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O presidente Jair Bolsonaro, ladeado pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia): decreto publicado na quinta-feira divide gestão do Orçamento entre as duas pastas.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

O presidente Jair Bolsonaro (PL) colocou um basta à queda de braço travada nos bastidores entre a equipe econômica e a articulação política do governo. Em uma vitória do Centrão, editou na quinta-feira (13) um decreto que divide as responsabilidades de gestão e execução do Orçamento de 2022 entre o Ministério da Economia e a Casa Civil.

A decisão de Bolsonaro é inédita não apenas em seu mandato, mas desde a redemocratização. Em síntese, a medida foi tomada com o intuito de organizar o governo de forma que seja possível que a execução orçamentária contemple os acordos com a base aliada, admitem interlocutores do Palácio do Planalto.

Desde o início do governo, há uma batalha entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a articulação política do governo, atualmente capitaneada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. A busca contínua do chefe da equipe econômica em conter os gastos públicos o levou a constantes embates com o Planalto, em decorrência de acordos firmados com o Congresso – muitos dos quais envolvia a liberação de recursos do Orçamento por meio de emendas parlamentares.

Além de se opor ao cumprimento de determinados acordos, Guedes também foi contra o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400. O valor médio havia sido acertado entre a articulação política do Planalto e a base aliada, mas o ministro da Economia defendia o benefício de R$ 300 – que, segundo ele, seria possível bancar sem furar o teto de gastos.

Diante da queda de braços entre a equipe econômica e a articulação política, prevaleceu a vontade de Bolsonaro de compartilhar a execução do Orçamento entre a equipe econômica e a ala política do governo.

O motivo mais recente teria sido o não cumprimento de um acordo firmado com a base, que havia levado aliados a iniciarem um processo de fritura política da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda.

Ao fim de 2021, o governo negociou com a base a liberação de R$ 600 milhões em recursos de emendas parlamentares de bancada. Mas, na última reunião da Junta de Execução Orçamentária (JEO), órgão de assessoramento direto ao presidente composto pela Casa Civil e Economia, Guedes disse que não executaria as verbas. O chefe da equipe econômica obstruiu os pagamentos sob o argumento de que os utilizaria para o pagamento de dívidas com organismos internacionais.

A trava aos recursos impediu que a articulação política cumprisse a execução de verbas empenhadas por congressistas da base em emendas parlamentares. Por serem recursos negociados pela Secretaria de Governo, lideranças da base elevaram críticas contra a ministra da pasta, Flávia Arruda, e pediram sua demissão. Bolsonaro garantiu, contudo, que a manterá no cargo até a reforma ministerial.

O que diz o decreto que divide a gestão sobre o Orçamento

À exceção da divisão de competências de execução orçamentária entre o Ministério da Economia e a Casa Civil, o decreto é uma praxe na administração pública. No início de cada ano, o presidente da República delega por decreto as competências da equipe econômica na gestão e execução orçamentária.

Publicado na quinta-feira (13) no Diário Oficial da União, o Decreto n.º 10.937/22 dá ao Ministério da Economia a responsabilidade de ações como o remanejamento orçamentário, a abertura ou reabertura de créditos extraordinários, a abertura de créditos especiais e a alteração de despesas.

O ineditismo proposto por Bolsonaro aparece no parágrafo único do artigo. "A prática dos atos de que trata o caput está condicionada à manifestação prévia favorável do ministro de Estado chefe da Casa Civil da Presidência da República", informa o dispositivo.

Ou seja, embora em momento algum o decreto tira a competência da equipe econômica em fazer a execução do Orçamento, na prática, ele dá poderes para a Casa Civil ter a palavra final. Em um ano eleitoral, é um trunfo que Bolsonaro concede ao Centrão, na figura de Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, que poderá escolher como e onde gastar os recursos públicos.

Interlocutores do Planalto asseguram, no entanto, que tudo foi conversado e comunicado a Guedes. O decreto, por sinal, leva a assinatura dele e de Bolsonaro. "O Guedes deve estar feliz? Não, mas já estava tudo costurado. Isso tudo foi muito bem trabalhado", diz uma fonte palaciana ouvido pela Gazeta do Povo.

