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A pressão da esquerda para acabar com as Forças Especiais do Exército aumentou depois que a Polícia Federal acusou ao menos quatro militares de usar seu treinamento especial para planejar o assassinato de autoridades. O Exército afirmou na semana passada que vai reformular sua área de Operações Especiais no ano que vem, mas a reportagem apurou que a cúpula militar não pretende acabar com os chamados "kids pretos", nem descaracterizar a unidade.
Na semana passada, o PSOL solicitou ao Ministério da Defesa a extinção de batalhões das Forças Especiais e pediu informações sobre as atividades dessas unidades. O Exército disse que já havia programado para o ano que vem a criação de um grupo de trabalho para reformular as atividades da divisão. Ou seja, essa ação não está relacionada à investigação da PF.
A corporação destacou que a avaliação do grupo de trabalho "não tem motivação específica", pretende aumentar a capacidade das Forças Especiais e atende ao Planejamento Estratégico do Exército 2024-2027.
"Um país que não tem capacidade de Forças Especiais está abrindo mão da soberania, porque, obviamente, basta enxergar o cenário de guerra dos últimos 50 anos. O Exército regular é empregado em combates de alto volume e alto atrito; todas as outras espécies de operações são executadas por policiais e militares de Forças Especiais", declarou o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP).
Os "kids pretos" são militares que integram o Comando de Operações Especiais, sediado em Goiânia (GO). Ele é formado por batalhões de Forças Especiais e de Ações de Comandos e por unidades de operações psicológicas.
Em linhas gerais, os membros das Forças Especiais são os militares habilitados para se infiltrar em regiões inimigas e recrutar colaboradores para ações de guerrilha. Foi o que as forças aliadas fizeram na Segunda Guerra ao entrar na Europa ocupada e organizar movimentos de resistência (partisans). Outro exemplo de Forças Especiais são os "consultores militares" mandados pelos americanos ao Afeganistão para treinar o exército local contra o Talibã. Sua característica é não combater diretamente as forças inimigas, mas por meio de terceiros.
Já os Comandos são militares capazes de usar equipamento e armas de última geração para entrar em território inimigo e agir diretamente, fazendo missões de combate curtas para destruir alvos específicos, como baterias antiaéreas ou portos. As unidades de operações psicológicas trabalham com a guerra híbrida, lidando com informações, propaganda e agências e órgãos civis.
O termo “kids pretos” faz referência ao codinome usado para identificar o comandante da unidade de Forças Especiais que combateu guerrilheiros do Araguaia, mas foi popularizado e passou a designar qualquer militar que já tenha servido no Comando de Operações Especiais.
O que diz a PF sobre os "kids pretos"
Os quatro militares investigados pela Polícia Federal são acusados de terem monitorado o deslocamento ministro do Supremo Alexandre de Moraes e planejado ações para realizar um suposto golpe de Estado. Entre esses atos estariam matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice Geraldo Alckmin e depois lidar com a repercussão pública.
A cúpula do Exército entende que, mesmo que as acusações da PF estejam corretas, não houve em nenhum momento tentativa de acionamento ou ação de qualquer unidade ativa do Comando de Operações Especiais.
Ou seja, de acordo com os próprios dados da investigação, os militares teriam agido por conta própria, sem usar equipamentos e infraestrutura, mas apenas seu conhecimento e treinamento passado. Isso significa que não houve em nenhum momento perda do controle das unidades ativas das Forças Especiais e por isso não faria sentido extingui-las agora.
Parlamentares aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como a deputada Bia Kicis (PL-DF), dizem acreditar que não houve sequer a articulação de golpe, como defende a PF.
"Eu acho muito absurdo falar em kid preto, em grupo de elite que não conseguiu pegar um táxi. É tudo tão risível, tão fantasioso que não dá para a gente conversar a não ser partindo para o deboche", disse a deputada à CNN na ocasião da prisão do general Walter Souza Braga Netto, ex-candidato a vice presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.
Bia Kicis se referia a um trecho do inquérito da PF que diz que um dos militares acusados não conseguiu pegar um táxi para se encontrar com outro acusado após ambos terem se posicionado em Brasília para monitorar o ministro Alexandre de Moraes.
