A criação jurídica do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), que reúne governadores e conselheiros dos sete estados que integram as duas regiões mais ricas do país, promete gerar pressão sobre propostas e decisões tomadas pelo governo federal, pelo Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), em especial na área de segurança pública.
A primeira já está pautada. Durante o 12º encontro da cúpula realizada na semana passada, em Florianópolis (SC), governadores destes estados se mostraram resistentes com a ingerência que podem sofrer com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski no início deste mês. O tema esteve entre os mais debatidos, cercado de preocupação, mas foi acompanhado por uma série de outros assuntos.
Para garantir essa organização e pressão na capital federal, o Cosud terá uma estrutura que inclui um Conselho de Administração com representantes dos sete estados-membros. Também terá sete Câmaras Temáticas coordenadas por diferentes estados, cada uma dedicada a áreas estratégicas como educação, saúde, segurança pública e desenvolvimento econômico.
A sede em Brasília aproximará os governadores dos Três Poderes, conferindo maior visibilidade e peso político às demandas das regiões Sul e Sudeste. Com CNPJ, conta bancária e estrutura administrativa própria, o Cosud terá autonomia financeira e poderá captar recursos para ações e projetos. Sua manutenção será financiada por contribuições anuais dos estados.
A presidência do consórcio é rotativa e atualmente está sob a liderança do governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), que permanecerá no cargo até o fim de 2024. Em 2025, assume o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
A formalização jurídica também permitirá a busca de recursos e maior integração regional, consolidando uma agenda de desenvolvimento comum. Juntos, os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul concentram 56% da população brasileira e 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Apesar do peso político, econômico e de desenvolvimento, estas regiões eram as únicas que ainda não contavam com um consórcio formalizado, apesar de a criação ter ocorrido de fato em 2019, sem formalização jurídica. O Consórcio Nordeste está em atuação formal há cinco anos, enquanto o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento da Amazônia Legal está ativo há quase duas décadas. O Consórcio Brasil-Central iniciou as atividades em 2015.
Organização de estados contra domínio da União na segurança é estratégica
Apesar de o governo federal afirmar que a PEC da Segurança Pública é apenas um texto inicial que deverá ser incrementado por sugestões e propostas de estados e municípios, governadores, principalmente das regiões do Cosud, têm manifestado preocupação e descontentamento com uma possível dominação da União neste setor, hoje sob a responsabilidade dos estados.
A Carta de Florianópolis, redigida e apresentada pelo Cosud no encerramento do encontro na capital catarinense, dá amplo destaque ao tema. Já nas primeiras linhas eles alertam que, se aprovada, a PEC da Segurança Pública "trará diversas alterações significativas no sistema de segurança pública no Brasil, gerando uma série de incertezas para as gestões estaduais”.
O especialista em segurança pública, Sérgio Gomes, vê na formalização do Cosud e na carta de Florianópolis uma ação estratégica para dialogar e defender propostas em grupo, garantindo mais peso político e social.
“Estes governadores fazem bem em se organizar formalmente com uma sede em Brasília para tratar de assuntos relevantes como a segurança pública, em um momento decisivo à área. São nestes estados que estão sediadas as maiores organizações criminosas brasileiras, os principais portos para o tráfico de drogas e grande trecho da fronteira com o Paraguai, no Paraná”, reforça.
Governadores são contra qualquer proposta que enfraqueça estados
Além de reafirmarem que farão frente a qualquer medida que possa ser adotada para enfraquecer os estados, iniciativas de integração na segurança pública também estão sendo desenvolvidas.
A Carta de Florianópolis afirma que as regiões Sul e Sudeste já têm sistemas de segurança eficientes estabelecidos e trabalham na implantação do Inquérito Digital, do Sistema Único de Denúncia e do Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), que reunirá as bases de todos os registros de ações no combate ao crime. Assim, os governadores esperam que os estados-membros do Cosud possam constituir uma plataforma de ação conjunta com integração dos dados de segurança pública, justiça, fiscalização e controle, o que propiciaria, segundo eles, eficiência na atuação policial e na tomada de decisões.
“Somos contra qualquer proposta que enfraqueça os estados e reduza sua capacidade de agir de forma rápida e adequada às necessidades locais. A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às diferenças regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e amplifica a burocracia”, alerta o documento.
