Recorrendo a uma prática símbolo de seu terceiro mandato, a de transferir responsabilidades por fracassos a adversários políticos, a exemplo da disputa com o Banco Central (BC) pela redução das taxas de juros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também abordou com polarização ideológica a devastação histórica de florestas e pastos pelo fogo. O alvo é, de novo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ao tratar o tema como conspiração da direita e do agronegócio, setor que associou a Bolsonaro, Lula reforçou falas de aliados à esquerda e ainda tentou desviar de cobranças internas e internacionais por medidas eficazes contra os incêndios. Em reunião com os chefes de poderes na terça-feira (17), politizou a crise, sugerindo “interesses políticos” e "oportunismo de setores tentando criar confusão".
O chefe do Executivo, que fará pronunciamento na próxima terça-feira (24) na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), com destaque para a crise climática, tentou ainda se mostrar alinhado às demandas da União Europeia (UE) na questão ambiental, avisando que pretende propor leis para restringir o uso de defensivos agrícolas, intensificando seu próprio conflito com o agronegócio. Ele também insinuou risco de sabotagem à conferência climática da ONU, a COP30, de 2025, em Belém.
A Lei Antidesmatamento da UE visa proibir a importação de produtos de áreas desmatadas desde 2020. A medida pode impactar 31,8% das exportações brasileiras para a Europa, com perdas estimadas em US$ 14,7 bilhões, segundo o Ministério da Agricultura. Apesar de o Brasil argumentar que a lei prejudica países que preservam florestas, as atuais queimadas na maior parte do território nacional enfraquecem a narrativa.
Alta dos juros ainda é criticada pelo governo e PT, apesar de tentativa de blindar indicado para o BC
Depois de ressaltar no mês passado que reduzir o patamar dos juros no Brasil “é uma briga eterna”, dentro da série de duras críticas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, Lula tenta blindar seu indicado para suceder o chefe da autarquia, Gabriel Galípolo. Desta vez, a alta na taxa básica de juros anunciada nesta quarta-feira (18) pelo Comitê de Política Monetária (Copom), para 10,75% ao ano, foi tratada de forma genérica, sem individualizar atitudes.
O Palácio do Planalto considera a perspectiva de um ciclo de alta dos juros ao menos até o fim do ano ou início de 2025. Apesar disso, parlamentares do PT continuaram reclamando da decisão da autoridade monetária.
"No dia em que EUA cortam 0,5 ponto nos juros, tendência mundial, BC do Brasil sobe taxa para 10,75%. Além de prejudicar a economia, vai custar mais R$ 15 bi na dívida pública. Dinheiro que sai de educação, saúde, meio ambiente para os cofres da Faria Lima. Não temos inflação que justifique isso!", afirmou a deputada e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR).
O partido também segue emitindo críticas duras e diretas à atuação do BC, personalizada na figura de Campos Neto. Em nota em seu site, a legenda culpou o presidente do BC pela decisão.
"Felizmente, esse sequestro tem data para acabar: em dezembro, termina o mandato de Campos Neto. Resta esperar que o próximo presidente do BC conduza uma política econômica que beneficie verdadeiramente o Brasil e impulsione seu crescimento", diz a nota do PT.
Ex-ministra defende o agronegócio de insinuações de Lula em razão de ideologia
À Rádio Bandeirantes na quarta-feira (18), a senadora Tereza Cristina (PP-MS) rebateu críticas de Lula ao agronegócio, dizendo que o governo “chegou atrasado, quase junto com as chuvas”, buscando culpados para encobrir sua incompetência. “Todos sabiam que a seca viria. O governo falhou”, pontuou.
Para a senadora, mais do que reuniões e pacotes de leis, catástrofes como incêndios e inundações, exigem mais verbas, infraestrutura, campanhas de conscientização e articulação com estados e municípios. “Passada a atual onda de queimadas, receio que o planejamento será de novo abandonado”.
Segundo ela, Lula tem de parar de tratar os incêndios com ideologia, como fez nas cheias gaúchas. “O presidente disse no exterior que o meio ambiente não podia ser negligenciado e agora toma o próprio veneno”, disse, acrescentando ser absurdo vilanizar o produtor rural, quando ele é a maior vítima.
A senadora afirma que, ao criticar o agronegócio, o presidente age contra o Brasil. “É burrice atacar o setor que faz a diferença no mundo e produz de forma sustentável”, sublinhou. “A própria ministra Marina Silva disse que apenas 2% dos produtores rurais cometem crimes ambientais”.
Na quarta-feira (18), a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) criticou Lula por usar as queimadas para elevar a tensão política no país. Da tribuna, ela condenou a insinuação do presidente de que os bombeiros do Distrito Federal eram relapsos ao combater chamas no Parque Nacional de Brasília.
Senadora rebate acusação de Lula de leniência de bombeiros nas queimadas
Damares apontou na fala de Lula novo gesto de perseguição às autoridades distritais, a exemplo da “acusação injusta contra a Polícia Militar” após os eventos de 8 de Janeiro. Ela sugeriu que ele focasse no ICMBio, Ibama e Forças Armadas, em vez de culpar a direita e o agronegócio pela catástrofe.
Desde agosto, parlamentares do PT na Câmara acusaram a direita de estar por trás das queimadas. A presidenta nacional da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chegou a acusar o recorde de episódios em São Paulo a “interesses políticos visando desgastar o governo do presidente Lula”.
Entidades do agronegócio paulista divulgaram na terça-feira (17) notas de repúdio às acusações de Lula e membros do governo que associam o setor às causas dos incêndios. Elas criticaram a “incompetência do governo em lidar com as queimadas” e a tentativa de “transferir responsabilidades”.
As notas criticam Marina Silva por criar a narrativa de “terrorismo climático” sem provas e Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por “culpar injustamente” produtores de cana pelos destruição de lavouras e pastagens.
Parceria com STF ajuda Lula a manter ideologia em torno do gasto público
O cientista político e consultor eleitoral Paulo Kramer afirma que, além do discurso ideológico contra o agronegócio e a direita, Lula se aproveita da sua parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar ocultar dos agentes financeiros a intenção eleitoreira de acelerar os gastos públicos.
Ele lembra que, em razão da urgência em combater incêndios que devastam o país, o presidente não precisaria da autorização do ministro Flávio Dino, do STF, para o Congresso liberar R$ 514 milhões em crédito suplementar. “Mas ele já recorre à Corte mesmo quando não é necessário”, observou.
“O arcabouço fiscal impõe limites que Lula e os seus aliados não aceitam, levando o presidente então a buscar meios de superá-los. No caso do combate às chamas no campo, ele ainda visa transferir a responsabilidade pelos gastos fora das regras fiscais às decisões monocráticas de Dino”, disse.
O cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria I3P, afirma que o Judiciário consagrou a tomada de decisões no lugar do Executivo sem aval do Legislativo. Nesse modelo, liminares dos ministros do STF servem como medidas provisórias no passado, criando perturbadores fatos consumados.
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