Apesar do apoio de parlamentares de partidos do Centrão na aprovação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que limitam os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara nesta semana, esses temas não serão prioridade do grupo nos próximos meses. A reportagem apurou que o pacote contra o ativismo judicial tem sido usado pelo Centrão como instrumento de pressão para destravar a emissão de emendas parlamentares suspensas pelo ministro Flávio Dino e de negociação para a sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara.
As PECs propõem acabar com decisões monocráticas de ministros (PEC 8/2023) e dar a possibilidade ao Congresso de desfazer decisões do Supremo (PEC 28/2024). As duas ainda dependem de análise de uma Comissão Especial e de aprovação pelo plenário da Câmara. A PEC específica que permite revisão de decisões do Supremo ainda precisaria ser analisada pelo Senado. A que acaba com as decisões monocráticas já foi aprovada pelos senadores.
Assim, a avaliação entre os parlamentares é de que Arthur Lira não vai comprar um embate direto com o STF colocando essas PEC em votação faltando poucos meses para o fim do seu mandato no comando da Casa.
Mas Lira é um dos principais expoentes do Centrão na Câmara e usou a PECs que limitam o STF como forma de pressionar indiretamente a Corte, após as decisões do ministro Flávio Dino que suspenderam os pagamentos das emendas parlamentares ainda em agosto.
A PEC sobre as decisões monocráticas, por exemplo, foi aprovada pelo Senado ainda em 2023, e estava na gaveta de Lira desde que chegou à Câmara, em dezembro do ano passado. Quando mais rápido conseguir normalizar as emendas, Lira terá mais força para emplacar seu sucessor na disputa da Câmara.
Reservadamente, líderes partidários dizem que a aprovação dessas PECs na quarta-feira (9) pela CCJ foi de novo uma forma de recado de Lira e do Centrão ao STF na discussão sobre as emendas parlamentares. As medidas avançaram na CCJ um dia antes da audiência convocada por Dino para a última quinta-feira (10) para discutir as emendas parlamentares RP8 e RP9.
O Congresso vê uma ação orquestrada entre o Palácio do Planalto e Dino nesse tema. Pelo acordo desenhado na primeira audiência de conciliação, que aconteceu ainda em agosto com representantes dos Três Poderes, ficou acertado que o Executivo apresentaria um projeto de lei complementar para dar mais transparência aos recursos.
A proposta vai estabelecer, por exemplo, que as emendas PIX, de transferência direta a municípios e estados, ficam mantidas com pagamento obrigatório, mas passam a ter um projeto e a identificação do destino. A prioridade é para obras inacabadas, e tudo com supervisão do Tribunal de Contas da União (TCU).
As demais emendas individuais também ficam mantidas como obrigatórias, mas os critérios para a liberação dos recursos deverão ser fixados no projeto que será apresentado pelo governo. As emendas de bancada – que são coletivas das bancadas estaduais ou regionais – passam a ser destinadas a projetos de infraestrutura em cada estado e no Distrito Federal.
Pela proposta, a definição tem que ser feita pela bancada e não mais por um parlamentar individualmente. As emendas de comissão – das comissões permanentes de cada casa do Congresso – terão que ser destinadas a projetos de interesse nacional ou regional, de comum acordo entre governo e Congresso. O governo Lula quer usar as emendas para favorecer obras sob o carimbo do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, uma das bandeiras políticas de seu governo.
Esse projeto, no entanto, ainda não foi protocolado pelo governo federal e está sendo ajustado pela Casa Civil, comandada por Rui Costa. A alegação dentro do Palácio do Planalto é de que o esvaziamento do Congresso durante o período eleitoral inviabilizou que o texto fosse discutido com os parlamentares.
Diante da ausência da proposta, Dino classificou como inviável o restabelecimento da execução das emendas parlamentares em 2024 sem que Legislativo e Executivo cumpram a decisão da Corte que afastou qualquer modalidade do chamado orçamento secreto. Segundo o ministro, diante da resistência do Congresso em prestar informações e garantir a transparência, não é possível retomar a liberação das emendas.
