Facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), avançam cada vez mais na atividade de garimpo ilegal de ouro na região amazônica. Segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a participação dessas organizações é uma explicação muito mais razoável para expansão do garimpo do que supostos motivos que vêm sendo alegados por organizações não governamentais de esquerda, como a política ambiental do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Uma reportagem especial da Gazeta do Povo usou imagens de satélite para mostrar nesta semana como começa um garimpo gerido por uma organização criminosa. Com uma área equivalente a 11 campos de futebol, esse garimpo surgiu entre setembro de 2023 e junho de 2024, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um levantamento da organização Greenpeace, de viés esquerdista, mostra o avanço do garimpo ilegal na gestão do petista. Segundo a ONG, no primeiro semestre de 2024 atividades de garimpo dentro das terras indígenas da Amazônia resultaram em 417 hectares (área equivalente a de quase 300 campos de futebol) de novas áreas de desmatamento. As regiões mais afetadas são as Terras Indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami.
O garimpo ilegal na Amazônia existe há muitas décadas e é monitorado principalmente desde os anos de 1990, segundo o analista do think thank Iniciativa Dex, Antônio Fernando Pinheiro Pedro, ex-secretário do Clima da prefeitura de São Paulo. Só que recentemente a atividade vem usada por ONGs e por órgãos de imprensa como motivo de ataques políticos contra Bolsonaro, segundo o analista.
"Primeiro era havia só a atividade do garimpo ilegal, depois os criminosos começaram a se associar com madeireiros e agora, numa terceira fase, a atividade do garimpo está se ligando ao tráfico de drogas que lucra com lavagem de dinheiro", afirmou Pinheiro Pedro.
Os primeiros registros da atuação de facções criminosas na região datam de 2016, segundo o ex-diretor do Ibama e militar da reserva Samuel Souza. Segundo ele, o crime organizado viu no garimpo em terras indígenas uma possibilidade de fazer no comércio do ouro também a lavagem do dinheiro obtido por meio do comércio internacional de drogas.
Assim, a entrada de facções criminosas na atividade de mineração fez com que os garimpeiros também garantissem o financiamento para a operação.
Samuel Souza explica ainda que as redes organizadas pelo crime organizado que afetam o meio ambiente na Amazônia estão escalonadas em três níveis:
- Nível inferior: onde estão os operadores de motosserras, de pás cavadeiras, de maquinário, motoristas de caminhão, boiadeiros, etc. São os operadores do crime e caracterizam-se por ser mão de obra farta e barata na região.
- Nível intermediário: onde estão comerciantes, empresários e políticos locais, pessoas físicas e jurídicas, pequenas e médias empresas, muitas de fachada, “laranjas”. São responsáveis pela logística, pelas contratações e aquisições, pelo transporte, suprimentos, escoamento. Sendo assim, são conhecidos como os gerenciadores do crime.
- Nível superior estão os financiadores do crime. Grandes organizações, nacionais e internacionais, de diferentes tipos e áreas de atuação, organizações criminosas.
A organização da estrutura dos garimpos é somada à logística, outra área dominada pelo crime organizado. "As facções dominam a logística dessas operações com ouro porque já faziam isso com as drogas", explicou Souza.
A principal forma de escoamento de drogas, madeira e ouro ilegais é chamada de Rota do Solimões e é controlada pelo Comando Vermelho. Segundo analistas, ela era controlada por uma facção criminosa local chamada Família do Norte e levava cocaína produzida em países andinos, como Peru, Colômbia e Equador por meio de rios como o Solimões para Manaus (AM) e para portos no Pará, de onde seguia para outras regiões do país ou para o exterior.
A partir de 2016, essa rota cresceu em importância com o domínio da Rota do Paraguai, que passa pelas regiões Sul e Sudeste, pelo PCC. O evento que marcou essa dominação foi o assassinato do mafioso paraguaio Jorge Rafaat Toumani. Sem poder usar mais a Rota do Paraguai, o CV, que é rival do PCC, passou a dominar a Rota do Solimões. Além de escoar a droga, a organização entrou também no "ramo" do garimpo e da venda ilegal de madeira.
A situação de momento é que, apesar do CV controlar a Rota do Solimões, o PCC avança sobre garimpos em estados como Roraima, Rondônia e Mato Grosso. Estudos sugerem que os principais compradores do ouro amazônico estão nos Estados Unidos, no Canadá e na Suíça.
