Uma ação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu quatro decisões da Justiça Federal que obrigavam a União a adotar medidas para combater incêndios em Rondônia, Pará e Amazonas, e com isso aliviou a pressão sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na área ambiental. O magistrado argumentou que o objetivo era evitar conflitos entre decisões de instâncias judiciais inferiores e as deliberações do Supremo sobre o mesmo tema.
No caso de Rondônia, por exemplo, a 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária de Rondônia determinou que a União deveria contratar 15 brigadas de combate a incêndios, com 30 brigadistas temporários cada, totalizando 450 brigadistas, com equipamentos de proteção e viaturas para atuar sob a supervisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) no estado. A decisão foi proferida em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão de Dino, no entanto, livrou o governo federal de cumprir essa determinação.
Já nos casos do Amazonas e das duas ações do Pará, as determinações dos juízes foram mais genéricas, prevendo apenas a "implementação de plano emergencial de atendimento às principais áreas sujeitas às queimadas".
Todas as decisões suspensas por Dino haviam sido proferidas em primeira instância durante o mês de setembro. Elas foram paralisadas na semana passada.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a competência em matéria ambiental é complexa. “Não vejo como uma decisão, de caráter local e emergencial, provisória, possa impactar nos casos meramente programáticos e gerais da alçada do STF. Pelo contrário, o juízo federal local está muito mais próximo e com prevalência de interesse para deliberar a matéria”, afirma o advogado especialista em direito ambiental George Humbert.
O consultor ambiental Samuel Souza, ex-diretor de proteção ambiental do Ibama, diz que dentro do próprio governo há distinções a serem feitas. “O Ibama é responsável pelo combate a incêndios em terras da União, como é o caso das áreas indígenas ou daquelas não destinadas. O ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], por sua vez, combate incêndios em unidades de conservação. Já os estados são responsáveis pelo combate no caso de terras particulares, por exemplo”, explicou Souza.
Ao pedir a suspensão das medidas determinadas pela Justiça Federal, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que a reestruturação da política ambiental exige a implementação de ações coordenadas, as quais podem ser prejudicadas por decisões judiciais focadas exclusivamente em questões locais.
A petição apresentada pela AGU sustenta também que o Supremo é a instância adequada para resolver litígios estruturais de grande magnitude, ou seja, aqueles conflitos que ultrapassam os interesses de uma unidade da federação, como no caso do combate às queimadas florestais.
Embora tenha suspendido as decisões, Dino admitiu que as ações civis públicas são “importantes”, e destacou, em especial, a decisão de Rondônia que julgou como “plausível”.
“Essas decisões, por se basearem em uma análise restrita a uma parte do território amazônico, podem não considerar a complexidade do problema que envolve a articulação de onze entes federativos (União e os dez Estados que compõem a Amazônia e o Pantanal) e seus diversos órgãos”, apontou o ministro na decisão.
Os estados que tiveram as ações sobre queimadas suspensas por Dino estão entre os oito com mais focos de incêndios no Brasil neste ano. Pará e Amazonas são o segundo e terceiro no ranking, respectivamente, enquanto Rondônia é o oitavo.
Em Rondônia, queimadas aumentaram 71%
Na ação civil pública de Rondônia, o Ministério Público Federal (MPF) alegou ser visível a “ausência de recursos humanos e logísticos para o enfrentamento das queimadas” no estado. O órgão destacou que recomendou à União a adoção de medidas de combate aos incêndios, mas não obteve resposta.
A procuradoria alegou ainda uma “discriminação no tratamento do governo federal para diferentes regiões do Brasil”, afirmando que houve mobilização federal mais robusta e imediata no interior de São Paulo.
Na decisão, o juiz Dimis da Costa Braga destacou que informações da superintendência do Ibama-RO apontavam que a efetividade no combate às queimadas demandava as contratações apontadas na ação, já que havia apenas 205 agentes brigadistas, distribuídos em 8 bases para atender ao estado Rondônia e à região sul do Amazonas.
Rondônia registrou um aumento de 71% no número de queimadas em 2024, quando comparado a 2023. De 1º de janeiro a 22 de outubro do ano passado, foram 6.093 focos de incêndio e em 2024, no mesmo período, foram registrados 10.435. A capital, Porto Velho, é a oitava cidade com o maior número de focos de queimadas neste ano no Brasil.
Suspensão de ações pode prejudicar combate às queimadas, diz especialista
Para o advogado especialista em direito ambiental Georges Humbert, a decisão do juiz foi “técnica, cautelar e pelo juízo constitucionalmente competente” e a sua suspensão pode trazer prejuízos.
“A demora e a impropriedade de se tratar o tema de forma geral e no STF, vai custar tempo, recursos e conflitos políticos que o meio ambiente não pode ficar à disposição e esperar”, pontuou.
Humbert disse também que a atuação do STF deveria ser excepcional, para controle concentrado de constitucionalidade, “jamais em assuntos locais, emergências e de graves danos ambientais iminentes”.
O especialista aponta ainda que a decisão de Dino pode ser vista como ativismo judicial. “Isto decorre de uma hipertrofia, ativismo e excesso de atuação política do STF, sem paradigmas e precedentes na história do Brasil e das democracias pelo mundo. Perde a Constituição, a tutela ambiental e o povo de Rondônia”, criticou o advogado.
Em sua decisão, o ministro Flávio Dino argumentou que as decisões proferidas na Justiça Federal poderiam gerar conflitos com as determinações do STF.
“Para evitar decisões judiciais conflitantes com as articuladas no acórdão do Plenário desta Corte e nas decisões monocráticas deste relator, bem como para garantir a continuidade dos planos de combate aos incêndios e a reestruturação do Prevfogo, deve ser deferido, neste momento, o pedido liminar, suspendendo ações judiciais, sem contudo extingui-las”, escreveu Dino na sua decisão.
Humbert, porém, acredita que o argumento não é válido. “Não vejo motivo para que haja confronto entre o que está sendo discutido no STF – a política ambiental macro – e o que está sendo discutido pontualmente, em cada uma dessas ações individuais”, destacou.
Na avaliação do especialista, a suspensão proferida por Dino seria cabível caso as determinações das instâncias inferiores fossem dirigidas à política nacional de longo prazo ou medidas permanentes. “Não é caso, pois as decisões suspensas são pontuais, de urgência, provisórias e com prazo certo e determinado”, explicou o advogado.
Por outro lado, o consultor ambiental Samuel Souza salientou que a contratação de brigadistas, por exemplo, precisa ser feita com previsibilidade, já que exige o treinamento dos profissionais.
“Leva meses para contratar e treinar os brigadistas para formar as brigadas que vão combater os incêndios. Isso precisa de um planejamento que o governo precisa fazer com antecipação. Não é da noite para o dia”, pontuou.
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