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Celso Amorim desembarcou na sexta-feira (26) em Caracas para acompanhar o processo eleitoral da Venezuela que deu vitória para Nicolás Maduro| Foto: André Borges/EFE.

Designado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acompanhar as eleições presidenciais na Venezuela, o ex-chanceler Celso Amorim é tido como o principal articulador da política externa do governo brasileiro. À frente da Assessoria Especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Amorim também atuou para a reaproximação do Estado brasileiro com a China e com a Rússia desde que Lula retornou ao Planalto.

Para analistas, a confiança depositada pelo presidente da República em Amorim pode justificar sua atuação como "guia" da política externa do petista. Outro ponto é sua postura ideológica. "Amorim é muito ideologicamente ligado ao grupo político chavista e a essa esquerda internacional sul-americana há muitas décadas", pontua Elton Gomes, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Um exemplo disso foi a presença do assessor em Caracas nos últimos dias. O assessor de Lula está na Venezuela desde a última sexta-feira (26) para acompanhar as eleições que ocorreram neste domingo (28). Na capital venezuelana, Amorim foi recebido pelo ministro das Relações Exteriores de Maduro, o chanceler Yvan Gil, com quem manteve uma reunião ao lado de outros assessores. Fontes ouvidas pela reportagem dão conta que Amorim se encontrou com Maduro e também iria se encontrar com membros da oposição.

"Amorim ficou como o único líder ou representante de líder sul-americano que foi efetivamente recebido e reconhecido nessa eleição para lá de contestada e que acabou respingando na figura do presidente Lula", avalia Gomes.

Diplomata de carreira, Amorim serviu em Londres, na representação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, e em Haia, na Holanda. Ele também foi embaixador do Brasil em Londres e atuou como chanceler de Lula durante seus dois primeiros mandatos.

De perfil progressista, o assessor esteve à frente dos principais assuntos internacionais envolvendo o regime chavista de Nicolás Maduro. No ano passado, Celso Amorim costurou, ao lado da Venezuela, o Acordo de Barbados, que buscou viabilizar eleições no país. O tratado, que contou com atuação do Brasil, dos Estados Unidos, do governo Maduro e de partidos da oposição venezuelana, tinha o intuito de proporcionar eleições transparentes e um processo eleitoral democrático no país.

Apesar de não ser o chanceler brasileiro oficialmente – cargo ocupado pelo embaixador Mauro Vieira, que é o ministro das Relações Exteriores –, Celso Amorim foi quem fez o lobby do acordo para Maduro e acompanhou a assinatura do tratado, que aconteceu em Barbados.

Ainda assim, o Ministério das Relações Exteriores afirmou nesta segunda-feira (29) que aguarda "a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) de dados desagregados por mesa de votação" das eleições presidenciais no país para se posicionar sobre o pleito. A pasta, porém, ignorou as denúncias de agressões e prisões arbitrárias registradas no país e saudou o "caráter pacífico da jornada eleitoral" do domingo (28).

O posicionamento do Brasil é aguardado com expectativa por Caracas e também por outras nações latino-americanas. O país não enviou observadores para acompanhar a votação deste domingo.

A reportagem questionou Celso Amorim sobre a participação dele no processo eleitoral da Venezuela e ainda com relação ao posicionamento da diplomacia brasileira sobre o pleito no país vizinho, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. O espaço segue aberto para manifestações. 

Em outra crise envolvendo o governo ditatorial venezuelano, o ex-chanceler também foi parte ativa nas discussões envolvendo o impasse com a Guiana por causa do território de Essequibo. Maduro fez campanhas com ameaças de invadir o país vizinho e já declarou a intenção de anexar a área, que representa cerca de 70% da Guiana e é rica em petróleo e recursos minerais.

Em dezembro, Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, se reuniram para chegar a um consenso pacífico sobre a tensão entre eles. O assessor brasileiro representou o Brasil no encontro e, paralelamente a isso, também manteve reuniões com representantes de ambos os países e ligações com seus homólogos venezuelano e guianense. Apesar das tratativas, não houve acordo e a disputa pela região prossegue entre os dois países.

Aproximação do Brasil com China e Rússia intermediada por Amorim

Para analistas ouvidos pela reportagem, o assessor também é o responsável por costurar a aproximação do Brasil com o bloco russo-chinês, que busca uma nova ordem mundial geopolítica e questiona a hegemonia dos Estados Unidos. “A política externa do presidente Lula tem erros e acertos, mas ela é imperfeita", avalia Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda.

