A realização da Copa América no Brasil pode assegurar bônus políticos ao governo federal. Governistas vislumbram no evento futebolístico oportunidades econômicas e políticas. Será, no entender deles, a oportunidade de mostrar que a vida no país volta pouco a pouco ao normal e que o combate à pandemia do coronavírus vem sendo conduzido de forma eficaz, sendo, assim, uma resposta ao mundo e aos críticos.
A Gazeta do Povo apurou junto a interlocutores do Palácio do Planalto que a competição será transmitida para 186 países. "Antes dos jogos, teremos a divulgação das cidades-sede. É um benefício para o turismo", celebra um assessor. "É uma maneira de mostrar nossa eficiência no combate à pandemia, que não tenho dúvidas que será completamente perfeita, com toda a segurança e precauções", diz o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), vice-líder do partido na Câmara.
Na visão dos críticos, o governo tem, sim, a ganhar com a realização da Copa América, mas sob outra ótica. Para o deputado Zé Neto (PT-BA), vice-líder do partido e membro da Comissão do Esporte na Câmara, é uma forma de instrumentalização política para tentar encobrir a crise econômica e sanitária em meio à CPI da Covid-19.
"Era momento de encontrarmos o Brasil numa situação de menos festejo e desvio de atenção e mais foco no combate à pandemia", critica. Zé Neto pondera que, no atual ritmo de óbitos diários, o país deve atingir a marca de 500 mil mortes durante a competição. "Infelizmente, a projeção aponta para isso", diz.
Realização da Copa América fortalece alianças no setor de comunicação
Mostrar que o país se encaminha para a volta à normalidade — algo tão defendido pelo presidente Jair Bolsonaro — não é o único ponto onde o governo pode faturar politicamente com a Copa América. A leitura feita por alguns no Planalto é que, ao sediar o evento, Bolsonaro fortalece laços com aliados estratégicos, a exemplo da emissora SBT.
A empresa do Grupo Silvio Santos celebrou com a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) acordo para a transmissão de todos os jogos da seleção brasileira na TV aberta e a final, ainda que o Brasil não esteja representado na decisão.
O cancelamento do evento esportivo seria, portanto, prejudicial para a empresa, cujo dono, Silvio Santos, é um aliado de Bolsonaro. "A não realização traria prejuízos para as emissoras que deixariam de transmitir [SBT, na TV aberta, e os canais esportivos controlados pela Disney na TV por assinatura]. O presidente quis, também, ajudar a empresa nacional", pondera um interlocutor palaciano.
O que mais o governo ganha com o evento
Outra leitura feita no Planalto aponta que o governo pode ter ganhos políticos — nacionais e externos — ao reafirmar a capacidade que o Brasil tem para realizar eventos internacionais. É o que diz um interlocutor palaciano, que nega intenções políticas de Bolsonaro em sediar a competição no país.
"A politização dessa história é mais um absurdo que vivemos. O presidente, com as condições que tinha sobre a mesa, ou seja, o fato de os campeonatos estaduais e nacionais continuarem, apenas disse não ver problemas em mais esse evento no país", diz o assessor. "Aí, só porque ele quis estender a mão para a Conmebol, que iria ter muito prejuízo, gerou essa discussão", complementa.
O cientista político Thales Castro, professor e pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), concorda com a leitura feita no Planalto de que o governo tem a ganhar com a Copa América ao reafirmar a capacidade para eventos internacionais e em privilegiar um aliado do setor de comunicação.
"É fato que o governo tira ganho político ao privilegiar um conglomerado de mídia que é 'anti-Globo'. Bolsonaro tem um pensamento e uma resposta política muito baseado na relação binária militar de lealdade", diz. "Além disso, o governo assume um papel de liderança estratégica hegemônico na América Latina", acrescenta.
O que o governo pode perder com a Copa América
A realização do evento esportivo em meio a toda a politização criada no atual ambiente polarizado também pode gerar ônus ao governo federal. O cientista político Thales Castro, que é coordenador do curso de Ciência Política da Unicap, entende que o Planalto sai enfraquecido se movimentos de rua se oporem ao torneio.
