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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.| Foto: Gustavo Moreno / STF

"Designo para a condução do feito o eminente ministro Alexandre de Moraes, que poderá requerer à presidência da Corte a estrutura material e de pessoal que entender necessária."

Com essas palavras do dia 14 de março de 2019, quando abriu o inquérito das fake news, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, entregou as chaves da censura no Brasil a Alexandre de Moraes. O ministro tem usado esse poder com cada vez menos parcimônia.

Nos últimos tempos, diante da inércia ou conivência de membros dos outros Poderes e dos demais ministros do Supremo, Moraes tem adotado uma linha de magistratura "freestyle": decide o que quer, como quer e quando quer, sem se importar em preservar ao menos a aparência de embasamento legal dos seus atos.

O jurista Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), vê "um ambiente em que as decisões judiciais não parecem mais precisar de qualquer respaldo em leis ou na Constituição, pois o arbítrio foi normalizado".

Decisões recentes - como ordenar à Polícia Federal (PF) o monitoramento de usuários do X ou impor multas a empresas sem relação direta com os fatos investigados - colocam em evidência o império do arbítrio.

Na semana passada, Moraes determinou que a PF deverá coibir "casos extremados" do uso da plataforma, multando-os com o valor arbitrário de R$ 50 mil. Em nenhum momento o ministro se importou em definir o que caracterizaria um "caso extremado".

O ministro também não se deu o trabalho de explicar qual foi a base legal para o confisco R$ 11 milhões das contas da Starlink, que não é propriedade exclusiva de seu inimigo pessoal Elon Musk, dono do X, mas pertence a um grupo de associados.

As arbitrariedades recentes vêm acompanhadas de um histórico de decisões sem respaldo legal no âmbito de inquéritos que são abusivos em sua própria essência.

Alguns atos de 2024, como a própria suspensão do X por liminar (posteriormente respaldada pela turma do ministro), a prisão cautelar de seis meses sem justificativa de Filipe Martins e os reiterados episódios de censura prévia ordenada pelo ministro mostram como Moraes alcançou um status de figura pública acima da lei no Brasil.

Uma característica da abordagem "freestyle" de Moraes é que, em algumas das sanções que aplica a investigados, ele não se preocupa nem sequer em especificar a lei que está sendo infringida, como é imprescindível nesses casos.

Em 2023, por exemplo, ao determinar a censura ao Telegram por uma mensagem publicada na plataforma contra o PL das Fake News, o ministro falou em condutas ilícitas, sem apontar o dispositivo legal que estava sendo violado.

Outro elemento que caracteriza o arbítrio é, em alguns casos, a impossibilidade de cumprimento da decisão. Ao proibir o uso de VPNs para acessar o X, por exemplo, Moraes ignorou a necessidade de intimação dos alvos da decisão – que, no caso, como apontou editorial da Gazeta do Povo, seriam todos os brasileiros.

No caso das VPNs, aliás, Moraes revelou o espírito de improviso que caracteriza boa parte de suas decisões "freestyle": pediu que Apple e Google removessem aplicativos de VPN de suas lojas de apps. Depois, diante da consternação até mesmo de formadores de opinião de esquerda, teve que emitir outra decisão e voltou atrás nesse ponto.

Omissão do Senado, politização da Justiça e características da Constituição favorecem a posição de Moraes, dizem juristas

A omissão do Senado, a politização da Justiça e algumas características da nossa Constituição, para juristas consultados pela Gazeta do Povo, são fatores que favorecem as arbitrariedades de Moraes.

O Senado inerte é uma causa imediata dos abusos. O jurista Fabrício Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), lembra que "se o Senado se omite, sejam lá quais forem as razões, as extrapolações do Judiciário ficam sem controle."

Ele também cita "a politização da Justiça" e a normalização do arbítrio. "Muitos segmentos sociais ligados ao meio jurídico e a própria mídia acabaram normalizando ações sem amparo legal porque elas atingiam o espectro político-ideológico ao qual faziam oposição. Sabiam que era ilegal e inconstitucional, mas, como o alvo lhes era conveniente, silenciaram. Isso contribuiu decisivamente para o aumento das ações sem amparo jurídico, elevando-as a um patamar de difícil reversão", afirma.

Para a consultora jurídica Katia Magalhães, a falta de limites de Moraes é "consequência nociva da promiscuidade entre os universos político e jurídico, o que tornou o ambiente judiciário praticamente um espaço destinado à satisfação de interesses pessoais de caciques políticos".

A promiscuidade, segundo ela, é favorecida especialmente pelo chamado "quinto constitucional", um dispositivo da Constituição que prevê reservar um quinto das vagas nos tribunais brasileiros a advogados indicados em listas da OAB e nomeados por governadores ou pelo presidente da República.

Outro ponto nocivo da Constituição, segundo ela, é a codependência entre os poderes Legislativo e Judiciário.

"Por um lado, a Constituição prevê um extenso rol de pessoas investidas de foro privilegiado, colocando a apreciação de condutas de parlamentares inteiramente nas mãos dos ministros do Supremo. Por outro lado, segundo essa mesma Constituição, a única instituição investida de poderes para o julgamento de crimes de responsabilidade por togados supremos é o Senado. Assim sendo, à luz do atual sistema, qual o grau de independência dos senadores para apreciarem processos ensejados por desmandos de membros do STF?", questiona ela.

Além disso, diz ela, não há bons mecanismos para que membros da sociedade civil atuem contra as arbitrariedades, e o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que deveria servir como órgão fiscalizador dos juízes, cai no corporativismo e não exerce essa função.

Na prática, afirma a jurista, há "inviabilidade de controle efetivo dos abusos judiciais". "Diante da falta de rédeas institucionais, juízes do Supremo, investidos de uma gama tão ampla de poderes, tendem ao arbítrio".

A Constituição brasileira, segundo ela, é "autofágica", por ter gatilhos que, "ao serem acionados por temperamentos autoritários, aniquilam a própria democracia". "A ordem constitucional fundadora da Nova República faliu, e teria de ser substituída por um novo consenso político e social de maior descentralização e controle dos poderes, e de empoderamento efetivo para o cidadão", diz.

Rebelo também critica a estrutura constitucional dos Poderes, que "acaba por colocar o Judiciário um degrau acima dos demais, ao estabelecer que nenhum tema pode ser proibido de análise por ele, o que inclui os atos do Executivo e do Legislativo". "Com isso, criou-se um mecanismo no qual a palavra final sobre qualquer assunto é do Judiciário, e se ele próprio não delimitar sua atuação àquilo que seria sua função Constitucional, acabará avançando sobre atribuições que não são suas", comenta.

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