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As recentes crises enfrentadas pelo Palácio do Planalto mostram que a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em apostar na Secretaria de Comunicação Social (Secom) para melhorar sua imagem pode não ser suficiente diante dos desafios políticos e fiscais enfrentados pela gestão petista. Mais do que indicadores econômicos, analistas apontam que a crise de desconfiança do mercado e da população não pode ser resolvida pela simples mudança de abordagem nas redes sociais.
Os casos que mais prejudicaram a imagem do Executivo neste mês de janeiro mexeram em duas áreas sensíveis ao brasileiro: o bolso, com a normativa da Receita Federal que ampliava o monitoramento sobre transações financeiras – que posteriormente foi revogada; e a despensa, com a inflação de alimentos, que gerou um debate sobre a possibilidade de mudança nas regras sobre validade de produtos – também descartada pelo governo federal após repercussões ruins nas redes sociais.
Os estragos ficaram registrados na mais recente pesquisa de popularidade de Lula, divulgada nesta segunda-feira (27). De acordo com o levantamento Genial/Quaest, a desaprovação a Lula em janeiro ficou em 49%, superando pela primeira vez neste terceiro mandato a aprovação do presidente, que caiu cinco pontos percentuais em relação a dezembro e chegou a 47% (veja abaixo a metodologia).
A mesma pesquisa mostrou que houve queda de popularidade no Nordeste e entre pessoas com renda de até dois salários mínimos, o que sugere que Lula está perdendo apoio entre grupos que formam sua base de eleitores. O resultado negativo está sendo associado, principalmente, à crise sobre o monitoramento do pix e à inflação de alimentos.
Além disso, o governo enfrenta o desafio de evitar que o pedido de impeachment contra o presidente Lula, protocolado pela oposição, ganhe tração no debate público, como ocorreu em crises anteriores.
Em 17 de janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou irregularidades fiscais no programa Pé-de-Meia, que beneficia 3,9 milhões de estudantes de baixa renda matriculados no ensino médio público. O autor do pedido, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), acusa o presidente de ter cometido uma "pedalada fiscal" ao implementar o programa sem a devida previsão na Lei Orçamentária Anual (LOA).
O novo chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, foi visto como uma promessa de modernizar a imagem da gestão Lula frente ao sucesso inquestionável da oposição nas redes. Apesar de ser um experiente profissional de marketing – sendo responsável pela campanha de Lula em 2022 –, Sidônio não poderia esperar que a primeira crise do ano fosse causada e agravada pelo próprio governo.
Buscando reforçar a comunicação após o episódio envolvendo o Fisco, Lula escalou membros da equipe do prefeito João Campos (PSB), do Recife, numa tentativa de repaginar a forma como o governo é visto pela população. As mudanças feitas pela nova secretária de Estratégia e Redes (Seres), Mariah Queiroz, já são vistas nas redes: cortes rápidos e linguagem informal, muito usada pelo chefe do Executivo recifense.
A dúvida que resta é saber o quanto disso poderá melhorar o desempenho do governo e do próprio presidente daqui em diante. Para o cientista político Jorge Mizael, os recuos constantes nas decisões tomadas pelo governo Lula têm causado impacto na confiança de sua base eleitoral e dos aliados políticos.
“Para grande parte dos eleitores que depositaram esperança em um terceiro mandato capaz de oferecer estabilidade e progresso, essas mudanças de rumo são interpretadas como sinais de fragilidade e falta de diálogo interno", disse o cientista político, ao se referir aos recuos do governo no caso do monitoramento do pix. "A base parlamentar, por sua vez, tem demonstrado desconfiança, especialmente em setores que esperam maior coordenação e firmeza nas ações do Executivo”, continuou.
Inflação e o bolso do cidadão mostram que a realidade supera a narrativa
Com a inflação sobre alimentos fechando em 8,23% no último ano e a carne liderando o aumento de preços com 20,84%, a realidade econômica se impõe sobre qualquer tentativa de narrativa. Para o cientista político Felipe Rodrigues, "nenhuma estratégia de comunicação é capaz de alterar a percepção que o cidadão tem da realidade econômica no dia a dia".
Ele explica que experiências como encontrar preços altos no supermercado ou perceber a perda do poder de compra são vivências diretas que não podem ser ignoradas. "Quando o brasileiro percebe que seu salário está comprando menos, essa é uma experiência concreta que nenhuma narrativa consegue modificar", avalia Rodrigues.
Além disso, o especialista aponta que as redes sociais amplificam essas percepções. "Qualquer tentativa de apresentar uma realidade diferente da vivida pela população é rapidamente contestada pelo compartilhamento de experiências reais", destaca. Apesar das estratégias de marketing tentarem explicar ou ressignificar os problemas, Rodrigues é categórico: "Não há estratégia de comunicação que supere a realidade do bolso do cidadão".