O que pensa o Planalto sobre a divisão de competências

Embora o decreto inegavelmente fortaleça a articulação política, interlocutores do Planalto minimizam os efeitos práticos. "Não é como se o presidente tivesse feito isso para tirar poder do Guedes e fortalecer o Ciro. É uma decisão para organizar o governo de forma que possamos cumprir o que combinamos, e isso fortalece o governo como um todo", sustenta um interlocutor palaciano.

Integrantes da articulação política, reconhecem, contudo, que a medida eleva os poderes de Ciro Nogueira sobre o Orçamento. "Aumenta mesmo, porque ele fica com a caneta na mão [para executar o Orçamento]", diz um segundo interlocutor do Planalto. A leitura feita pelo núcleo político é de que o decreto servirá como um "freio de arrumação" para o governo.

A expectativa no Planalto é que a medida traga benefícios práticos e até imediatos para a articulação política à medida em que possibilitará à Casa Civil a autonomia para o cumprimento de acordos.

"O decreto não entrega a chave do cofre da União para o Ciro, apenas permite uma organização para a administração do governo como um todo", destaca outro interlocutor do governo. "Do mesmo jeito que o Guedes pegou os R$ 600 milhões e a Flávia não pôde cumprir os acordos, os compromissos também não foram liberados lá na ponta, no Ministério da Saúde, no Ministério do Desenvolvimento Regional. Ela e o Ciro não têm recursos; eles não executam nada", complementa.

O decreto permitirá, portanto, que o governo se organize não apenas para cumprir o pagamento do acordo de R$ 600 milhões, bem como outros compromissos que venham a ser firmados dentro do Orçamento de 2022. Em anos eleitorais, o prazo máximo para a transferência de recursos da União aos estados e municípios e, consequentemente, de emendas parlamentares, se encerra três meses antes do pleito. Isso significa que, neste ano, o governo terá até 2 de julho para a execução de emendas parlamentares empenhadas, pois o primeiro turno das eleições acontece em 2 de outubro.

O que pensa a equipe econômica sobre o decreto

Apesar da decisão sem precedentes em ampliar os poderes da Casa Civil na execução orçamentária, a equipe econômica assegura que o ministro está tranquilo em relação ao decreto. "É um alívio para o Guedes, porque ele tem que trabalhar no limite dos controles. Ele não tem como saber o que vai cortar e vai dar [de recursos à base]. Ele tem que ser o guardião do equilíbrio fiscal", assegura um interlocutor de Guedes.

Assim como, na prática, o decreto dá poderes para a Casa Civil ter a palavra na execução orçamentária, ele também vai impor as mesmas responsabilidades com as contas públicas ao núcleo político. Ou seja, caso o Planalto não avalize a gestão conduzida pela equipe econômica e eleve demais os gastos, Ciro Nogueira assumirá os ônus.

"Para alguém ganhar, alguém vai perder. Quem vai arbitrar isso, agora, é a Casa Civil. O Guedes sempre procurou ficar dentro dos limites [fiscais], porque tem gente que quer estourar o teto. O estouro do teto é o estouro da boiada, que começa por esse negócio de reajuste salarial", diz um segundo interlocutor do ministro.

A avaliação na equipe econômica é de que Guedes trabalhará menos pressionado em 2022. "Como se distribuía esses recursos é que vinha sendo a razão do atrito, até porque os parlamentares vão direto lá [no Planalto negociar recursos]. Eles [articuladores políticos] pegavam e aprovavam. Agora, vai caber à Casa Civil, como coordenadora política do presidente, fazer a distribuição", sustenta um interlocutor. "Alivia a responsabilidade do Guedes."

Os interlocutores da equipe econômica negam, no entanto, que Guedes tenha barrado recursos decorrentes de acordos firmados pelo núcleo político. "Agora vai acabar com aquele negócio de que a ministra [Flávia Aruuda] dizia que não deu [os recursos] porque Guedes travou. Ele não travou nada", afirma um técnico do governo.

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