Além dos ataques recentes à Operação Lava Jato vindos do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional também parece agir para atrapalhar o combate à corrupção. Três propostas, em especial, tramitam na direção de afrouxar normas e recuar em avanços que o Legislativo havia alcançado nos últimos anos. Saiba quais são elas, qual o risco que representam e como está a tramitação.
Lei de Proteção de Dados Criminais
Iniciativa: Anteprojeto elaborado.
Autor: Nefi Cordeiro, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), liderou uma comissão de 15 especialistas.
Por onde já passou: Entregue em dezembro à presidência da Câmara dos Deputados.
Onde está agora: Não começou a tramitar.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) regulamenta a responsabilidade sobre o uso de informações privadas, inclusive aquelas que estão armazenadas em meios digitais. Mas ela não se aplica ao uso de informações para ações de segurança pública, o que provoca um vácuo legal.
O Brasil não tem uma legislação que regulamente o reconhecimento facial. “A Lei Geral de Proteção de Dados considera que os pontos da face e a informação extraída a partir dessa tecnologia são consideradas um dado sensível, mas no artigo 4º cria uma exceção para o tratamento de dados pessoais para segurança pública”, explica Mariana Rielli, coordenadora geral de projetos da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.
Para lidar com o uso de dados pessoais, mais especificamente o reconhecimento facial, para questões de segurança pública, o então presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) solicitou que uma comissão de juristas elaborasse um anteprojeto da chamada LGPD Penal.
O líder da comissão, Nefi Cordeiro, ministro do STJ, entregou a proposta em dezembro. “A proposta veda o monitoramento sistemático de indivíduos sem que esteja relacionada a um processo específico, uma investigação específica, com autorização judicial”, diz Rielli. Ainda não há previsão para o projeto começar a tramitar na Casa.
O problema é que o projeto, da forma como foi elaborado, pode dificultar o trabalho de órgãos de controle, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O artigo 14 da nova proposta afirma: “O tratamento de dados pessoais sigilosos somente poderá ser realizado se estiver previsto em lei e para atividades de persecução penal”. E determina: “o acesso a dados pessoais sigilosos por meio de ferramentas de investigação e medidas cautelares de obtenção de prova deve observar a legislação especial aplicável”.
O projeto ainda impõe sigilo a “elementos identificadores” dos dados de investigados e suspeitos. Dessa forma, fica mais difícil o compartilhamento, entre instâncias de investigação, de provas colhidas, peças processuais e laudos periciais.
Mudanças na Lei de Lavagem de Dinheiro
Iniciativa: Anteprojeto em elaboração.
Autor: Grupo de 43 juristas trabalham na atualização desta lei.
Por onde já passou: O grupo realizou reuniões para reunir sugestões.
Onde está agora: Ainda não chegou ao Congresso.
Assim como solicitou a preparação de uma LGPD Penal, Rodrigo Maia também solicitou uma revisão da Lei de Lavagem de Dinheiro (nº 9.613), que está em vigor desde 1998 e já havia passado por uma atualização em 2012. Um grupo de 43 juristas está discutindo a atualização – boa parte é composta por advogados que já atuaram na defesa de investigados por corrupção.
O processo ainda está em estágio inicial, mas algumas propostas apresentadas até agora parecem caminhar para um retrocesso capaz de criar constrangimentos para o Brasil junto ao Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF), ligado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Uma das sugestões elencadas consiste em retirar a ocultação de bens e valores da lista de crimes que podem ser enquadrados como lavagem de dinheiro, uma medida que levaria o país a desrespeitar uma série de convenções internacionais sobre o tema. O grupo também pretende reduzir penas para crime de lavagem, que sairia dos atuais 10 anos máximos para não mais do que 6 anos – essa ideia foi apresentada pelo advogado Antônio Pitombo, que atuou no caso do mensalão.
Outra iniciativa faria com que o crime de lavagem de dinheiro só pudesse ser aplicado para pessoas condenadas anteriormente por outros delitos. A proposta foi apresentada pelo advogado Gamil Föppel, que tem entre seus clientes o ex-ministro e ex-deputado Geddel Vieira Lima, condenado por lavagem de dinheiro depois de ter sido encontrado R$ 51 milhões, em notas, em um apartamento dele, em Salvador.