Mesmo com previsões otimistas do IBGE de que a inflação dos alimentos não deva repetir os índices do ano passado, o mercado projeta que os preços continuarão pressionando o orçamento das famílias acima da média geral do IPCA. Isso, segundo Rodrigues, reforça que "a credibilidade de qualquer governo depende de avanços concretos, não apenas da narrativa".
Estratégias locais enfrentam limites no cenário nacional
Na avaliação do cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, embora a equipe de João Campos traga promessas de inovação para o Palácio do Planalto, as limitações do cenário federal colocam em xeque a eficácia de estratégias que funcionaram em uma gestão municipal bem avaliada.
"O apoio da equipe de João Campos pode trazer novas estratégias e abordagens para o Palácio do Planalto, mas há limitações claras quando a questão central é a falta de confiança da população", destaca.
Para Arruda, o sucesso em nível municipal está relacionado ao impacto direto das ações na vida cotidiana, como "melhorias em infraestrutura e serviços básicos". No entanto, ele alerta que, no âmbito federal, os desafios são mais complexos e dependem de fatores externos, como a economia global. "As políticas são mais difíceis de tangibilizar no curto prazo", observa.
Além disso, o especialista enfatiza que a comunicação eficaz não substitui a necessidade de resolver questões estruturais. "Sem avanços palpáveis, como controle da inflação e melhora nos serviços públicos, a narrativa comunicada pode parecer desconectada da realidade", explica. Ele conclui destacando que estratégias que funcionam em uma cidade podem perder eficácia em uma esfera nacional, devido à diversidade de públicos e prioridades.
Excesso de ministérios complica comunicação de Lula
Para o cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, a estrutura inchada do governo federal dificulta a criação de uma narrativa coesa e eficiente. "Marketing ajuda, mas precisa estar bem articulado. E como fazer isso com um presidente errático e uma equipe gigantesca? São 39 ministérios, todos loteados, sem unificação em termos de política econômica ou de comunicação", aponta o professor.
Cerqueira também explica que cada ministério atua com interesses próprios, competindo por recursos, o que gera pressões sobre o teto de gastos e dificulta a gestão. "Lula não é um bom gestor político em tempos de crise econômica. Ele depende de abundância para manter seu estilo de governar, com recursos distribuídos a uma infinidade de setores e atores políticos", analisa.
Além disso, ele ressalta que o contexto das redes sociais intensifica os desafios. "No passado, quando a comunicação era concentrada em poucos grandes meios, era mais fácil articular a mensagem. Hoje, com redes sociais fragmentadas e reativas, fica fácil para a oposição apontar os tropeços, enquanto o governo enfrenta dificuldades para responder de forma eficaz", conclui.
Lula e PT buscam se reformular, mas enfrentam comunicação arcaica
Em reunião plenária realizada na última quinta-feira (23), dirigentes do Partido dos Trabalhadores admitiram a superioridade da direita no uso estratégico das redes sociais. O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) sugeriu a criação de uma rede integrada de comunicação para alinhar discursos entre parlamentares governistas.
“Estamos construindo, junto com a direção do partido, uma ideia de rede que una deputados federais, senadores, deputados estaduais e vereadores de todo o Brasil. Em momentos de crise, precisamos centralizar e passar uma mensagem única”, declarou.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o desafio do governo vai além da centralização proposta por Lindbergh. "O problema não é apenas de comando ou de gestão da estrutura comunicacional, mas de forma, conteúdo e mensagem. Saber o que comunicar e como comunicar é essencial", afirma.
Gomes argumenta que o governo enfrenta dificuldades em assimilar o novo paradigma comunicacional, já dominado por líderes como Barack Obama, Marine Le Pen e Jair Bolsonaro. "Esses atores políticos, tanto da esquerda quanto da direita, já entenderam que a comunicação é parte integral do governo. No entanto, o lulopetismo, com suas características centralizadoras, está tendo muita dificuldade para se adaptar", avalia.
Mesmo com a chegada de Sidônio para liderar a comunicação, o especialista aponta que as mudanças não surtiram o efeito esperado. "Sidônio já teve mais reuniões com o presidente do que outros ministros, mas isso não tem se traduzido em uma reconexão efetiva com as massas", conclui.
Metodologia da pesquisa citada
A pesquisa Genial/Quaest ouviu 4,5 mil pessoas entre os dias 23 e 26 de janeiro. A margem de erro é de 1 ponto percentual, com grau de confiança de 95%.