O problema já reverbera no exterior, como mostra um estudo publicado em 2023 pelo UNODC, o escritório da ONU para o combate aos crimes e às drogas. Ele confirma a tendência de que narcotraficantes passaram a se envolver com mineração e extração de madeira. De acordo com o documento intitulado “Nexos de Crime-Drogas na Bacia Amazônica”, “há evidências crescentes de traficantes de drogas financiando e fornecendo apoio logístico para atividades ilegais nas operações de mineração de ouro em toda a região, incluindo em territórios protegidos, expandindo-se para a exploração de madeireira ilegal e o tráfico de vida selvagem (incluindo plantas, insetos e animais)”.
Envolvimento de facções com garimpo é resultado de falta de fiscalização, diz deputada
Relatos de indígenas da etnia Paiter Surui levaram a Gazeta do Povo a localizar, por meio de imagens de satélite dos sistemas Copernicus e Google Earth, um garimpo ilegal surgido no ano passado na Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, e que já tem 12 hectares. Esse indígenas relataram que há máquinas pesadas e homens armados até com fuzis circulando pela região. A principal suspeita é que os criminosos estejam ligados ao PCC.
"Óbvio que uma terra não fiscalizada e não policiada vai ser o ambiente propício para instalação de criminosos. Isso já era esperado por quem entende de geopolítica e observa o movimento de organizações que só segregam o índio para usá-lo como cortina de fumaça para manter outros interesses atuando nessas áreas", disse a deputada federal Sílvia Waiãpi (PL-AP).
"Como sempre, fomos condenados e subjugados como no ano de 15000. Pois continuamos mantendo um povo num cárcere verde e ideológico", afirmou.
Pinheiro Pedro afirmou ter opinião semelhante. Segundo ele, o tipo de preservação de povos indígenas sem integração plena com o resto da sociedade, que é defendido pelo atual governo de Lula, é como "manter o indígena pelado dentro de um aquário".
Atuação do Estado não tem contido as facções
Diante da atuação do crime organizado, autoridades têm empenhado esforços para coibir as ações criminosas.
Em abril deste ano, o governo Lula estendeu o prazo de atuação da Força Nacional para fiscalizar e reprimir crimes ambientais na Amazônia Legal. A medida é válida até 31 de dezembro de 2024. A Polícia Federal e o Ibama também têm atuado na fiscalização e no combate às organizações criminosas.
Em resposta à Gazeta do Povo, o Ministério dos Povos Indígenas disse que há um grupo de trabalho para o combate ao garimpo ilegal composto por diversos órgãos federais e Ministérios, sob coordenação da Casa Civil. "O Comando Conjunto Ágata Fronteira Norte, coordenado pelo Ministério da Defesa, atua na Terra Indígena Yanomami para prevenir e reprimir delitos ambientais e cometidos na fronteira. Até o momento, 146 garimpeiros foram detidos, e foram apreendidas 40 toneladas de cassiterita, 1.675 gramas de ouro e 808 equipamentos, além da neutralização de acampamentos ilícitos na região", destacou o Ministério dos Povos Indígenas por meio da assessoria.
A Polícia Federal e o Exército também têm conduzido operações para combater o garimpo ilegal em áreas indígenas de Mato Grosso. A Operação Alfeu é um exemplo. "Em sua 8ª fase, a operação está focada na repressão ao garimpo ilegal na região há três anos. Além das ações de campo, as investigações buscam identificar os financiadores do crime, que continuam invadindo as Terras Indígenas após cada operação", apontou ainda o Ministério dos Povos Indígenas.
No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também ocorreram operações para coibir a ação dos criminosos nos garimpos. Samuel Souza relata que, em outubro de 2021, a Polícia Federal e o Ibama, apoiados pelas Forças Armadas, fizeram uma operação contra o garimpo ilegal na TI Kaiapó no sudeste do Pará. Na operação, foram destruídas 42 pás cavadeiras (retroescavadeiras ou PCs na linguagem do garimpo). Um desses equipamentos custa no mínimo R$ 500 mil, ou seja, o prejuízo para o crime ali foi de no mínimo R$ 21 milhões.
Além disso, o governo de Bolsonaro decretou operações de Garantia da Lei e da Ordem para utilizar recursos militares na repressão a crimes na região da selva amazônica.
Apesar dos esforços, as organizações criminosas não são barradas com facilidade. “Durante a operação o sistema de inteligência descobriu que um comboio com dez PCs [máquinas pesadas usadas em garimpos] estava estacionado em uma cidade próxima da terra indígena, aguardando a operação acabar. Mais de R$ 5 milhões em investimento foram perdidos pelos criminosos”, acrescentou Souza sobre a poderosa rede criminosa por trás dos garimpos. Mas ele afirmou que como os lucros são muito altos, esse tipo de equipamento é facilmente reposto pelos criminosos.
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