No momento em que o Legislativo aumenta o controle sobre o Orçamento da União, o governo federal se mobilizou para defender, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a regularidade das emendas de comissão, que são verbas reservadas pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado para investimentos em obras e serviços indicados por deputados e senadores.
Neste ano, elas somaram R$ 7,5 bilhões e no ano que vem alcançarão R$ 11,3 bi (aumento de 50%), conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada nesta terça-feira (19).
Ao contrário das emendas individuais (indicadas por parlamentares individualmente) e de bancadas estaduais (indicadas por deputados e senadores de um mesmo estado), as emendas de comissão não são de pagamento obrigatório, o que permite ao Executivo dosar sua liberação ao longo do ano, o que abre a possibilidade para que sejam usadas como uma moeda de troca para obter apoio no Parlamento.
Em novembro, o Partido Novo acionou o STF para acabar com as emendas de comissão. Segundo a legenda, elas se transformaram num novo “orçamento secreto”, sem clareza sobre os parlamentares responsáveis por indicar ao governo onde os recursos serão aplicados.
O apelido era dado, até o ano passado, às emendas de relator, verbas controladas pelo parlamentar que relatava a Lei Orçamentária Anual – deputados e senadores com grande influência reservavam verbas dentro da rubrica diretamente junto aos ministérios, sem transparência em relação à aplicação dos recursos. Por isso, em dezembro de 2022, o STF considerou essa forma de alocação inconstitucional e proibiu sua continuidade.
Para o Novo, no entanto, a prática continuou neste ano, mas na rubrica das emendas de comissão. O partido informou ao STF que, em 2023, 85,6% dos R$ 7,5 bi destinados às emendas de comissão estão nas mãos do senador Marcelo Castro (MDB-PI), que foi o relator-geral da proposta orçamentária aprovada para este ano e que passou a presidir a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, onde foram alocados R$ 6,5 bilhões.
“Na prática, estas emendas foram largamente (85%) concentradas em uma única comissão, presidida pelo antigo relator-geral do orçamento, que deu continuidade à prática do ‘orçamento secreto’”, alegou o partido, ao pedir que o STF, assim como fez em 2022, também suspenda e proíba a liberação desses recursos.
O Novo apontou “concentração do poder formal de destinação dos recursos nas mãos de um parlamentar e obscuridade com relação aos reais patrocinadores da indicação de recursos”. Afirmou ainda que os recursos são destinados a “ações orçamentárias genéricas idênticas e sem critérios de definição de políticas públicas”, que não observam “critérios populacionais e/ou socioeconômicos para a escolha dos estados e municípios beneficiários”, e que, além disso, evidenciam “irregularidades na aplicação dos recursos, com vistas ao atendimento de interesses pessoais dos parlamentares que, de forma obscura, fizeram as indicações”.
Dos R$ 6,5 bilhões orçados para a comissão de Desenvolvimento Regional, o governo Lula se comprometeu a pagar R$ 4,5 bilhões (valor empenhado), segundo dados da plataforma Siga Brasil, do Senado, até 9 de dezembro. Entretanto, pouco desse montante já foi efetivamente pago: apenas R$ 15 milhões.
Participação do Legislativo é legítima, diz governo
No STF, a ação foi parar no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, que pediu manifestações ao governo e ao Congresso para decidir se suspende monocraticamente o pagamento das emendas de comissão.
O Executivo acionou vários órgãos para defender a regularidade da liberação desses recursos. Todos argumentaram que é legítima a participação do Legislativo na escolha dos investimentos, negando falta de transparência na alocação das verbas indicadas pelas comissões – para isso, indicaram sites oficiais que permitem verificar para que estados e municípios o dinheiro está sendo repassado, conforme programas do governo federal ligados, principalmente, ao desenvolvimento regional, turismo e mobilidade urbana. Ainda assim, não apontaram, exatamente, que montantes exatamente cada deputado e senador, que pertencem às comissões, emplacou nas regiões de seu interesse.
Os pareceres, enviados pela Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência, pela Advocacia-Geral da União (AGU) e por consultorias jurídicas dos ministérios das Cidades e da Integração e do Desenvolvimento Regional, citam normas que garantem a transparência e a regularidade dos recursos.