"Se essa Copa América, que não terá torcida, vier a ser um palanque antecipado e inflamado do debate político das eleições de 2022, com manifestações nas ruas, black blocks, será uma derrota para o Brasil, para a Conmebol e para o governo também", destaca.
Ter a competição e o governo criticado nas ruas pode contrapor os bônus esperados pelo governo, de que a vida começa a voltar ao normal, sobretudo em uma situação que o mundo estará de olho no Brasil. "Porque você vai ter o objeto da Copa América sendo rasgado. O objeto dela é o fair play, a integração. Diante desse cenário, haveria uma situação de fragilização geral", analisa Castro.
O deputado Zé Neto (PT-BA) dá o tom crítico do que o governo poderia enfrentar nas ruas nesse cenário e explica sua contrariedade ao evento futebolístico. "Copa América é uma festa de confraternização. E nós temos o que confraternizar no Brasil neste momento?", critica.
"Acreditam que haverá uma recuperação econômica não sei de onde. Alguns dados melhoraram porque estavam muito ruins. O governo deveria estar focado de forma mais contundente na compra de vacinas, ajudando a fazer cronogramas nos estados, ampliando a oferta de máscaras e álcool em gel, não inflamando aglomerações", complementa o vice-líder do PT na Câmara.
E o que acontece se o STF barrar a Copa América?
Mesmo com a primeira rodada da Copa América marcada para o domingo (13), o Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quinta-feira (10) se o Brasil sediará ou não o evento. A possibilidade de a Corte rejeitar a competição no país teria potencial para elevar a polarização no país e a tensão do clima político.
"Se o STF faz isso, tensionaria as relações sociais e políticas, e aprofundaria essa dicotomia e polarização inflamada. Estariam ajudando com a situação de soma zero", analisa o cientista político Thales Castro.
O deputado Bibo Nunes (PSL-RS) não acredita nessa hipótese, mas dá o tom das críticas que seriam feitas pela direita conservadora no país ao STF e àqueles que vierem a apoiar a decisão. "Se os ministros do Supremo fazem isso, serão eles os negacionistas, por não acreditarem em testes e vacinas", critica.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, explica que todas as delegações que competirão entrarão no Brasil seguindo protocolos estabelecidos, com exames de RT-PCR e controle sanitário "adequado". "Eu não vejo risco adicional em função dessa competição. A vigilância em saúde existe", disse na segunda-feira (7).
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), vice-líder do governo e membro da Comissão do Esporte, diz que manter a realização do evento é uma coerência ao fato de o Brasil manter o calendário nacional. "A Conmebol vai vacinar todo mundo, fazer testes. O que me preocupa é aglomeração fora dos estádios e não os jogos da Copa América, que ocorrerão sem torcida. Mas o mesmo risco de aglomeração existe hoje, com os jogos do campeonato brasileiro e das eliminatórias [para a Copa do Mundo]", diz.
Presidente da Comissão do Esporte defende o torneio e pede fim da politização
O deputado Felipe Carreras (PSB-PE), presidente da Comissão do Esporte na Câmara, é um dos que torce para que o STF não barre a realização da Copa América. Para ele, os protocolos previstos pelo Ministério da Saúde, pela Conmebol e pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são suficientes para assegurar a segurança sanitária do torneio.
"Minha torcida é que o Supremo não interfira em uma competição já totalmente preparada, com todos os protocolos necessários tendo sido anunciados. Que a competição aconteça, e ocorra da melhor forma possível, com todos os esclarecimentos que já foram prestados em relação à segurança sanitária", destaca.
Além da realização do evento, Carreras torce pelo fim da politização em torno da Copa América. "Não é saudável politizar uma competição esportiva. E quando falamos do futebol, falamos de uma paixão, um patrimônio cultural. Num ambiente de extremismo político, já é um grande erro politizar um tema como esse", comenta.
Para ele, a "largada" na comunicação do torneio foi falha desde o processo do anúncio, mas, diante dos esclarecimentos feitos pelas autoridades, ele entende que há segurança suficiente para a realização. "Como presidente da Comissão do Esporte e tendo que ter papel de isenção, mesmo sendo de um partido de oposição ao governo, acho que os esclarecimentos que o ministro de Saúde prestou dão a segurança para a competição acontecer", analisa.
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