Os seis primeiros meses do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se revelaram um atoleiro político. Mesmo após distribuir R$ 5,3 bilhões em emendas para deputados, o governo sofreu derrotas e tem na Câmara o principal entrave para seus projetos estratégicos. Lula também tratou empresários do agronegócio como "fascistas", desapontou os evangélicos e desgastou a imagem do Brasil no Ocidente ao apoiar a Rússia e relativizar a invasão da Ucrânia.
Principal gargalo de Lula, a relação com a Câmara foi alvo de diversos atritos nesses seis primeiros meses de governo. Sem apoio da maioria dos deputados, o Executivo se viu derrotado em diversas matérias, como a derrubada do decreto do marco do saneamento e a retirada de pauta do Projeto de Lei das Fake News, por exemplo.
Além disso, Lula se viu obrigado a ampliar as liberações de emendas parlamentares para que a Medida Provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios não perdesse a validade.
O líder da oposição na Câmara, deputado Carlos Jordy (PL-RJ) afirma que Lula não tem base no governo para aprovar projetos. Segundo ele, apenas 136 parlamentares se mantêm fiéis ao presidente, e por isso ele “busca a todo momento comprar apoio, votos, numa reedição do Mensalão através do orçamento secreto”.
Na avaliação de Jordy, Lula governou por meio de Medidas Provisórias e decretos, e os projetos seriam muito ruins, em sua opinião. “Mesmo assim, ele [governo] tem dificuldade de aprovar, porque não tem articulação política”.
O governo reconhece a dificuldade, mas diz que o cenário será revertido no próximo semestre.
"Eu vivi o maior drama como articulador político do governo com a medida provisória da reestruturação dos ministérios. Parecia que o teto do plenário [da Câmara] Ulysses Guimarães ia cair sobre a nossa cabeça, porque foi grave. Houve uma tensão de grandes proporções. Imagina se essa medida provisória não tivesse sido aprovada? O caos que estaria que estaria o governo", disse o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), foi o responsável pelos principais recados ao presidente Lula de que o governo poderia sofrer ainda mais derrotas na Casa diante do perfil mais conservador e liberal dos deputados. Após os embates, Lula resolveu entrar na articulação política do governo e ampliar o espaço para deputados do centrão no intuito de consolidar uma base de apoio.
Nessa estratégia, além de rifar a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, para abrigar o deputado Celso Sabino (União-PA), no intuito de ampliar o apoio dentro do União Brasil, Lula pretende se reunir quinzenalmente com os líderes do Congresso. De acordo com o líder do governo, até o fim do ano, a administração petista vai ter uma relação “azeitada” com a Câmara.
“O ministro [Alexandre] Padilha [das Relações Institucionais] é quem tem a responsabilidade de comandar articulação pública do governo nas duas Casas. Mas é bom o presidente estar próximo dos líderes. Enfim, eu acho que é uma mudança muito substantiva o que aconteceu nesse semestre. Nós queremos aprimorar na relação do Executivo com a Câmara”, afirmou Guimarães.
Nova configuração de blocos partidários deve impedir Lula de impor sua agenda pessoal
O fato do Congresso estar dividido é outra barreira para o petista, segundo o cientista político Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto. Segundo ele, isso ficou claro logo no início do primeiro semestre, com a formação dos blocos partidários na Câmara.
Cerqueira diz que os blocos são fruto de uma reestruturação partidária que está em curso desde a eleição de Bolsonaro, e que ficou mais evidente na composição do novo Congresso.
“Partidos que até então eram muito fortes e formavam a agenda no Congresso, como PSDB, MDB e até o PT perderam força, perderam composição de bancada majoritária; e aqueles outros partidos pequenos, medianos, que formavam bloco de apoio ao governo de plantão - que a gente tem chamado de Centrão – muitos desses parlamentares agora fazem parte de partidos fortes, que definem a agenda do Congresso, como Republicanos, PP e PL”, explica.
Na análise de Cerqueira, “PP e PL estão disputando claramente o poder na Câmara. Foi iniciado esse processo de grandes blocos, um deles beneficiando mais o Arthur Lira (PP), e o União Brasil, que é o chamado super bloco, com mais de 170 deputados, e que garante a Lira o poder de articulação política dentro da Câmara dos Deputados”.
O outro bloco, com cerca de 140 deputados, em torno do Republicanos, disputa influência na Câmara; além do PL, com 99 parlamentares.
“Esse cenário, conservador e de direita, explica a dificuldade do Lula de definir a agenda de votações e a agenda temática no Congresso Nacional. Fica claro que o Lula quer usar esse terceiro mandato para impor a sua agenda pessoal, e ele tem um perfil de esquerda. Só que a Câmara já deixou claro que não vai permitir isso, e que tem sua própria agenda”, completa Adriano Cerqueira.