Por sua vez, Juliano Brêda, que defendeu empreiteiros da OAS julgados pela Operação Lava Jato, sugere que a pena máxima pelo crime de lavagem de dinheiro seja necessariamente menor à do crime cometido anteriormente. Por fim, diferentes juristas participantes da comissão sugerem que o recebimento de honorários advocatícios não configure lavagem de dinheiro em nenhuma situação.
A comissão é presidida pelo ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca. O relator, o desembargador Ney Bello, é o mesmo que, em 2017, concedeu a Geddel Vieira Lima prisão domiciliar, sem tornozeleira eletrônica. O grupo consultivo não inclui nenhum representante do Coaf, cuja criação foi determinada precisamente pela Lei de Lavagem de Dinheiro.
Para a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, “reformas na legislação atual devem se restringir a aspectos específicos e pontuais, pois a estrutura da Lei n.º 9.613/1998, com as alterações promovidas pela Lei n.º 12.683/2012, está em conformidade com as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e tem se mostrado efetiva no combate à criminalidade organizada e na repressão à lavagem de capitais”.
Gil lembra que manter um alinhamento com a política internacional à lavagem de dinheiro é importante para o desenvolvimento econômico do país. “Modificações que impliquem retrocessos aumentarão o grau de risco financeiro internacional do Brasil, o que tornaria o país menos atrativo em termos de investimento”.
A presidente da AMP é contrária a diversos pontos da mudança debatida no Congresso. “Entre eles, a restrição do compêndio de crimes antecedentes, a vinculação da pena do crime principal à do crime parasitário e a redução do espectro da pena de lavagem. Os parlamentares também devem retirar do texto os dispositivos que preveem a exclusão dos advogados da obrigação de comunicar aos órgãos competentes a ocorrência de operações suspeitas. Não pode o sigilo profissional servir de escudo para acobertar práticas ilícitas’.
Alterações na Lei de Improbidade Administrativa
Iniciativa: PL 10.887/2018
Autor: Deputado Roberto de Lucena (Podemos/SP)
Por onde já passou: O parecer preliminar foi apresentado ao plenário da Câmara pelo deputado Carlos Zarattini (PT/SP)
Onde está agora: Foi enviado para diferentes comissões da Câmara. Para centralizar a avaliação, foi proposta a criação de uma comissão especial cuja criação depende de aprovação do plenário.
Apresentado em 2018 e revisado ao final de 2020, o projeto de revisão da Lei de Improbidade Administrativa exclui a punição a várias condutas que hoje são proibidas, como o nepotismo e a prática de passar na frente de outros cidadãos para receber serviços públicos. O novo texto ainda reduz a lista de situações em que um juiz pode demandar bloqueio de bens de acusados.
A proposta ainda elimina o crime culposo de improbidade administrativa. Dessa forma, seria necessário comprovar a intenção de cometer o crime para gerar uma condenação, o que inviabilizaria a possibilidade de punir prefeitos que não prestam contas no prazo hábil. Além disso, a proposta reduz o prazo de suspensão de direitos políticos para parlamentares que sejam condenados por improbidade administrativa.
A proposta do relator é que a iniciativa seja votada em plenário ainda este ano. Para acelerar a tramitação, falta aprovar, também em plenário, a criação de uma comissão especial. Caso ela não seja criada, o PL deverá passar pelas comissões de Seguridade Social e Família; Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; Trabalho, Administração e Serviço Público; Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), já se declarou a favor do projeto de lei.
“A Lei de Improbidade de Administrativa precisa de uma revisão para sua adequação às mudanças ocorridas na sociedade e também para adaptar-se às construções hermenêuticas da própria jurisprudência, consolidadas em decisões dos Tribunais”, alega o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), autor da proposta.
“Entendemos que não é razoável compreender como ato de improbidade o equívoco, o erro ou a omissão decorrente de negligência, imprudência ou imperícia. Assim, a improbidade passará a ser atribuída exclusivamente a atos dolosamente praticados”, diz ele.
“Também não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de interpretação razoável de lei, regulamento ou contrato. Atualmente não é incomum a abertura de ações civis quando o agente público, com base em outro fundamento, acaba divergindo de jurisprudência dominante ou de orientações de órgãos de controle interno”.
Para o deputado, a proposta determina que caberá ao Ministério Público propor ações de improbidade administrativa, assim como a aprovação de eventuais acordos com os envolvidos. Mas ela “altera a lógica e o sistema de sanções por atos de improbidade e prevê parâmetros mínimos e máximos a serem aplicados pelo juiz mediante fundamentação e justificação, de maneira semelhante à dosimetria nos processos criminais”.
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