As negociações do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a Câmara dos Deputados para aprovação da PEC fura-teto foram impactadas nesta segunda-feira (19) por duas decisões oriundas do Supremo Tribunal Federal (STF).
A primeira, do ministro Gilmar Mendes, permite que os recursos destinados ao pagamento de benefícios sociais fiquem fora do teto de gastos, excluindo, em tese, a necessidade de aprovação da PEC e praticamente concedendo uma "licença para gastar". O texto vinha sendo negociado pela transição de Lula como forma de garantir o pagamento de R$ 600 para o Bolsa Família a partir do ano que vem.
Já a segunda decisão é o fim do julgamento no STF que acabou por declarar inconstitucional o orçamento secreto, como ficaram conhecidas as emendas de relator, que virou um instrumento de chantagem política do Congresso junto ao poder Executivo.
A avaliação entre integrantes do PT é de que ambas as decisões reduzem o poder de "barganha" do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nas discussões para aprovar a PEC. A proposta já foi aprovada pelo Senado, mas está travada na Câmara há pelo menos duas semanas.
Apesar dos reveses, Lira afirmou que o texto será analisado pelos deputados nesta terça-feira (20). "A Câmara continuará trabalhando pela estabilidade do pais. A votação da PEC nesta terça-feira está mantida", afirmou nesta segunda.
Como forma de pressionar o governo eleito, Lira tentava condicionar a aprovação da PEC à indicação de aliados para cargos no Executivo. No balcão de negociações, o presidente da Câmara defendia a indicação de um aliado para o Ministério da Saúde em troca do suposto apoio de 150 votos de deputados do Centrão para a PEC fura-teto. Os dois se reuniram no último domingo (18) em busca de um acordo para aprovação da matéria.
Aliados de Lula sinalizam, no entanto, que a decisão de Gilmar Mendes e a conclusão do julgamento no STF mudam a correlação de forças entre o governo eleito e o Congresso. Apesar disso, membros da transição indicam que a aprovação da PEC seria a melhor alternativa, pois a solução seria por meio da política.
"O plano A, B e C é a aprovação da PEC", resumiu o futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa. "A negociação permanece porque é importante para o país apostar na boa política, na negociação e na institucionalidade para a gente dar robustez para a política econômica que vai ser anunciada e que vai aplacar os ânimos e mostrar que o Brasil vai estar no rumo certo a partir de 1º de janeiro", disse o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, também garantiu que o governo eleito continua buscando a aprovação da PEC. "Queremos a PEC do Bolsa Família, ela é importante, porque traz outras soluções e privilegia a política, o parlamento, para a saída de problemas. Mas se a Câmara não der conta de votar, a decisão do ministro Gilmar não deixará o povo pobre na mão", escreveu nas redes sociais.
Negociações da Câmara podem desidratar texto da PEC fura-teto de Lula
Após as derrotas no Judiciário, Arthur Lira se reuniu com lideranças partidárias na tarde desta segunda para reavaliar o cenário e discutir alternativas ao orçamento secreto. Uma saída estudada para viabilizar o pagamento das emendas de relator em 2023 seria ampliar o montante destinado para as emendas individuais e de bancadas.
A peça orçamentária do ano que vem prevê, até o momento, R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto, R$ 11,7 bilhões para emendas individuais e R$ 7,7 bilhões para emendas de bancada. O relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), disse nesta segunda que os recursos que estavam reservados para o orçamento secreto serão redistribuídos para o atendimento de emendas de bancada e emendas de comissão.
"Eu não posso, por iniciativa própria, colocar onde eu quiser. Eu só posso alocar esse recurso onde houver emenda. Onde houver solicitação. Então, o que remanesce hoje são emendas de bancadas e emendas de comissão. Como as emendas de comissão são de caráter geral, nacional, nós vamos dar preferência ao atendimento às emendas de comissão. Nós vamos pegar esses R$ 19,4 bi e distribuir pelas emendas de comissão do Congresso Nacional, tanto da Câmara quanto do Senado”, afirmou o senador.