"O Poder Legislativo deixou de apresentar objetivamente, em audiência, informações específicas, completas e precisas que permitissem aferir o cumprimento do acórdão e estabelecer cronograma para ações futuras", informou Dino após a audiência.
Oposição quer avançar com o pacote contra o ativismo judicial
Na contramão do Centrão, partidos como PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o Novo têm condicionado seus apoios no pleito eleitoral pela cadeira de Lira ao avanço das propostas contra o ativismo judicial e ao projeto de lei da anistia aos presos do 8 de janeiro de 2023. Para tentar se equilibrar entre oposição e o Palácio do Planalto, partidos como União Brasil e PSD têm feito acenos para ambos os lados.
Essa movimentação ganhou força nesta semana, depois que siglas como União Brasil e PSD apoiaram o avanço das propostas que limitam o STF em aceno à oposição, mas também ajudaram o governo ao atrasar a discussão do PL da anistia (veja mais abaixo nesta reportagem).
Os votos dos deputados dos dois partidos foram determinantes para que duas PECs que limitam o STF fossem aprovadas pela CCJ da Câmara nesta semana. O primeiro texto (PEC 8/2023) limita as decisões monocráticas de ministros do STF e um segundo (PEC 28/2024) permite ao Congresso suspender decisões da Corte que “extrapolem os limites constitucionais”.
Ambas as propostas contavam com orientação contrária por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas foram aprovadas com votos de deputados do União Brasil e do PSD. Os partidos contam com ministérios e integram oficialmente a base petista.
Parlamentares das duas siglas disseram reservadamente que houve um acordo para que os deputados que fazem oposição ao governo tivessem direito de voto pela aprovação das matérias na CCJ. Essa costura foi feita em reuniões fechadas entres os líderes e os parlamentares de cada bancada antes da reunião do colegiado.
No caso da PEC 8/2023, por exemplo, foram 39 votos favoráveis e 18 contrários. Dos deputados que votaram pela aprovação, nove são do União Brasil e dois do PSD. Ainda durante a discussão, o PT do presidente Lula tentou diversas manobras para que as PECs fossem retiradas de pauta, mas o União orientou contra e o PSD liberou a bancada.
"É triste ver o PT e a esquerda se tornarem pelegos, capachos do Supremo. O tema é importante, ele ajuda o país, e é utilizado no mundo todo. Esses atos monocráticos são absurdos. Também a questão de a Câmara poder sustar atos do Supremo é uma coisa que em todos os países do mundo acontece", defende o deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR).
Na mesma linha, o deputado Arthur Maia (União-BA) defendeu seu voto pela aprovação das matérias. "Eu fui presidente da CPI do 8 de janeiro. Está lá na Constituição: a CPI tem o direito de convocar quem ela quiser, mas muitas vezes, um ministro, sozinho, ia contra a Constituição. Nós fazíamos uma convocação e davam lá uma canetada: "Não precisa ir, não. Esqueça. Esse cara aí não vale nada, não. Não vai, não". E não ia! O cara não ia. E nós deputados e senadores, todos, ficávamos desmoralizados", disse Maia.
"Então, obviamente essas decisões monocráticas atentam contra o equilíbrio entre os Poderes. Nós não estamos falando em acabar com o controle de constitucionalidade.
"O que nós estamos falando é em acabar com o poder monocrático, individual, de um só ministro, de modificar, de suspender uma lei votada por todos nós. Essa é a questão. Eu tenho certeza de que nós demos um passo importante no sentido de fortalecer a Constituição brasileira, de fortalecer o Parlamento e de fortalecer o equilíbrio entre os Poderes. É com esse sentimento que eu dei o meu voto favorável", defendeu o parlamentar.
Centrão também faz acenos ao governo
Assim com fizeram acenos para a oposição, líderes do Centrão também atuaram para ajudar o governo Lula. União Brasil e PSD endossaram o discurso do PT na obstrução que acabou adiando a discussão sobre o projeto da anistia aos presos do 8 de janeiro pela CCJ na terça-feira (8).
Mesmo tendo indicado o relator para a proposta, o deputado Ricardo Valadares (SE), o União Brasil ajudou o governo na tentativa para que o quórum da sessão não fosse batido. Já o PSD liberou seus parlamentares na votação do requerimento de retirada de pauta apresentado pelo PT.
