Os negociadores do Planalto reconhecem que foi preciso empregar esforços adicionais para assegurar a provável aprovação no Senado da indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na manhã desta quarta-feira (13), ele será sabatinado e logo depois o seu nome será submetido à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), numa inédita sessão conjunta com a sabatina de outra autoridade, o indicado para ser o procurador-geral da República (PRG), Paulo Gonet. Na sequência, os seus nomes deverão passar pelo crivo dos 81 senadores, em votação também secreta, precisando de ao menos 41 votos favoráveis para serem confirmados.
Para superar resistências ao perfil político de Dino e mitigar animosidades que ele provocou entre parlamentares durante a sua tumultuada passagem pelo Ministério da Justiça, foi preciso a coordenação entre governistas e os presidentes tanto do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quanto da CCJ, Davi Alcolumbre (Uniao Brasil-AP).
Nos bastidores, até mesmo os membros da oposição já admitem a vitória do ministro do presidente Luiz Inácio Lua da Silva (PT) nas duas votações e acham muito difícil superar um total de votos contrários acima de 39.
Dos 41 senadores que não revelaram sua intenção de voto, sabe-se que mais da metade se inclina a apoiar Dino. O governo estima que Dino terá entre 48 e 53 votos em plenário. Mas Alcolumbre, que atua como o principal cabo eleitoral nos bastidores, avalia que é possível conseguir perto de 60 votos. Essa seria uma forma de fortalecer sua candidatura para voltar à Presidência do Senado em 2025.
Com acertos políticos entre senadores e o governo deflagrados logo após o anúncio da indicação por Lula, no fim de novembro, após dois meses de especulações, foi garantido um processo ágil e supercontrolado para a sua aprovação. O formato da sessão de sabatina dupla visou restringir a atuação dos senadores contrários à indicação e evitar dar chances a retardos ou contratempos.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) promete apresentar uma questão de ordem à CCJ contra a sabatina simultânea de Gonet e Dino, alegando que a decisão do presidente do colegiado de sabatinar ambos ao mesmo tempo é inconstitucional, por ferir princípios da eficiência, da proporcionalidade e da razoabilidade. Os efeitos imediatos seriam as respostas em bloco, com menos tempo para perguntas e respostas com a profundidade esperada.
A sabatina simultânea na CCJ foi implementada no fim de novembro durante a escolha de dez indicados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ela também ocorreu em outubro, quando foram indicados três nomes ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Amapá, de Alcolumbre, recebeu verbas após sair data da sabatina
Essa orquestração para facilitar o encaminhamento da indicação de Dino contou ainda com acordos para liberação de verbas para estados representados pelos líderes mais influentes entre os eleitores de Dino na sabatina na CCJ e no plenário, começando pelo próprio Alcolumbre. Nos três dias seguintes ao anúncio da data para a sabatina, governo empenhou R$ 73,9 milhões para o Amapá. Só na quinta-feira (7) foram R$ 55,4 milhões, quarta maior liberação do ano.
Por fim, o ministro da Justiça será beneficiado também pela votação secreta, a mesma que sempre ajudou a confirmar as indicações para o Supremo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, todas as indicações dos presidentes da República para o Supremo passaram pelo crivo do Senado sem maiores dificuldades. Todos os 28 ministros indicados ao longo desse período foram aprovados.
A indicação que obteve o placar mais apertado desde a redemocratização foi a do ex-ministro da Justiça André Mendonça, que também não contou com a boa vontade de Alcolumbre. Ele recebeu 47 votos favoráveis e 32 contrários. Em toda a história de 133 anos da Corte, apenas cinco indicações foram recusadas, todas em 1894.
Leonardo Barreto, diretor na Vector Relações Governamentais, avalia que a escolha de nomes para o STF está intimamente ligada ao jogo de poder na República. Para se adivinhar os critérios usados nessa missão, ele sugere procurar identificar quais desejos, temores e estratégias de alianças movem o chefe do Executivo. “A partir dessa premissa, é possível compreender como a indicação de Dino está ligada ao objetivo de reforçar o combate ao bolsonarismo, principal agenda que une Lula e os ministros do STF, além de reforçar o Judiciário como protagonista de políticas públicas”, disse.
Campanha de Dino procurou suavizar a sua imagem política
Em sua campanha para ampliar o número de apoiadores em plenário, Dino visitou gabinetes no Senado e participou de jantares com parlamentares. Em todos esses momentos e em entrevistas se concentrou na estratégia de desconstruir a imagem de político atuante, sobretudo de esquerda. Para o grupo que concentra a maior resistência ao seu nome, representado pela Frente Evangélica, ele tentou um contato direto, mas não foi possível em razão da falta de vontade dos seus 15 integrantes e da agenda comprometida dos senadores em geral.
Em reforço à imagem de “católico praticante”, para contrapor à de “comunista anticristão” explorada pelos seus opositores, Dino se encontrou na sexta-feira (8) com a diretoria da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que sinalizou apoio.
Nesta terça-feira (12), véspera da sabatina conjunta, marcada para iniciar às 9h de quarta, o ministro concentrou os seus contatos dentro do ritual chamado por “beija mão” com integrantes da maior bancada do Senado, o PSD, e da terceira, o MDB, ambas governistas.
Para Dino, pedir voto favorável dos senadores se tornou tarefa mais difícil do que, por exemplo, teve Cristiano Zanin, primeiro indicado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste seu terceiro mandato, apesar de sua notória parcialidade, como advogado pessoal do presidente. Ao final, ele obteve 58 votos a favor e 18 contra.
Oposição tentará fustigar Dino com duros questionamentos
Se Dino continuar seguindo a orientação de seus estrategistas e operadores do governo, ele deverá continuar evitando despertar polêmicas durante a sabatina, com reações serenas e burocrática, bem diferente das “lacrações” que protagonizou em audiências públicas na Câmara e no Senado. Entre as questões que a oposição reservou para fazer a ele, explorando contradições e polêmicas, está a sua atuação na política e nos atos do 8 de janeiro, em Brasília, que sugerem omissão com as invasões e depredações dos prédios públicos.
Blindado na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) do 8 de janeiro, Dino será questionado diretamente sobre o sumiço das imagens das dezenas de câmeras de segurança da sede do Ministério da Justiça e sobre a inação da Força Nacional.
Outros questionamentos envolvem o inquérito que estava em mãos da ministra aposentada Rosa Weber e que Dino poderá assumir no STF envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, por suposto desvio de dinheiro público em obras bancadas com emendas parlamentares na Codevasf, estatal comandada pelo centrão.
O indicado ao Supremo também terá de responder sobre a recepção no Ministério da Justiça de Luciane Barbosa Farias, casada com Clemilson dos Santos Farias, um dos principais criminosos do Amazonas, conhecido como "Tio Patinhas". Ela se reuniu com o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Elias Vaz, em março, e com Rafael Velasco, secretário nacional de Políticas Penais, em maio.
Casos mais antigos envolvendo sua atuação como deputado e governador, além de delações da empreiteira Odebrecht, em pedido de inquérito que acabou arquivado, também deverão ser levantados.
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