Desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu o governo, uma série de exonerações de nomes ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está sendo feita. Mas a "desbolsonarização" da gestão federal tem provocado paralisia e lentidão em alguns setores do governo por falta de servidores para tocar o dia a dia do serviço público. A isso se soma a existência de um filtro ideológico principalmente contra antigos apoiadores da Lava Jato que vem atrasando a reposição dessas demissões com novas contratações para cargos de chefia e assessoramento.
Já há relatos de efeitos da "desbolsonarização" e do filtro ideológico na segurança pessoal de Lula, no pagamento de um novo benefício do Bolsa Família, na organização do plano nacional de vacinação e no enfrentamento das ameaças de derrubada de torres de transmissão de energia.
O caso da segurança pessoal de Lula envolve uma desconfiança dele próprio em relação aos militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência – órgão com status de ministério responsável pela guarda do presidente e dos palácios presidenciais. Lula ainda está morando em um hotel de Brasília e não no Palácio da Alvorada. E sua segurança vem sendo feita pela Polícia Federal (PF).
A estrutura de pessoal do GSI no governo do PT nem mesmo está definida justamente pela dificuldade de Lula encontrar militares de sua confiança. Desde os atos de vandalismo em Brasília, no dia 8 de janeiro, aumentou a desconfiança do petista em relação às Forças Armadas – que, para ele, estão contaminadas pela influência de Bolsonaro.
"Nós estamos num momento de fazer uma triagem profunda, porque a verdade é que o Palácio [do Planalto] estava repleto de bolsonaristas e de militares", afirmou Lula após os atos de vandalismo. Como resultado dessa desconfiança, na terça (17) e nesta quarta-feira (18) foram exonerados um total de 56 militares do GSI e integrantes das Forças Armadas que eram responsáveis pelo Palácio da Alvorada e de outras residências oficiais da Presidência, como a Granja do Torto.
Novo benefício do Bolsa Família é afetado pela desbolsonarização
A "desbolsonarização" do governo também têm afetado outros setores do governo e paralisado alguns ministérios. Na primeira semana de governo, a Casa Civil editou uma portaria em que exonerou 1.204 servidores que desempenhavam funções de confiança na gestão Bolsonaro.
À época, a pasta comandada por Rui Costa indicou que "os cargos mais técnicos estavam sendo preservados neste primeiro momento, para evitar que a oferta de serviços seja impactada e gere uma paralisia nos órgãos". "Estamos tirando pessoas que não são adequadas para o papel. Todos serão substituídos", disse Costa.
Apesar disso, as demissões já causam impacto no trabalho de alguns setores do governo. É o caso do Ministério do Desenvolvimento Social, responsável por programas sociais do governo federal. Reservadamente, servidores da pasta dizem que, passadas mais de duas semanas desde que Lula assumiu, ainda não houve uma reorganização das funções e o ministério não definiu qual será a sua estrutura.
Ouvidos pela Gazeta do Povo, funcionários comissionados da antiga gestão argumentam que "estão no escuro" sobre a manutenção ou não na pasta comandada por Wellington Dias. O apagão tem impactado, inclusive, no trabalho para garantir o cumprimento de uma importante promessa de campanha de Lula: o pagamento do adicional de R$ 150 do Bolsa Família para cada criança de até seis anos que houver em cada família beneficiária do programa. Ao assumir o ministério, Wellington Dias indicou que o adicional só deve ser pago no segundo trimestre.
Filtro ideológico contra a Lava Jato afeta programa de vacinação
Além do veto aos nomes ligados ao ex-presidente Bolsonaro, aliados de Lula também estão fazendo um filtro para vetar a contratação de pessoas que defenderam a Operação Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e a prisão de Lula.
A servidora Ana Goretti, por exemplo, teve seu nome vetado para a diretoria do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, chegou a anunciar a nomeação de Ana Goretti em 2 de janeiro. "No caso do PNI [Programa Nacional de Imunizações] eu já vou antecipar que é a Ana Goretti, que trabalha há muitos anos no programa", disse na ocasião.
