O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está utilizando um mecanismo baseado em recursos de ministérios que beneficiam parlamentares por meio de negociações centralizadas no ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Essa tática gera o mesmo resultado do chamado orçamento secreto do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A diferença é que a verba de barganha, que foi muito criticada por Lula no último ciclo eleitoral, agora é 137% maior que a operada na gestão anterior.
Os recursos que podem ser distribuídos pelo governo Lula, com o objetivo de obter apoio político, chegam neste ano ao patamar de R$ 46 bilhões. Eles estão divididos entre concessão de emendas individuais a parlamentares e emendas de ministérios, que já existiam e são chamadas pelo jargão técnico de RP2. A verba prevista no governo de Bolsonaro em 2023 para fim semelhante, apenas de orçamento secreto, era de R$ 19,4 bilhões.
O que foi o orçamento secreto?
O orçamento secreto de Bolsonaro foi extinto no final de 2022 por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele era operacionalizado por meio de emendas de relator que ficaram conhecidas pelo jargão técnico de RP9. Elas haviam sido criadas para que o relator do Orçamento da União pudesse corrigir erros ou omissões na peça orçamentária. Mas, na prática, acabaram servindo para privilegiar determinados parlamentares - segundo critérios nada transparentes nem isonômicos.
Ou seja, seu objetivo era burlar a prática de distribuir de forma igualitária emendas individuais. O valor delas é o mesmo para parlamentares tanto apoiadores do governo quanto da oposição.
O adjetivo "secreto" veio do fato de ser quase impossível identificar quem era o parlamentar beneficiado por uma emenda RP9. Isso porque a autoria formal de todas elas era do relator do Orçamento. As RP9 foram canceladas e redistribuídas entre emendas individuais e verbas para a livre definição de ministérios.
Como funciona o novo mecanismo de orçamento secreto do PT?
A nova rotina de negociação tem como objetivos ampliar a base governista no Congresso, influir em votações e até na abertura de comissões parlamentares de inquérito. No início do mês, os ministros Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) assinaram uma portaria para definir o rito de pagamento. Ele abrange especialmente as emendas parlamentares, verbas indicadas por deputados e senadores para as suas bases eleitorais que são repassadas pelo Executivo.
Ficou definido que o processo seria centralizado em Padilha e não haveria publicidade dos nomes de congressistas assistidos pelas verbas controladas pelo governo federal e nem outra maneira de acompanhar o andamento dos repasses. Nesse arranjo, entra em cena a rubrica do Orçamento RP2, que trata de recursos à disposição do governo para usar como quiser nos ministérios. Mas tal como as emendas RP9, as RP2 não oferecem transparência ao servir para adicionar verbas a programas já existentes no Orçamento ou incluir novos programas, sem indicação clara dos beneficiados politicamente.
A rubrica identificada pela sigla RP2 envolve recursos livres que o governo dispõe para alocar nos ministérios mediante programas negociados com parlamentares nas comissões temáticas do Congresso. Tais comissões têm afinidade com os temas relacionados às respectivas pastas, como saúde e infraestrutura.
A diferença desse instrumento é que os ministros da Esplanada voltam a ter a palavra final sobre a destinação, em vez do relator-geral, no caso das emendas RP9. No governo Michel Temer (MDB), antes do orçamento secreto, os congressistas eram atendidos via RP2.
O ministro Alexandre Padilha e o governo Lula ainda não se manifestaram explicitamente sobre as críticas envolvendo uma nova sistemática para manter ativo o orçamento secreto. Nos bastidores, ele e outros colegas do Planalto tem sustentado que a negociação de emendas por meio de comissões permanentes é mais fácil de ser monitorada. Além disso, ela usaria instrumentos supostamente mais democráticos, envolvendo grupos de parlamentares e não só um relator do Orçamento.
Disputa por comissões aumentou por causa de aporte de verbas
O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, acredita que o principal reflexo da distribuição quase meio a meio dos recursos do orçamento secreto entre emendas individuais e a RP2, medida proposta pelo governo ao relator do orçamento, foi fortalecer a importância das comissões parlamentares. “Valores vultosos transferidos aos colegiados explicam porque a disputa ainda mais acirrada este ano para ocupar a presidência e a vice-presidência deles”, explica.
Ele lembra que esses recursos superam em muito, por exemplo, todas as emendas individuais de senadores (R$ 4,8 bilhões). “Com incremento extraordinário, a emenda da moda virou a emenda de comissão. Ser o presidente ou ao menos integrar já é um ponto de partida para acessar recursos para os seus estados e municípios”, acrescentou.
Não por acaso, o próprio relator do Orçamento da União de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), foi eleito para presidir a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) do Senado, que herdou sozinha R$ 6,5 bilhões do orçamento secreto.
Partido Novo diz que estratégia do PT é o "Mensalão 2"
O líder do PL, senador Carlos Portinho (RJ), à época do remanejamento de verbas do orçamento secreto, já havia alertado que a destinação de parte do dinheiro desse mecanismo para os ministérios teria consequências negativas. Isso faria com que os parlamentares passassem a lidar com o "balcão de negócios" do governo para a liberação dos repasses e não mais com o relator-geral do Orçamento.
Nas redes sociais, o partido Novo protestou contra a falta de transparência sobre esses R$ 46 bilhões, que representam 20% das despesas discricionária federais, ou seja, das verbas que o governo pode gastar livremente. “É legítimo o Legislativo, como representante da sociedade, dispor de parte do Orçamento da União. O que não tem cabimento é a falta de transparência no manejo dos recursos, ao arrepio do espírito constitucional”, afirmou.
A legenda chegou a classificar o esquema de "orçamento secreto turbinado" e "Mensalão 2", numa referência ao escândalo revelado em 2005, durante o primeiro mandato de Lula. Na ocasião ocorreu a compra de apoio via pagamentos mensais a parlamentares com recursos não contabilizados de campanha eleitoral.
“É uma pura compra de apoio dos deputados, sem nenhuma transparência, numa escala inédita, que fere a democracia, a Constituição, a decisão do STF sobre as emendas de relator e as próprias promessas do Lula durante a campanha”, afirmou o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, à Gazeta do Povo.
Na época do Mensalão, Lula disse que foi traído
Na época do Mensalão, o presidente Lula evitou comentar a crise gerada pela denúncia, e, inicialmente, afirmou que o uso de sobra de campanha era algo usual no país. Depois, com o avanço das condenações de dirigentes partidários, procurou blindar o PT dos envolvidos, chegando a dizer que fora traído.
Por fim, saiu em defesa do financiamento exclusivamente público das campanhas dentro de uma reforma política, o que acabou sendo determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Durante a corrida presidencial de 2022, o candidato Lula minimizou o Mensalão, considerando-o bem menos grave que o orçamento secreto.
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