A avaliação de lideranças da sigla é de que o tema virou caso de “vida ou morte” entre oposição e Palácio do Planalto e por isso o adiamento da discussão é o melhor caminho neste momento. Um eventual posicionamento favorável ou contrário ao texto neste momento poderia implicar em perda de votos para Elmar ou Brito na sucessão de Lira.
A presidente da CCJ, deputada Caroline de Toni (PL-SC), admitiu aos seus colegas que o projeto continua sendo “contaminado” pelas eleições internas por ambos os lados. Após a manobra do União Brasil, o PT acabou conseguindo um pedido de vista – mais tempo para análise - e retirou a proposta de pauta.
Havia a expectativa do relator de voltar com a discussão na próxima semana, mas Arthur Lira ainda não decidiu se fará sessões para votação de projetos até o fim do segundo turno das eleições municipais, marcado para 27 de outubro. O prazo do período de vista termina após duas sessões do plenário da Casa.
Avanço das PECs do STF vai depender do sucessor de Lira
O União Brasil tem como pré-candidato à sucessão de Lira o líder do partido, deputado Elmar Nascimento (BA). Ele pretendia concorrer com o apoio do atual presidente da Câmara, mas acabou sendo preterido por Hugo Motta (Republicanos). Já o PSD tem a candidatura de Antônio Brito (BA).
Nascimento e Brito fizeram uma aliança e a expectativa é de que apenas o nome que tiver mais viabilidade seja mantido na disputa contra Hugo Motta. A eleição para a sucessão de Lira está marcada para fevereiro de 2025.
Apesar dos apoios do União Brasil e do PSD na discussão das propostas que limitam o STF na CCJ, líderes da Câmara dizem acreditar que o futuro das propostas deve ficar sob a responsabilidade do próximo presidente da Câmara.
Além de usar as propostas como forma de pressionar o STF, a avaliação interna no entorno das candidaturas é de que as promessas de instalar da Comissão Especial e de pautar o assunto em plenário podem ser usadas pelas candidaturas na busca por apoio na eleição da presidência da Câmara. Essa busca por alianças vai ser intensificada tanto por Brito quanto por Elmar com o fim das eleições municipais e com a retomada dos trabalhos no Congresso.
Pacote contra o ativismo judicial também tem projetos sobre impeachment de ministros da Corte
Além das duas PECs, a oposição conseguiu avançar na CCJ com pelo menos mais dois projetos de lei que limitam o Supremo Tribunal Federal. Eles não têm tanto peso como as propostas de emenda à Constituição e ainda tem um longo caminho a tramitar no Congresso.
O primeiro, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tipifica como crime de responsabilidade a usurpação da competência do Congresso por parte de ministros da Corte.
A proposta teve a relatoria de Alfredo Gaspar (União-AL) e foi aprovada por 36 votos a 12. De acordo com o parecer elaborado pelo deputado, um magistrado da Suprema Corte pode sofrer impeachment se:
- proferir julgamento nos casos em que seja suspeito ou impedido para a causa;
- usurpar, mediante decisão, sentença, voto, acórdão ou interpretação analógica, as competências do Poder Legislativo;
- valer-se de suas prerrogativas a fim de beneficiar indevidamente a si ou a terceiros;
- divulgar, em qualquer meio de comunicação, opiniões sobre processos ou procedimentos pendentes de julgamento;
- exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida para si ou para outra pessoa em razão da função;
- violar a imunidade parlamentar prevista na Constituição Federal.
O projeto estipula um prazo de até 15 dias úteis para que o Senado analise pedidos de impeachment de ministros do STF.
O segundo projeto aprovado é de autoria do ex-deputado Paulo Eduardo Martins (PL-PR) e também busca ampliar as hipóteses de crime de responsabilidade. O parecer do relator Gilson Marques (Novo-SC) foi aprovado por 36 votos a 14.
No relatório, o deputado também incluiu a possibilidade de recurso ao plenário do Senado Federal quando houver rejeição de um pedido de impeachment de ministros da Corte por crime de responsabilidade. A ofensiva da oposição veio após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), colocar na gaveta o último pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
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