A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro tentou, por duas vezes, que o Tribunal Superior Eleitoral investigasse líderes de seis movimentos de rua que participaram dos atos de apoio a seu governo nas celebrações de 7 de setembro do ano passado. A iniciativa foi tomada dentro de três ações no TSE que podem condená-lo por abuso de poder político e econômico nos comícios realizados em Brasília e no Rio de Janeiro no Dia da Independência.
As ações acusam Bolsonaro de usar recursos públicos e estrutura do governo para promover sua candidatura à reeleição. Caso condenado, ele poderá ser novamente declarado inelegível e obrigado a ressarcir o erário, caso fique provado que dinheiro público foi usado nos atos de campanha – em tese, a mesma pena também poderia ser aplicada aos responsáveis pelos movimentos cívicos que ele tentou, sem sucesso, incluir como investigados nas ações.
Esse pedido foi negado pelo ministro Benedito Gonçalves, relator das ações no TSE. Nas decisões, ele afirmou que isso poderia comprometer a celeridade dos processos, que cresceriam, uma vez que como investigados, os líderes dos movimentos também teriam direito de contestar provas, chamar testemunhas para defendê-los, recorrer das decisões, etc.
O primeiro pedido da defesa de Bolsonaro para incluir os movimentos no caso foi protocolado em setembro, logo após o ajuizamento da ação pelo PDT. Citou que deveriam também integrar o processo, no polo passivo (de acusados) responsáveis por movimentos cívicos “que prestaram apoio material para a realização do evento”. No caso, líderes do Movimento Brasil Verde e Amarelo, Brasil Unido pelo Presidente, Manifestação em Defesa da Liberdade e Eleições Transparentes, Ato Público com oração pelo Brasil, Manifestação em Defesa da Democracia e Liberdade e Ato Público 7 de Setembro 2022.
Alegou “incindibilidade da relação jurídica” dos movimentos com os comícios realizados na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Atlântica, em frente à praia de Copacabana, no Rio, no 7 de Setembro.
Para rebater as acusações do PDT, também feitas em ações semelhantes pelo PT e pela senadora e ex-candidata à Presidência Soraya Thronicke (União-MS), a defesa de Bolsonaro disse que ficou claro, no dia, que houve uma separação entre a participação dele no Desfile Militar da Independência e, depois, sua participação nos atos de campanha eleitoral.
Durante o desfile, os advogados afirmaram que Bolsonaro cumpria papel de chefe de Estado e não proferiu discursos políticos ou eleitorais. “Se milhares de pessoas ficaram postadas na Esplanada para ouvirem o que Bolsonaro tinha a dizer, outros milhares de espectadores foram embora após o encerramento formal do desfile”, ressaltaram. “Tão logo encerrado o desfile cívico-militar realizado em Brasília, o púlpito de honra foi desconstituído, as autoridades e convidados deixaram o local, as arquibancadas foram esvaziadas e os telões voltados para o gramado foram desligados”, afirmaram ainda, em defesa do ex-presidente.
Na ação, o PDT rechaçou o pedido de inclusão dos movimentos, argumentando que eventuais punições não poderiam ser aplicadas a pessoas jurídicas, caso eles estivessem formalizados em associações, e também porque os advogados de Bolsonaro não apontaram nomes de pessoas ligadas aos movimentos que estariam na organização dos atos.
Em julho deste ano, Benedito Gonçalves rejeitou o pedido. Alegou que não seria necessário que todos os responsáveis pelos movimentos estivessem na ação para apurar eventual abuso político e econômico. “Incabível cogitar que a viabilidade da Aije [ação de investigação judicial eleitoral] fique a depender da citação de todos que possam ter contribuído para a conduta ilícita”, escreveu o ministro. O comando do art. 22, XIV, da LC 64/90 [Código Eleitoral], acolhe a possibilidade de que sejam declarados inelegíveis todos os responsáveis pelo abuso que figurem no polo passivo, mas, de modo algum, sugere que a ação só possa prosseguir com a inclusão de todos os potenciais agentes da conduta ilícita”.
Argumentou ainda que a defesa de Bolsonaro sequer identificou nominalmente quem seriam os organizadores, “o que denota o pouco interesse em que efetivamente viessem a ser integrados ao polo passivo”. Ele ainda sugeriu que o pedido visaria a “inviabilizar a apuração de condutas ilícitas”.
No mês passado, a defesa de Bolsonaro insistiu no pedido de inclusão dos movimentos. Indicou que eles poderiam atestar que não houve um desvio de finalidade nas celebrações oficiais da Independência para promover a candidatura à reeleição. Depois, disse que não cabia aos autores da ação – PDT, PT e Soraya – escolherem quem deveria ser acusado e quem não deveria ser punido ou investigado. “Está-se diante, em verdade, de atentado contra o princípio da isonomia (art. 5º, I, CF/88), uma vez que os diversos líderes dos movimentos políticos, por um homólogo envolvimento no evento, estariam sujeitos a receber tutelas jurídicas distintas, por força de simples predileção dos autores”, escreveu o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho.
“Não há como se defender a faculdade de o autor imputar, dentro de um coletivo de envolvidos, a conduta apenas aos indivíduos que lhe forem convenientes! Não sem uniformidade jurídica!”, afirmou ainda o advogado.
Ele ainda apresentou como exemplo o caso hipotético de uma tentativa de homicídio na qual tenham atuado quatro autores. “É factível que o Ministério Público escolha, ao seu alvedrio, denunciar apenas três deles, para catalisar a celeridade do processo, em face de dificuldades para localizar o autor faltante? Por óbvio que não!”, argumentou.
Em seguida, reforçou o pedido para incluir na investigação “todos os responsáveis pelos movimentos cívicos que tiveram participação ativa no evento, sob eventual risco de punir diversamente condutas rigorosamente semelhantes”.
Dias depois, Benedito Gonçalves rejeitou novamente o pedido, repetindo que a inclusão deles não era necessária. Citou jurisprudência do TSE segundo a qual em caso de abuso de poder econômico, isso seria facultativo. Acrescentou que um novo recurso contra a decisão deverá ser analisada pelos demais seis ministros da Corte.
Dentro do TSE, o pedido da defesa de Bolsonaro é vista como tentativa de alongar a duração do processo. Isso porque a atual formação da Corte é hostil ao ex-presidente.
Inelegibilidade
Em junho, por 5 votos a 2, a maioria dos ministros o condenou à inelegibilidade até as eleições de 2030, por causa da reunião que ele fez com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, questionando a segurança e transparência das urnas eletrônicas e a isenção do próprio TSE na condução do processo eleitoral.
Votaram contra a punição os ministros Kassio Nunes Marques, indicado ao Supremo Tribunal Federal por Bolsonaro; e Raul Araújo, ministro do STJ considerado aliado do ex-presidente.
Em novembro, Araújo assumirá a função de relator do processo, porque se tornará corregedor-eleitoral no lugar de Benedito Gonçalves. Por isso, um prolongamento do processo seria interessante para Bolsonaro na tentativa de obter um voto eventualmente favorável do relator.
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