O deputado Capitão Alden (PL-BA) argumentou, por sua vez, que as autoridades deveriam se preocupar com assuntos mais importantes do que o debate sobre mudanças nas Forças Especiais, como por exemplo a crise econômica e a desvalorização do real.
"Essa ideia de extinguir ou "reformular os kids pretos" é algo desnecessário. Eles são militares do Exército, especialistas em operações especiais. Boa parte dos países mundo afora possui Forças Especiais similares desenvolvendo uma série de atividades, inclusive de pacificação", afirmou.
Investigação da PF elevou a tensão entre militares e causou rivalidades
As investigações da PF apontaram quatro agentes supostamente envolvidos na tentativa de golpe de Estado: um general de brigada da reserva, um tenente-coronel e dois majores. Além deles, um policial federal também foi preso pelo suposto envolvimento no caso.
A investigação da PF contra eles, que também resultou na prisão do general Braga Netto, criou uma atmosfera de alta tensão no meio militar, de acordo com membros do Alto Comando ouvidos pela reportagem - principalmente entre os militares da reserva (que estão na vida civil e não precisam mais seguir a hierarquia de comando).
Um oficial da reserva que já fez parte de uma unidade do Comando de Operações Especiais e pediu para falar sob anonimato disse que há descontentamento de uma parte dos Forças Especiais da reserva com o comando do Exército. Um dos motivos é que o grupo de trabalho que foi estabelecido para criar formas de reestruturar as Operações Especiais até março de 2025 tem mais de uma dezena de membros e apenas um deles é oficial de Operações Especiais.
Eles dizem temer que o grupo não vai apenas "ampliar capacidades", como diz o documento que estabelece o grupo de trabalho, mas sim descaracterizar a atividade. Já um oficial da cúpula do Exército, que também pediu para não ser identificado, disse que não há intenção de desorganizar o Comando de Operações Especiais.
Os oficiais da reserva também apontam para uma suposta rivalidade entre militares de Forças Especiais da reserva e o atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva. Alguns consideram que Paiva estaria sendo subserviente ao governo Lula e ao Supremo. Eles dizem ainda que há uma suposta rivalidade entre Forças Especiais e Paraquedistas Precursores na alta hierarquia do Exército - e Paiva estaria sendo influenciado pelo grupo de Precursores.
Os Precursores são militares especializados em coordenar ações de unidades paraquedistas. Eles supervisionam o salto de tropas e depois as reorganizam no solo, além de coordenar locais de pouso de helicópteros.
Sua especialidade também é exercida pelas Forças Especiais e, por isso, seria uma capacidade redundante dentro do Exército. Da mesma forma que os membros das Forças Especiais não querem ser desmobilizados pela ação de partidos de esquerda, o grupo de Precursores estaria agindo para não ser extinto. A desativação dos Precursores já ocorreu nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, segundo o militar ouvido pela reportagem.
Outro membro do Alto Comando disse, por sua vez, que os integrantes das Forças Especiais formam uma espécie de "confraria", que acreditaria poder operar com relativa independência das outras unidades militares. Segundo ele, o comando reconhece a grande importância deles no cenário atual da geopolítica mundial, mas quer assegurar que eles, membros das Forças Especiais, sempre continuarão sob controle e seguindo a hierarquia militar.
Investigação joga pressão em Múcio e ele cogita deixar o Ministério da Defesa
De acordo com um interlocutor, as recentes revelações da Operação Contragolpe, que citam os "kids pretos" e resultaram na prisão do general Walter Braga Netto, colocaram o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, em uma posição difícil na pasta. Em 17 de dezembro, ele afirmou a jornalistas que a prisão do general “mexe com os militares”.
“Estão constrangidos [no Exército]. É o primeiro general quatro estrelas que é detido, mas não foi surpresa para ninguém”, disse o ministro.
Principal mediador entre o governo e as Forças Armadas, Múcio vem sinalizando que pode deixar a pasta na próxima reforma ministerial de Lula. A principal causa seria a pressão exercida pelo Partido dos Trabalhadores, bem como as repercussões das investigações que envolvem militares.
Com o foco do PT em atacar os envolvidos, Múcio precisa se desdobrar entre dialogar com os militares e manter as relações entre a caserna e o Executivo.
Lula deseja que Múcio permaneça no governo. O petista considera o ministro valioso pela capacidade de articulação. No entanto, o entendimento é de que o ministro estaria “cansado” e queria retornar para casa.