Já sobre a votação da PEC, a avaliação de parlamentares em torno do presidente da Câmara é de que o texto pode sofrer algumas alterações, até por retaliação às decisões do STF. Lira disse a aliados desconfiar de uma suposta interferência de Lula no voto decisivo do ministro Ricardo Lewandowski que declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto.
A avaliação dos congressistas é de que a reação pode ser por meio da supressão de trechos da PEC que foi aprovada pelo Senado. Com isso, a proposta não precisa passar por uma nova votação dos senadores. Entre os pontos que os deputados estariam dispostos a mudar seria o tempo de vigência da proposta, que passaria de dois para apenas um ano. Esse ponto contaria com apoio, inclusive de deputados do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro.
Os parlamentares questionam ainda o valor de R$ 145 bilhões e pleiteiam a redução para R$ 100 bilhões e até R$ 80 bilhões. Além do PL, essas demandas foram apresentadas ainda por parlamentares do PP, de Lira, e do Republicanos, siglas que compõem a base de Bolsonaro no Congresso.
“Arthur [Lira] está trabalhando junto com todos nós da liderança para passar a PEC. Talvez com algumas pequenas readequações, mas está tudo sob controle”, afirmou o deputado Darci de Matos, vice-líder da Maioria na Câmara.
Medida provisória vira alternativa à PEC fura-teto dentro da transição
Apesar das sinalizações do PT em manter as negociações para a aprovação da PEC fura-teto na Câmara, líderes do partido não descartam a possibilidade de uma medida provisória (MP) para garantir o pagamento dos R$ 600 para o Bolsa Família no ano que vem. Na avaliação dos integrantes da transição, Lula está livre de pressões e das negociações que envolvam cargos em ministérios.
Antes da decisão de Gilmar Mendes, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas, já havia sinalizado que uma eventual edição de MP por parte de Lula poderia ter respaldo da Corte. De acordo com Dantas, o TCU tem "inúmeros" precedentes de que é possível abrir crédito extra por meio de medida provisória.
Mesmo sinalizando a aprovação da PEC como "plano A" do governo de transição, Haddad disse que a decisão do ministro do STF dá "conforto" para os beneficiários do Bolsa Família e mostra que eles não ficarão desamparados em razão de eventual "desentendimento no Congresso Nacional".
"É muito importante dar o conforto para as famílias de que não haverá nenhum tipo de prejuízo do programa mais exitoso criado pelo presidente Lula, de transferência de renda. Dá conforto para as famílias. É muito importante, mas vamos perseverar no caminho da institucionalidade e da boa política", avaliou.
Diferentemente da PEC, a medida provisória tem força de lei assim que publicada no Diário Oficial da União. Embora precise de posterior aprovação do Congresso para se tornar lei em definitivo, a MP exige menos votos que PECs para serem aprovadas. Com isso, o governo Lula precisaria fazer as negociações para aprovação apenas no próximo ano, quando o novo Congresso já terá tomado posse.
Os aliados de Lula, no entanto, avaliam que a decisão do ministro do STF ainda deixa dúvidas sobre a possibilidade de o governo eleito garantir outras promessas para o Bolsa Família. Além dos R$ 600, o petista pretende garantir um adicional de R$ 150 para cada criança de até 6 anos beneficiária do programa. Há uma expectativa de que o partido Rede Sustentabilidade, autor da ação, apresente um recurso ao STF pedindo a Gilmar Mendes que esclareça pontos da decisão.
Arthur Lira, no entanto, avalia ser "desnecessária" a edição de uma medida provisória diante das negociações com Lula para aprovar a PEC fura-teto. “Eu acho que é absolutamente desnecessário [a medida provisória]. Os diálogos estão sendo francos. A nossa vontade está explícita em ajudar, sem abandonar aliados antigos e acrescentando os novos aliados na construção de um teto que seja melhor para o Brasil", disse o presidente da Câmara em entrevista à Globo News.
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