26 de dezembro.
“O controle populacional e o manejo sustentável são imprescindíveis para minimizar os impactos ambientais, socioeconômicos, os efeitos nocivos à agropecuária e à integridade física das pessoas que estes animais ocasionam”, afirmou o secretário de Agricultura de Santa Catarina, Valdir Colatto.
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