"[A política externa de Lula] tem problemas porque ela foi entregue inteiramente à uma visão de mundo exclusiva, à visão do Lula, do PT e próprio Celso Amorim... Que é essa visão do Sul Global. Em que o Sul Global, segundo eles, inclui a China e busca uma nova ordem internacional, diferente e melhor do que a atual", afirma.

As primeiras mostras dessa guinada brasileira ao eixo Rússia-China ocorreram ainda nos primeiros meses do retorno de Lula ao Planalto. Com foco na política externa, Lula designou Celso Amorim para uma viagem à Rússia com a intenção de buscar informações sobre o conflito com a Ucrânia. Porém, a decisão de enviar um representante primeiro ao país invasor - e não ao invadido - criou o primeiro ruído internacional na gestão petista.

O Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual Amorim é filiado, tem uma trajetória de aproximação com a Rússia. O assessor, conforme ele mesmo revelou em entrevista à revista Piauí, possui uma amizade com o chanceler russo, Sergey Lavrov. De acordo com Amorim, os dois são ainda os responsáveis por "fundar" os Brics. Já o ditador russo, Vladimir Putin, possui uma relação próxima com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Tal aproximação foi a justificativa para a visita de Amorim a Moscou ainda nos primeiros meses de 2023. A viagem, contudo, não foi bem interpretada pelo Ocidente e nem pela Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, reagiu à viagem convidando Celso Amorim e o presidente Lula para visitarem a Ucrânia e verem a destruição causada pelos ataques russos. Amorim foi à Kyiv em maio, mas Lula ainda não foi a nenhum dos dois países.

Na mesma esteira de aproximação com a Rússia, a China também entrou no radar do governo Lula. Parceiros comerciais de longa data, Amorim tem buscado expandir esse relacionamento para a área política. Ele foi à China algumas vezes e mantém contato com representantes de Xi Jinping. Membros do Partido Comunista Chinês também vieram ao Brasil.

Assim como Amorim, Xi Jinping também é um entusiasta de uma nova reforma internacional e questiona a liderança dos Estados Unidos no plano geopolítico. O governo Lula tem dado demonstrações dessa aproximação política com a China ao reproduzir narrativas da ditadura asiática.

Nos últimos meses, Amorim e Lula expressaram interesse em avançar com discussões sobre a chamada desdolarização. A proposta é impulsionada por Pequim e propõe que transações comerciais entre países sejam realizadas com moedas locais ou uma moeda própria, descartando a utilização do dólar. O tema tem avançado no âmbito dos Brics – acrônimo para o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com cinco novos Estados-membros. O bloco é a aposta sino-russa no confronto às nações democráticas do Ocidente.

O alinhamento político do Brasil com a China ganhou ainda mais força em maio, quando os dois países anunciaram uma proposta conjunta em busca da paz na Ucrânia. O documento foi negociado por Celso Amorim, no lado brasileiro, e o chanceler chinês Wang Yi, e ignora os esforços do Ocidente para promover o fim do conflito na Europa, que foi iniciado pela Rússia.

O documento leva em consideração os anseios da Rússia e propõe uma cúpula que conte com a presença de Putin e Zelensksy para discutirem uma solução do conflito. A proposta, contudo, não prevê a retirada de tropas russas da Ucrânia e nem a devolução do território ucraniano invadido pelo exército de Putin.

Posicionamentos de Amorim explicam seu posto ao lado de Lula e não à frente do Itamaraty, diz analista

Desde que retornou ao Planalto ao lado de Lula, Amorim acumula ainda falas polêmicas e que não refletem o tradicional posicionamento de imparcialidade do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Na avaliação do cientista político Elton Gomes, o fato de Amorim assumir um posto de assessor de Lula lhe dá a liberdade de se posicionar sobre temas polêmicos, já que declarações semelhantes seriam "impossíveis para o chanceler oficial".

O conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas é um dos exemplos. Amorim condenou os ataque feitos pelo Hamas a Israel, mas buscou justificar a agressão ao dizer que o episódio teria sido decorrente de "anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só na própria Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

O ex-chanceler voltou a se envolver uma nova polêmica ao traçar um paralelo entre o tratamento de mulheres no Irã e a pena de morte nos Estados Unidos. “Eu não concordo com a forma como as mulheres são tratadas no Irã, por exemplo, mas não concordo com a pena de morte, que ainda existe nos Estados Unidos”, disse ao discutir a inclusão do país no G20 durante uma palestra em Washington há poucas semanas.

A declaração de Celso Amorim gerou uma reação imediata de Dan Baer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). “Traçar uma equivalência entre os Estados Unidos e a aplicação de pena de morte e o regime iraniano não é moralmente respeitável”, afirmou Baer. Ele acrescentou que essa comparação “mina a credibilidade moral daqueles que traçam esse tipo de equivalência”.

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