Apesar da indicação de Nísia Trindade, integrantes do governo Lula vetaram a indicação de Ana Goretti por causa de manifestações anteriores dela a favor da Lava Jato. Para o posto, foi escolhido Eder Gatti, que trabalhava no Hospital Emílio Ribas, no Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac e no Instituto Butantan.
O Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis é responsável pelo programa de imunização, que é visto pelo governo federal como estratégico para ampliar a cobertura vacinal no Brasil – uma área em que Lula criticou Bolsonaro de forma muito dura na campanha eleitoral. Com o atraso na indicação para a diretoria do setor, a ministra disse nesta semana que a campanha de vacinação deve ter início apenas em fevereiro.
Desbolsonarização afetou atuação contra vandalismo em torres de energia
As exonerações feitas pelo governo Lula também tiveram impactos na atuação do Ministério de Minas e Energia. Um desses efeitos foi no enfrentamento dos atos de vandalismo em linhas de transmissão de energia. Diante da falta de quadros técnicos, o ministério optou num primeiro momento por transferir a responsabilidade para enfrentar a crise para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No começo do novo governo, o Ministério de Minas e Energia havia demitido pelo menos 50 assessores que ocupavam cargos comissionados no governo anterior. E o ministro Alexandre Silveira ainda não indicou nomes para setores estratégicos da pasta.
Cotado para assumir a secretaria-executiva do ministério, Bruno Eustáquio enfrenta resistências por ter atuado no governo de Bolsonaro. Além da secretaria-executiva, Silveira ainda não conseguiu nomear pessoas para as secretarias de Planejamento Energético e a de Energia Elétrica. O apagão também tem afetado as secretarias de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, de Mineração, e a recém-anunciada secretaria de Transição Energética.
Antes da posse, Flávio Dino também enfrentou casos de filtro ideológico
No Ministério da Justiça, ao menos uma indicação para cargo importante foi revertida por causa do filtro ideológico. Ainda antes da posse de Lula, o então futuro ministro Flávio Dino anunciou que o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) seria Edmar Camata. No entanto, petistas reclamaram porque Camata havia feito postagens nas redes sociais defendendo a prisão de Lula na Lava Jato, e apareceu em foto ao lado de Deltan Dallagnol, ex-coordenador da operação.
A escolha foi revertida ainda antes da posse e o novo escolhido para comandar a PRF foi Antônio Fernando Oliveira. Não há informação de que esse vaivém tenha causado algum problema operacional na Polícia Rodoviária.
Outra indicação de Flávio Dino que causou polêmica e acabou não se concretizando foi a do coronel da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) Nivaldo Restivo para chefiar a Secretaria Nacional de Políticas Penais. Também houve críticas da esquerda porque o coronel era tenente do Batalhão de Choque da PM-SP em 1992, durante o caso que ficou conhecido como "massacre da penitenciária Carandiru" – em que 111 presos rebelados foram mortos por policiais. À época, Restivo tinha papel no suprimento do material logístico para tropa. Nesse caso, ao menos oficialmente, a escolha não foi revertida por Dino. Foi o coronel que anunciou que não iria aceitar a indicação.
Governistas minimizam impactos das exonerações
Governistas têm minimizado os impactos das exonerações e avaliam que o governo ainda passa pelo período de adaptações. Eles ainda dizem que o episódio de depredação ao prédio do Palácio do Planalto atrasou a reestruturação da máquina pública.
O próprio Lula comentou recentemente sobre o assunto. "Nós nem ainda terminamos de montar o governo, porque até agora foi indicada pouca gente. Queremos ver se a gente consegue corrigir para colocar funcionários de carreira, de preferência, funcionários civis que estavam aqui e foram afastados, transferidos de departamento, para que isso se transforme num gabinete civil", disse o presidente.
O filtro ideológico e os vetos de opositores na composição de governo, no entanto, não são novidade do governo Lula. Em 2019, o então ministro da Casa Civil do governo de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, prometeu uma “despetização” do Executivo. À época, as demissões também provocaram problemas de gestão.
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