Nas discussões para cumprir as determinações do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), líderes do Congresso e integrantes do Palácio do Planalto têm travado um embate sobre a criação de um teto para o aumento das emendas parlamentares no Orçamento. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha para incluir o mecanismo em um projeto de lei que será votado pelos parlamentares ainda em novembro.
O texto dessa proposta, que está sendo elaborada pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), deve trazer as exigências de transparência e rastreabilidade na destinação dos recursos como forma de atender à determinação do ministro do STF Flávio Dino.
O magistrado suspendeu o pagamento das emendas parlamentares em agosto, em um movimento que contrariou o Congresso e foi percebido no meio político como uma ajuda de Dino para o governo Lula frear o avanço dos parlamentares sobre o Orçamento da União. Desde então, Executivo e Legislativo discutem os pontos desse projeto de lei.
Líderes parlamentares resistem em renunciar a uma fatia expressiva do Orçamento. Em 2015, eram R$ 9,6 bilhões autorizados para serem executados em emendas, valor que cresceu para R$ 36,1 bilhões em 2020 e R$ 52 bilhões em 2024.
Na proposta de Orçamento para 2025, enviada pelo Executivo ao Congresso, o Palácio do Planalto propõe um montante de R$ 38,9 bilhões. Ou seja, um corte de cerca de 25% em relação ao valor deste ano.
Na semana passada, por exemplo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ministra do Planejamento, Simone Tebet, discutiram o chamado pacote de corte de gastos. Técnicos das duas pastas admitem que uma redução do valor das emendas parlamentares está na lista em discussão pelo governo junto a Lula.
A ideia do governo é que as emendas sigam regras do chamado teto de gastos, que é uma ferramenta que limita o crescimento das despesas públicas ao índice de inflação do ano anterior. Nos planos do Planalto, o aumento desses recursos a cada projeto da lei orçamentário terá que acompanhar o crescimento dos recursos discricionários no Orçamento federal.
Projeto deve ser votado após o segundo turno
Em meio ao embate sobre a possibilidade de criação de um teto para as emendas parlamentares, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator da Lei Orçamentária Anual (LOA), foi escalado pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para desenhar o Projeto de Lei Complementar (PLP) com o foco de atender as exigências do ministro Flávio Dino. A expectativa é de que esse texto seja votado nas primeiras semanas de novembro, após o segundo turno das eleições municipais.
“Se o ministro Dino vir que tem um acordo do Executivo com o Legislativo, não vejo o porquê de ele ficar contra. Eu vou pedir uma agenda com o ministro Dino, até para levar a minuta do PLP que a gente pretende protocolar até a segunda-feira (28)”, disse o senador nesta terça-feira (22), após um encontro com Lira.
Nesta quarta-feira (23), após reunião entre representantes dos Três Poderes, o STF divulgou uma nota afirmando que o texto do projeto será finalizado até esta quinta-feira (24), com previsão de apreciação no Senado e na Câmara nas próximas semanas. Depois disso, Dino avaliará se libera ou não a execução das emendas parlamentares e submeterá o tema ao plenário do STF.
Conforme apurou a Gazeta do Povo, o texto prevê que as emendas de transferência especial, conhecidas como emendas pix, deverão priorizar a conclusão de obras já iniciadas. Já as emendas de bancada estadual e de comissão devem ser destinadas a projetos estruturantes.
Além disso, a minuta do projeto prevê que o dinheiro enviado a entes federativos em situação de calamidade ou emergência terá prioridade e as emendas de comissão devem destinar, obrigatoriamente, pelo menos 50% dos recursos para ações e serviços públicos de saúde. A fiscalização será feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
"Geralmente, o prefeito solicita ao seu parlamentar recurso para construir um hospital, uma creche ou para pavimentar uma estrada. O parlamentar faz o pedido ao ministério e, a partir daí, quando esse recurso chegar, vai ter um ofício do ministério, que ficará no portal da transparência da União e da prefeitura", detalhou Ângelo Coronel.
Sobre a criação de uma regra para limitar os reajustes do valor destinado para as emendas, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu que o cenário ideal seria a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema. No entanto, ele avalia que não há tempo hábil para a votação de uma PEC, já que este tipo de projeto precisa passar por dois turnos de votação na Câmara e no Senado.
Governo busca aliados para impor teto às emendas
Aliado do Palácio do Planalto, o senador Rodrigo Pacheco já havia sinalizado, ainda em agosto, que uma eventual mudança sobre o limite de orçamento para as emendas poderia ser incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A lei estabelece as metas e prioridades para os gastos e orienta a elaboração da LOA e que será relatada por Ângelo Coronel.
“Estamos estudando a apresentação de algum modelo que possa garantir a participação parlamentar juntamente com o Executivo na definição orçamentária do Brasil, mas sempre primando pela qualidade do gasto público e primando pela transparência”, disse Pacheco na ocasião.
Para tentar viabilizar o pleito do Executivo, os líderes governistas têm buscado apoio junto ao relator da LDO, senador Confúcio Moura (MDB-PI). O parlamentar é visto com um perfil mais governista e já defendeu que haja "bom senso" nessa discussão sobre o crescimento dos recursos para as emendas.
“As contas públicas que estão em xeque. Não há uma fartura de recursos. As vinculações são grandes. As despesas obrigatórias [estão] cada vez mais arrochando o governo. Os recursos discricionários (não obrigatórios) [estão] cada vez menores. O bom-senso tem que falar mais alto”, disse o senador após reunião com o ministro Fernando Haddad.
STF deu posição privilegiada a Lula no embate com Congresso
Integrante da oposição, o senador Izalci Lucas (PL-DF), afirma que a decisão de o STF suspender as emendas foi uma forma de ampliar os poderes do Executivo. A ação foi impetrada pelo Psol, partido da base de Lula.
À época, os 11 ministros concordaram com a decisão inicial de Dino de que as emendas só serão liberadas depois de o Congresso apresentar novos parâmetros e regras para que a aplicação dos recursos siga critérios de transparência, rastreabilidade e eficiência.
Segundo Izalci, a suspensão das emendas ajuda o governo federal a fechar as contas anuais sem desrespeitar as regras fiscais, já que o valor pode ser utilizado para evitar o rombo nas contas públicas.
"Ao bloquear a liberação de R$ 15 bilhões em emendas até que sejam cumpridos os requisitos constitucionais, o Supremo Tribunal Federal não apenas fez um favor ao governo, mas entregou nas mãos de Lula uma poderosa ferramenta de barganha política", disse o senador do PL.
"Com o Congresso encurralado e as emendas suspensas, Lula se vê em uma posição privilegiada para negociar sua influência na sucessão da Câmara e do Senado, além de garantir que o governo cumpra o arcabouço fiscal, mesmo que à custa de investimentos essenciais", completou.
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