O voto impresso auditável, uma bandeira do governo Bolsonaro, é uma página definitivamente virada na Câmara dos Deputados. Não apenas porque o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pensa isso. Mas, também, porque esse é o entendimento da maioria dos parlamentares governistas, independentes e de oposição ao governo. Mesmo outras formas de manter vivo o debate, como pela instalação da chamada "CPI do TSE", não devem vingar.
A aversão à politização gerada pela discussão da auditagem do voto impresso é a principal mensagem que a Câmara passa ao Palácio do Planalto com a rejeição da proposta de emenda à Constituição (PEC) 135/19. Além disso, parlamentares de oposição e independentes também veem na derrota uma fragilidade da base de Bolsonaro, com o Centrão deixando claro, mesmo que nas entrelinhas, que não topa tudo que o governo defende. Mas governistas discordam dessa tese e acreditam que a derrota no plenário foi pontual.
O deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), vice-líder do partido, é um dos parlamentares da base que admite a derrota, embora ressalte que "perdeu na proporção, mas venceu na maioria" — no placar final da votação houve mais votos pró-voto impresso do que contra: 229 a 218. "Saber perder é uma grande vitória. Porém, estamos cientes que a maioria do povo está a favor e, também, a maioria dos parlamentares. Isso faz com que o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] triplique os seus esforços para evitar qualquer burla no sistema", aposta.
O deputado André Ferreira (PSC-PE), vice-líder do governo na Câmara, evita usar o contexto de derrota, mas confirma que a rejeição da PEC 135 sepulta o debate. "Não era uma matéria de governo. Mas estive com Arthur Lira e o presidente Bolsonaro conversou com ele e disse: 'Vou respeitar o plenário. O plenário decidiu, está decidido'", afirmou.
Quais as chances de prosperar a instalação da "CPI do TSE"
Uma ideia ventilada por governistas — especialmente a ala "bolsonarista" da base do Palácio do Planalto — antes da rejeição da PEC 135 era instalar a "CPI do TSE", uma Comissão Parlamentar de Inquérito proposta pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para investigar a invasão hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral em 2018 e os riscos que um ataque cibernético podem acarretar à integridade das urnas eletrônicas.
Após a derrota, um outro deputado bolsonarista ainda defende a tese, por entender ser pertinente a ideia. Entretanto, entendendo a derrota sofrida com a PEC e o fato de que o inquérito da Polícia Federal (PF) tomado como base para instalar a CPI nem ter sido concluído, Bibo Nunes é um dos que discorda da tese de instalar uma CPI.
"Agora, o momento, acredito eu, é de acatarmos a decisão da Câmara, que foi uma decisão muito mais política do que técnica", resume o parlamentar. O deputado André Ferreira é outro a adotar a mesma leitura. "Isso não existe, está fora de cogitação. Temos que ter a paz entre os poderes", destacou o vice-líder do governo. Os dois congressistas votaram a favor da PEC 135.
Aliado de Bolsonaro, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, é um dos que apoia a instalação da CPI. "A resposta que metade da Câmara que votou a favor do voto impresso pode dar aos que querem 'tomar a eleição' é conseguir as assinaturas necessárias para a instalação da CPI do TSE. É preciso investigar a fundo os sistemas 'invioláveis' do tribunal", disse, em publicação no Twitter.
Voto impresso coloca Centrão em xeque, avaliam independentes
Mais do que enterrar o voto impresso na Câmara, a rejeição à matéria com amplo apoio de deputados da base coloca em dúvida o comprometimento do Centrão com Bolsonaro, avaliam deputados independentes ao governo. O deputado José Nelto (Podemos-GO), vice-líder do partido, é um dos que acredita que a votação sinaliza um racha na base do Centrão sobre o apoio ao Planalto.
"A votação mostrou que o Centrão não está centrado no governo. O Centrão é prático, vai aguardar os acontecimentos até o ano que vem para tomar as suas decisões políticas", analisa Nelto. O parlamentar entende que os partidos de centro que compõem a base não estão plenamente incorporados ao projeto de eleitoral de reeleição de Bolsonaro. "Uma parcela do Centrão não acredita e não aposta no governo", complementa.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, é outro a analisar com lupa a fidelidade do Centrão ao governo. "A votação reforça que o acordo de Bolsonaro com o Centrão é muito mais para proteção [do presidente] do que pra aprovar pautas", analisa, fazendo referência ao risco de um impeachment.
Mesmo o comprometimento do Centrão com as pautas econômicas é contestado por Mitraud. "Acho que nem mesmo as econômicas têm garantia [de aprovação], vide a desconfiguração da MP [medida provisória] da Eletrobras e outras pautas que andam em marcha lenta. A MP 1042 ninguém está dando bola, por exemplo. E é uma medida bem importante de reforma administrativa", critica.
Nelto e Mitraud estão entre os parlamentares que votaram contra a PEC 135. "A mensagem que a Câmara passa é a de colocar fim a essa narrativa golpista do Bolsonaro, e que o sistema eleitoral não é decidido por ele", diz o deputado do Podemos. "Minha posição quanto à PEC do voto impresso segue a mesma de quando fui convidado a assiná-la em 2019", resume o parlamentar do Novo.
Governistas garantem que rejeição do voto impresso não afeta a base
A análise dos deputados independentes é rechaçada pelos governistas. Para os apoiadores do governo, a derrota política da PEC 135 não representa quaisquer indicativos de uma fragilidade da base do Planalto. "Foi uma votação muito pontual. A base do governo é muito grande, qualquer votação costuma ser aprovada com mais de 308 votos", rebate o deputado André Ferreira, vice-líder do governo.
O parlamentar do PSC ressalta que mesmo o PP, partido comandado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, não conseguiu entregar a maioria dos votos. Ferreira reforça que a pauta tampouco sugere uma fragilidade da base eleitoral que vem sendo estruturada para 2022.
"Reforço: foi um projeto muito pontual, uma questão realmente se era viável ou não viável. Do meu estado [Pernambuco], por exemplo, apenas quatro votaram a favor do voto auditável. E teve um deputado do Podemos [Ricardo Teobaldo], que não é tanto da base, que votou a favor. Até surpreendeu a gente", justifica.
O vice-líder do governo ressalta que a PEC 135 não se trata de uma pauta do governo, nem a vê como uma derrota do Planalto. "Tem deputados nossos que são bolsonaristas, defensores do governo e acharam que a redação não estava boa. Cada um tinha seus motivos, de redação ou inviabilidade de fazer o processo nessa legislatura", diz.
Governistas defendem que, se a PEC 135 fosse uma pauta, de fato, de interesse do Planalto, Bolsonaro teria exonerado seus ministros deputados federais para votarem a favor. "O presidente teria liberado a Flávia Arruda [ministra da Secretaria de Governo] e o Onyx [Lorenzoni, ministro do Trabalho], por exemplo", analisa Ferreira.
O deputado Bibo Nunes concorda com a avaliação. "A votação não liga nenhum sinal de alerta. Foi uma votação pontual de um momento em que a política superou a questão técnica, mas não afeta em nada a base do Centrão", destaca o vice-líder do PSL. "A maioria foi a favor, perdemos na proporção", reforça.
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