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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino chamou de “constrangedor” o acordo firmado pela Advocacia-Geral da União, comandada por Jorge Messias, com a Eletrobras (atual Axia) sobre o processo de desestatização da companhia. A Corte retomou nesta quinta-feira (4) o julgamento que trata da homologação do acerto. Dino criticou a inclusão de um “jabuti” sobre a Eletronuclear na proposta.
“A mim é muito constrangedor, como brasileiro, que a Advocacia-Geral da União tenha feito este acordo. Constrangedor. Em dois sentidos, primeiro por esse jabuti do tamanho de um elefante. E o outro aspecto é que, desta tribuna, os advogados repetidamente disseram que os trabalhadores não foram ouvidos. E isto não é uma opção política, é uma determinação constitucional”, disse o magistrado.
O “jabuti” citado por Dino trata de mudanças que afetam a Eletronuclear, incluídas no acordo durante a conciliação. O documento determina que a Axia aporte R$ 2,4 bilhões em debêntures na Eletronuclear S.A. O montante será utilizado na modernização e ampliação da usina nuclear de Angra 1. Além disso, a Axia não será mais obrigada a investir na construção de Angra 3.
Em outubro deste ano, a Axia anunciou a venda de 100% de sua participação na Eletronuclear para a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, por R$ 535 milhões. Caso a venda seja aprovada pelo órgão regulador, a Âmbar Energia, do grupo J&F, terá 68% do capital total e 35,3% do capital votante da empresa e assumirá o investimento em Angra 1.
Durante o julgamento, o ministro Nunes Marques, relator do caso, votou pela homologação integral do termo, incluindo as mudanças sobre a Eletronuclear. Os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Dias Toffoli e Gilmar Mendes acompanharam o relator.
O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência, defendendo a validação das mudanças referentes à governança da companhia. Ele apontou que não cabe ao STF avaliar investimentos no setor de energia nuclear. Para o ministro, esses pontos estranhos à proposta original deveriam ser analisados em uma ação ordinária, e não em uma ação de controle concentrado.
Dino critica "fetiche" por validação do Supremo
Dino seguiu o entendimento de Moraes e criticou o “fetiche” pela validação do STF. “Esses litígios seriam de competência do Supremo? Não. Portanto, a convenção das partes, a qual eu respeito, não pode modificar a competência absoluta do Supremo. Assim como não é possível homologar um divórcio consensual na Justiça do Trabalho”, disse.
O ministro disse não ter entendido o motivo de esses pontos terem sido levados ao Supremo. “É quase um fetiche. Só tem validade jurídica se trouxer para o Supremo. Até no momento que nos cobram tanta autocontenção”, ironizou. A ministra Cármen Lúcia e o presidente da Corte, Edson Fachin, também acompanharam a divergência.
Dino e Messias disputaram vaga no STF em 2023
Dino e Messias disputaram a indicação para a vaga aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em 2023. O advogado-geral da União foi preterido, mas apoiou a indicação. “O presidente da República concretizou uma excelente escolha, que haverá de ser acolhida com aplausos pela sociedade brasileira e pelo Senado Federal”, disse o AGU sobre o então colega de Esplanada.
Messias foi indicado ao STF para a vaga do ministro aposentado Luís Roberto Barroso no mês passado. Nesta segunda (1º), Dino afirmou que não pretende se manifestar sobre a indicação por se tratar de um “assunto politicamente controvertido”. Em nota, o ministro disse que “nunca” teve “qualquer controvérsia” com o AGU.
Acordo entre AGU e Eletrobras
Em 2023, o governo Lula (PT) acionou o STF contra um trecho da Lei 14.281/2021, que regulamentou a desestatização da empresa. A União exigia maior representação por ser a acionista majoritária da Eletrobras, com 42,6% das ações ordinárias.
As regras de venda da companhia estabelecem que qualquer acionista tem no máximo 10% do poder de voto nas assembleias. O impasse levou o relator, ministro Nunes Marques, a mandar o caso para a Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal.
O acordo foi concluído e enviado para homologação do STF em abril deste ano. Segundo o documento, a União indicará três dos 10 membros do Conselho de Administração e um dos cinco integrantes do Conselho Fiscal, enquanto mantiver ao menos 20% das ações ordinárias.