Chama a atenção, no entanto, que uma das regras, da LDO de 2023, diz que a indicação de beneficiários das emendas de comissão parlamentar deve observar “sempre que possível” os critérios populacionais – ou seja, não há garantia de que destinação seja proporcional ao tamanho da população beneficiada.
“Não se verifica a existência de qualquer estado de coisas inconstitucional no que tange à matéria, na medida em que a execução das programações provenientes de emendas de comissão (RP 8) em relação ao exercício financeiro de 2023 está sendo realizada em plena observância à legislação aplicável”, afirmou a AGU em parecer enviado ao STF.
O órgão ainda argumentou que, como 2023 já está no fim, interromper o pagamento das emendas de comissão poderia paralisar obras já iniciadas e, com isso, prejudicar a população dos municípios e estados beneficiados. Além disso, alegou que, diferentemente das emendas de relator, as emendas de comissão são aprovadas por vários parlamentares, o que retiraria o caráter individual das verbas. A AGU não discutiu a concentração das verbas em poder de Marcelo Castro, que apoia o governo e comanda a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.
Fica claro, nos pareceres, que a liberação dos recursos se dá a partir de contatos entre a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, chefiada pelo deputado licenciado Alexandre Padilha (PT-SP), principal negociador político do governo, e os presidentes das comissões que tiveram emendas aprovadas no Orçamento, inclusive Marcelo Castro.
As Casas do Legislativo também se mobilizaram para manter o pagamento das emendas de comissão. A Câmara defendeu que parte das verbas orçamentárias seja destinada a “ações genéricas”. “Dentre as milhares de programações que compõem a LOA [Lei Orçamentária Anual] parte significativa é representada por ‘ações genéricas’, assim entendidas por não ser possível identificar, com a simples leitura do respectivo título, qual será a destinação final dos recursos”, disseram os advogados da Câmara ao STF. A certeza quanto aos estados e municípios beneficiados seria possível somente no momento do empenho, primeira etapa da liberação dos recursos pelo Executivo.
Em seu parecer, o Senado informou os senadores que indicaram verbas para a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo em 2023: Acir Gurgacz (PDT-RO), Alessandro Vieira (MDB-SE), Chico Rodrigues (PSB-RR), Eduardo Braga (MDB-AM), Fernando Collor (PTB-AL), Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Irajá (PSD-TO), Izalci Lucas (PSDB-DF), Jaques Wagner (PT-BA), Jean Paul Prates (PT-RN), Marcelo Castro (MDB-TO), Nilda Gondim (PMDB-PB), Plínio Valério (PSDB-AM), Roberto Rocha (PTB-MA), Rodrigo Cunha (Podemos-AL), Soraya Thronicke (Podemos-MS), Styvenson Valentim (Podemos-RN), Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), Zenaide Maia (PSD-RN) e Zequinha Marinho (Podemos-PA).
O grupo, porém, foi responsável por 97 emendas, das quais apenas 46, menos da metade, foi acatada, sem clareza quanto às que acabaram aprovadas ao final da tramitação da lei orçamentária. O Siga Brasil aponta que os R$ 4,5 bilhões empenhados em emendas para Comissão em 2023 estão alocados em apenas quatro emendas, a maior delas (R$ 2,4 bilhões) voltada à construção de rodovias. São emendas de caráter nacional, distribuídas pelos ministérios competentes, o que dificulta saber quais municípios foram ou serão contemplados.
Alexandre de Moraes, relator da ação do Novo, ainda aguarda um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) para decidir sobre o assunto. O órgão acabou de ser assumido por Paulo Gonet. Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por influência direta de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, Gonet obteve amplo apoio do Senado para chegar ao cargo.
A ação vale para o Orçamento de 2023, mas uma decisão do STF sobre o assunto formaria mais um precedente contra uma aplicação sem transparência dos recursos.
Na LDO de 2024, além de aumentar as verbas de R$ 7,5 bi para R$ 11,3 bilhões, os parlamentares aprovaram uma regra segundo a qual essas emendas não poderão ser contingenciadas em volume superior ao de outras verbas discricionárias, isto é, de livre aplicação pelo governo.
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