• Carregando...
Lula deve apostar na economia, enquanto sofre reveses nas agendas ambientais e progressistas
Haddad e Lula: em 2024, foco do governo é o mesmo de 2023. Prioridade é arrecadar mais e não há anúncio de medidas para conter gastos.| Foto: André Borges/EFE

O fracasso do governo nas agendas social, ambiental e de direitos humanos – as mais caras à esquerda –, além dos reveses na política externa, fizeram com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) redobrasse nas últimas semanas a sua aposta na economia como principal estratégia para as eleições presidenciais de 2026.

Os incêndios florestais sem precedentes, o escândalo de assédio sexual envolvendo o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida e a escalada autoritária na Venezuela, tratada com passividade pelo Itamaraty, colocaram Lula ainda mais dependente de bons indicadores econômicos.

Não por acaso, o Palácio do Planalto celebrou com entusiasmo a expansão inesperada de 1,4% do produto interno bruto (PIB) no segundo trimestre e a desinflação em 0,002% em agosto, tomando os dados como sinais de recuperação, apesar da grande incerteza dos investidores quanto ao quadro fiscal.

Em entrevistas, Lula voltou a citar como meta o crescimento histórico de 7,5% do PIB em 2010, último ano de seu segundo mandato, que lhe rendeu popularidade recorde e garantiu a eleição da sucessora Dilma Rousseff (PT). Para analistas essa ambição é, contudo, impossível diante do cenário atual.

A primeira razão está no fato de Lula não dispor dos meios de intervenção que tinha no passado, como participação acionária do governo em empresas privadas, o controle da Eletrobras e o uso político do Banco Central (BC), que hoje opera de forma independente, além do aperto no orçamento público.

O outro motivo se refere aos efeitos colaterais sobre a inflação e os juros da gastança desenfreada e dos estímulos artificiais sobre a renda e o consumo, que explicam em grande parte a expansão trimestral inesperada do PIB. Apesar dos seguidos recordes de receita federal, a meta de déficit fiscal zero continua incerta.

O consultor empresarial e palestrante Ismar Becker acredita que Lula já perdeu o significativo capital político que tinha no exterior e corre agora o risco de repetir a situação no Brasil. “A questão toda é entender quanto do crescimento do PIB hoje é sustentado por medidas artificiais do governo”, diz.

Ele lembra que a inflação é sempre o pesado e injusto imposto sobre os mais pobres, que compõem a base eleitoral de Lula. "Se considerar que quase metade da população resiste a votar nele, o abandono de parte do seu eleitor cativo pode minar a reeleição. O presidente está brincando com fogo”, resume.

Lula mostra irritação por não conseguir empurrar economia via ação do Estado

O chefe do Executivo deixa claro em suas declarações a insatisfação por não poder pisar fundo no acelerador da atividade econômica, mas cobra mais investimentos de grupos como a Eletrobras, queda dos juros e verbas para as obras paralisadas do seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Segundo o cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria I3P, o mercado considera positiva a combinação de reformas liberalizantes feitas pelos governos passados com o conforto social de políticas de transferência de renda, mas desde que as contas públicas não desandem de vez.

Ele explica que, nesse sentido, mudanças na estrutura de despesas obrigatórias do governo são essenciais para manter a trajetória de otimismo para os próximos anos. “A falta de horizonte claro para a estabilização da dívida pública mina a confiança dos agentes econômicos”, observa.

As reformas trabalhista e previdenciária e a abertura de setores regulados à livre iniciativa, como o saneamento, elevaram o PIB potencial para 2%. Também contribuiu a recuperação do consumo das famílias pós-pandemia. Mas a pressão inflacionária e a elevação de juros pelo BC soam inevitáveis.

Para economistas, o país precisaria de agenda de recuperação da confiança, com revisão da estrutura de gastos, algo que Lula não quer nem debater. O risco é o mercado entender que o governo quer subordinar a economia a interesses políticos de curto prazo, ignorando as lições do passado.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou na quarta-feira (11) que a inflação até preocupa, sobretudo em razão de impactos gerados pela estiagem sobre preços de alimentos e energia. Mas, de toda a forma, ele acha que o crescimento do PIB de ao menos 3% este ano já está contratado. A proposta de Orçamento da União de 2025 dá mostras de que o governo quer ainda mais dinheiro para gastar.

Governo lança mão de meios paralelos para tentar impulsionar a economia

Para impulsionar o PIB a qualquer custo, o governo recorre a instrumentos paralelos, como os recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Apenas em 2023, a instituição ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia emprestou R$ 11,4 bilhões a juros subsidiados, sem muito critério claro.

O orçamento da Finep cresceu 33% no primeiro ano do governo, atingindo R$ 68,6 bilhões em investimentos e o maior volume de contratos desde 2014. A oposição no Congresso critica a falta de transparência nos projetos financiados e a liberação de recursos concentrada na diretoria executiva.

Outro ponto de controvérsia no estímulo artificial à economia envolve a proposta do governo de flexibilizar as normas que regem os fundos de pensão. A iniciativa tem gerado suspeitas, sobretudo por ser apoiada por políticos e servidores ligados a fraudes no passado nesses mesmos fundos.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou neste domingo (15), o governo a emitir créditos extraordinários até o fim de 2024 para combater queimadas. Esses recursos, que não seguem restrições da meta fiscal, servem a despesas urgentes com calamidades públicas.

Os créditos são emitidos por Medida Provisória, com vigência imediata, mas precisam de aprovação do Congresso. Dino destacou o papel de enfrentar a "pandemia de incêndios" na Amazônia e no Pantana. Para isso, flexibilizou também regras para a contratação de brigadistas em todo o país.

Agenda identitária tende a ficar em segundo plano, avalia especialista

Sob pressão pública para afastar o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o presidente Lula foi obrigado a demiti-lo. No entanto, a resposta do governo foi criticada pela oposição por sua lentidão. O deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação que apure uma possível prática de prevaricação por parte do presidente e de ministros do Executivo no caso.

Os direitos humanos, a luta contra o racismo e a promoção dos direitos das mulheres são temas centrais na retórica do PT e aliados. Essas pautas ganham mais relevância quando a segurança pública e o combate à corrupção são temas associados aos adversários da direita.

Segundo Daniel Afonso Silva, professor de história social da USP, a pauta identitária foi um erro estratégico do governo, cuja ênfase tende a perder força. Restou então a agenda ambiental, não só devido à cúpula ambiental da COP 2026, em Belém, mas pelo papel central na política externa de Lula. O grande número de incêndios observado recentemente, porém, já está minando o discurso ambiental do presidente.

Sobre os impactos dos fracassos do PT nas áreas social, ambiental e de direitos humanos, Silva avalia que eles emergirão em parte das eleições municipais, sobretudo em São Paulo. “Após analisar os resultados das urnas será possível prever o que será decisivo na eleição presidencial”, diz.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]