O assunto causa um embate não declarado entre o Cosud e o Consórcio Nordeste. No início deste mês, após a apresentação da PEC da Segurança e de críticas de alguns governadores das regiões Sul e Sudeste, o Consórcio Nordeste se mostrou mais favorável à Emenda Constitucional, pediu união nacional em torno da proposta.
“Esperamos que essa reunião [de apresentação da PEC] seja um marco para fortalecer a sinergia, o respeito à autonomia dos estados e a cooperação entre os entes federados, rumo a uma segurança pública robusta e eficiente para todos”, diz trecho de nota emitida pelo Consórcio Nordeste após Lula ter reunido governadores para apresentar a proposta.
O grupo também defendeu a integração do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) à Constituição Federal e disse que a medida é essencial para uma resposta eficaz das forças de segurança.
Especialistas em segurança pública criticam PEC de Lula
Especialistas em segurança alertam que a PEC apresentada pelo governo traz um sério risco de ingerência nos estados e municípios. “De fato, pode ocorrer uma grande interferência federal nos estados e quando um estado não aderir à política nacional, ficará sem verbas federais. Isso é uma forma de obrigar a adesão a essa política”, afirma o advogado especialista em segurança pública Alex Erno Breunig.
Breunig também avalia que, tão grave quanto o que já se conhece da PEC, os estados precisam estar atentos ao objetivo da proposta. “Nos parece que o mais preocupante não é o que está escrito ou está sendo falado da PEC. O mais preocupante é o possível objetivo da proposta. Na minha avaliação, se pretende centralizar as competências da União e, principalmente, enfraquecer as polícias militares, os estados”, completa.
Na Carta de Florianópolis, gestores estaduais afirmam que os governadores concordam que as diferentes regiões do país precisam de participação ativa e efetiva do governo federal, mas que isso deve ocorrer como suporte no combate ao crime com a desarticulação das organizações criminosas que atuam de forma transnacional e fronteiriça.
“Os estados do país como um todo precisam que esses esforços da União sejam realizados de forma complementar, em especial nas fronteiras do Brasil”, diz a carta.
Câmaras técnicas vão tratar de segurança pública à gestão ambiental
No Cosud, cada estado contará com um representante no Conselho de Administração com direito à voto e tomada de decisões. Dali partirão propostas e ações a serem defendidas na sede dos Três Poderes em uma articulação conjunta. Isso se dará a partir de sete Câmaras Técnicas com discussões permanentes entre os estados em uma agenda comum intitulada de desenvolvimento integrado.
As agendas se dividem nas seguintes câmaras:
- Educação, coordenada pelo Paraná;
- Desenvolvimento Econômico, coordenada por Minas Gerais;
- Governo, que será coordenada pelo Rio Grande do Sul;
- Saúde, coordenada pelo Espírito Santo;
- Meio Ambiente, coordenada por Santa Catarina;
- Segurança Pública, coordenada por São Paulo;
- Desenvolvimento Humano, coordenada pelo Rio de Janeiro.
O objetivo também está pautado em uma maior integração nestas áreas entre os estados-membro. “A gente já nasce rodando, prestando serviço para a população do País e, em especial, para os nossos estados”, disse o governador do Paraná, Ratinho Junior, atual presidente do Cosud.
O secretário do Planejamento do paraná, Guto Silva, é o secretário-executivo até o fim do mandato do Paraná. Segundo ele, o Consórcio é um instrumento "poderoso" para criação de uma agenda específica da região Sul e Sudeste.
“Era inacreditável que apenas essas duas regiões ainda não tivessem um consórcio formal constituído. Isso permite ter uma agenda política específica. Com CNPJ e uma vida jurídica, o Cosud tem a possibilidade de captar recursos, uma agenda conjunta em temas como segurança pública, educação, então isso possibilita que a região se organize”, afirma o secretário.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), que assume a presidência do Cosud em 2025, disse que as regiões têm avançado em diversas pautas de interesse comum e que são essenciais para a população, mas defendeu mudanças na legislação penal como parte das ações para combater o crime, medidaa que os estados terão de debater e articular com congressistas.
O governador propôs que o Cosud apoie a elaboração de um projeto conduzido pela Comissão de Segurança Pública do Senado, que inclui alterações em regras de liberdade provisória e critérios de progressão de pena para crimes hediondos. “O apoio do Cosud às propostas tratadas com o Senado vai fortalecer a articulação com os parlamentares e contribuir para que essa pauta avance no Congresso Nacional. Estamos propondo uma correção na lei, contribuindo para o fortalecimento do combate ao crime”, destacou.
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