A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de 8 de janeiro encerrou os seus trabalhos de apuração na semana passada com a pauta e a sessão suspensas, repleta de insatisfações de todos os seus membros, sobretudo os da oposição, que queriam investigar as omissões federais nos episódios de vandalismo. O impasse entre a maioria governista e a minoria de oposição perdurou até os momentos finais do colegiado instalado no fim de maio, após centenas de documentos recebidos e analisados e 20 depoimentos realizados.
Resta agora apenas a apresentação e a votação dos relatórios – oficial e paralelo –, previstas apenas para 17 de outubro – a próxima semana será mais curta em razão do feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida.
Os integrantes da base do governo esperavam usar sua dominância para conduzir as decisões da comissão de modo a barrar investidas indesejadas da oposição e, ainda, reunir elementos contundentes para reforçar a tese de um golpe de Estado frustrado, supostamente orquestrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e apoiado por um pequeno grupo de militares em sua volta. De toda forma, a relatora da CPMI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), já adiantou que irá pedir o indiciamento do ex-presidente com base em supostas evidências. O parecer da oposição será apresentado pelo deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Do lado oposicionista, o pouco que faltava para consagrar a convicção de que houve propositada inércia das autoridades federais de segurança, particularmente da Força Nacional, durante as invasões na Praça dos Três Poderes no 8 de janeiro não foi obtido justamente em razão do domínio governista, cujo maior propósito desde o início seria o de ocultar uma possível omissão do ministro da Justiça, Flávio Dino.
Ao longo de cinco dos seis meses de duração, a CPMI assistiu à reiterada negativa da maioria em ouvir testemunhas que pudessem atestar a leniência federal e até mesmo o grave fato envolvendo o alegado desaparecimento de imagens captadas por dezenas de câmeras da sede do Ministério da Justiça. Isso ocorreu após semanas de negativas a sucessivos pedidos aprovados em plenário e confirmados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Balanço melancólico da CPMI deixa perguntas sem respostas
Com tudo isso, o colegiado responsável por apurar responsabilidades e omissões nos atos de vandalismo não acrescentou informações substanciais às investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, sob a supervisão do STF e da Justiça do Distrito Federal. No entanto, levantou importante questão que, conforme sublinhou o senador Esperidião Amim (PP-SC), continuará no ar: o que estava fazendo a Força Nacional durante os ataques?
Relatórios do próprio Ministério da Justiça mostram que 240 homens ficaram lá de braços cruzados por horas, sendo acionados quando os estragos já haviam ocorrido. No dia 15 de agosto, o repórter fotográfico Adriano Machado, da agência Reuters, convocado pela oposição, disse que fotografou guardas da Força Nacional parados no estacionamento do Ministério da Justiça, enquanto manifestantes entravam no Planalto.
Uma última tentativa de avançar nas investigações ocorreu na terça-feira (3), quando o plenário rejeitou por 14 votos a 10 o pedido para convocar Sandro Augusto de Sales Queiroz, então comandante do Batalhão de Pronto Emprego da Força Nacional no dia da invasão das sedes dos Três Poderes. O requerimento foi incluído na pauta pelo presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), a pedido de membros da oposição e gerou protestos por parte dos governistas.
Veto governista soou como um atestado de culpa, afirma deputado
O deputado Abílio Brunini (PL-MT), protagonista da maior parte dos bate-bocas entre governo e oposição que tomaram as redes sociais, classificou os votos em contrário à vinda do chefe da Força Nacional, seguida da comemoração pelo resultado de placa pela rejeição, de “atestado de culpa”. O esforço para esconder a omissão da Força Nacional também se completou com a não ida de Dino, do interventor Ricardo Capelli e até dos vândalos mais ostensivos, sobre os quais persiste a suspeita de que podem ser elementos infiltrados.
O 20º e último depoimento ocorreu na terça-feira (3), quando ficou em silêncio o empresário Argino Bedin, investigado como um dos possíveis financiadores dos protestos. Estavam previstos ainda para a quinta-feira passada (5) os depoimentos do subtenente da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Beroaldo José de Freitas Júnior, que participou da defesa do Congresso. A sessão, porém, foi cancelada. De forma melancólica, os dois dias reservados a oitivas serviram de balanço negativo para a CPMI, a qual, em tese, poderia até ser encerrada em 20 de novembro - data em que completaria seis meses da autorização para o funcionamento do colegiado.
Mas não foi isso que se viu na CPMI. Em meio ao clima ruim da reta final, o depoimento do general Walter Braga Netto também foi cancelado. Ele estava previsto dentro de acordo de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a oposição para blindar das investigações a Força Nacional e, por tabela, Flávio Dino.
“A CPMI infelizmente acabou antes do fim, quando foi sequestrada pela maioria e os requerimentos da oposição foram repetidamente rejeitados. Não resta dúvida de que os eventos lamentáveis de 8 de janeiro poderiam ter sido evitados tanto pela Guarda Presidencial quanto, sobretudo, pela Força Nacional”, disse o senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Ele também lamentou a proteção concedida não só a Dino, que foi representado na comissão pelos membros do governo em geral e por seis parlamentares do Maranhão em particular, mas também ao ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula, o general Marco Gonçalves Dias.
Nesse sentido, Izalci Lucas criticou a relatora, aliada política do ministro da Justiça, por desempenhar um papel “desastroso na busca pela verdade”, incluindo prévia coordenação de perguntas e respostas no depoimento de G. Dias, como o ex-ministro é conhecido.
O senador e outros parlamentares da oposição chegaram a solicitar a remoção de Eliziane do cargo devido a graves suspeitas sobre o relatório que apresentará. Para ele, bastaria prestar atenção no depoimento do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Saulo Moura da Cunha para indiciar o general.
O agente da Abin informou aos parlamentares que relatórios da agência indicaram “uma certa organização de grupos” dias antes dos eventos e que G. Dias foi alertado sobre o risco de ataques, o que se confirmou na tarde do 8 de janeiro. Ao receber o aviso mais enfático, às 8 da manhã daquele domingo, ele respondeu: “teremos problemas”.
Além disso, Izalci Lucas mencionou a ocultação de provas das imagens do Palácio da Justiça e dos testemunhos do atual ministro da Defesa, José Múcio, que descartou serem os eventos de 8 de janeiro um golpe, mas sim “a baderna que levou à prisão e à condenação de desconhecidos julgados pela mais alta Corte do país”.
CPMI não explicou porque 33 alertas não evitaram ataques
Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), o governo Lula foi “omisso de forma flagrante” e ainda desrespeitou o Parlamento na empreitada de resguardar todos os que queria. “A tropa de choque governista não deu trégua. Sabíamos que o assessor direto do ministro Dino recebeu 33 alertas sobre os ataques, tendo inclusive o chefe da Polícia Federal se reunido com o governo distrital na véspera para avaliar essa situação, e nada foi feito para prevenir o pior”, disse.
Ele lamenta que os desdobramentos da CPMI mostraram um boicote das investigações sérias do começo ao fim. Para Girão, houve perseguição implacável de poderosos aos que eles queriam penalizar, chegando aos julgamentos virtuais pelo STF em casos relacionados ao 8 de janeiro.
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