Lula tenta mitigar desgaste após chamar agronegócio de fascista
Outro ponto de crise para Lula nesses seis primeiros meses de governo veio por parte do setor do agronegócio, que majoritariamente apoiou o governo do ex-presidente Bolsonaro. O principal embate ocorreu quando ministros do Executivo ameaçaram cortar o patrocínio do Banco do Brasil à Agrishow, maior feira agrícola da América Latina, o que não ocorreu.
Neste episódio, Lula se referiu aos organizadores da Agrishow como "alguns fascistas, alguns negacionistas". Além disso, a crise com o agronegócio foi ampliada depois que Lula e demais integrantes do governo não só se mantiveram em silêncio diante das invasões de propriedades privadas por parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) como agraciaram suas lideranças com cargos públicos estratégicos.
A crise acabou resultando na instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Câmara dos Deputados.
Para tentar mitigar a resistência do setor ao governo, Lula passou a fazer diversas sinalizações numa estratégia de aproximação. Recentemente, cobrou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) trabalhe para se antecipar às invasões. Além disso, Lula disse que, para reduzir invasões, o governo fará ''prateleira de terras improdutivas'' para assentamentos.
Vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), avaliou positivamente os acenos do petista. "Acho que a declaração do Lula de que não se precisa invadir terras no Brasil e que esse é um governo que trabalha pelo desenvolvimento do agro foram muito importantes. Achei que ambas as declarações foram muito oportunas e um bom sinal para uma boa convivência do setor com o governo", afirmou.
Desaprovação do governo cresceu entre os evangélicos
A aprovação do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em seis meses de governo está estagnada na margem de votos válidos recebidos na eleição de 2022, de acordo com dados da pesquisa PoderData divulgada nesta quinta (29).
O levantamento aponta que 51% dos brasileiros aprovam o presidente, apenas 0,1% acima da quantidade de votos válidos recebidos no segundo turno da eleição presidencial, de 50,9%.
O descontentamento com Lula é maior no segmento evangélico, onde sua desaprovação começou com 56% em janeiro, subiu para 60% em abril e, agora, está em 62%. Neste grupo, o atual presidente é aprovado por apenas 34% dos eleitores. A pesquisa foi realizada entre os dias 23 e 25 de junho, com 2,5 mil eleitores.
No início de junho, o presidente Lula foi vaiado ao ser citado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, durante a Marcha para Jesus, um dos maiores eventos para o público evangélico do país. O petista foi convidado a comparecer ao evento, mas recusou ao convite.
Ainda durante o governo de transição, foi articulada a criação de uma secretaria para os evangélicos no Planalto, destinada a assessorar Lula no trato com o grupo. O órgão seria chefiado pelo pastor Paulo Marcelo Schallenberger, mas sua criação não ocorreu. Tampouco Lula incluiu lideranças evangélicas no "Conselhão", composto por empresários, sociedade civil e movimentos sociais, inclusive o MST.
Ao apoiar a Rússia, Lula perdeu a chance de ser protagonista no cenário internacional
Em apenas seis meses de mandato, Lula ficou mais de 30 dias no exterior. Nesse período proferiu incontáveis declarações desastradas, que mostraram seu profundo desconhecimento do cenário internacional.
O petista disse equivocadamente que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto a Rússia e que os Estados Unidos e a União Europeia estão prolongando o conflito ao fornecer armas para os ucranianos se defenderem.
Ao não levar em conta que a Rússia é o país agressor e a Ucrânia a nação invadida, Lula prejudicou a imagem do Brasil no Ocidente e diminuiu consideravelmente suas próprias chances de se tornar um protagonista na diplomacia global.
Sua proposta de mediar o conflito da Ucrânia foi desconsiderada pelas potências mundiais. Além disso, na maioria dos países em que esteve, o petista criticou a política ambiental de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Analistas afirmaram que ele poderia exercer protagonismo global na área de defesa do meio ambiente.
Mas Lula não só teve uma passagem apagada como sofreu críticas da própria esquerda ao viajar para a França para debater como países ricos poderiam ajudar nações mais pobres a enfrentar os desafios das mudanças climáticas. O protagonismo que Lula pretendia assumir foi dado a líderes como a premiê de Barbados, Mia Mottley, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa.
O petista aposta agora em recuperar prestígio na área em 2025, quando o Brasil deve sediar a COP 30, a conferência internacional sobre o clima.
Mas a política externa desastrada não criou problemas para Lula apenas no cenário internacional. As estadias em hotéis luxuosos com sua mulher Janja Lula da Silva durante as viagens oficiais e a recepção calorosa feita para o ditador da Venezuela, Nicolas Maduro em junho prejudicaram a imagem do presidente internamente.
Resta agora a Lula tentar reverter os erros do início de governo ou se conformar com um isolamento cada vez maior que pode estender o atual atoleiro político até 2026.
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