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Após PL da Censura

Governo Lula pode pegar carona em proposta do Centrão para regulamentar redes sociais

regulamentação das redes sociais
Ala do governo apoia projeto do Centrão para regulamentar redes sociais (Foto: dlxmedia.hu/Unsplash )

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Após o fracasso na aprovação do PL das Fake News, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) agora aposta num novo projeto de lei, apresentado em dezembro na Câmara, para ampliar a regulamentação sobre as redes sociais, especialmente na fiscalização do conteúdo postado por usuários.

Trata-se do PL 4691/2024, de autoria dos deputados Silas Câmara (Republicanos-AM) e Dani Cunha (União-RJ). Ambos são de centro-direita: ele já presidiu a bancada evangélica e ela é filha de Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara que deflagrou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e é próximo do atual presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Os dois deputados foram procurados pela reportagem para comentar pontos do projeto, mas não responderam às mensagens com pedido de entrevista. Ao jornal Folha de S. Paulo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que faz a articulação política do governo junto ao Congresso, defendeu a aprovação desse projeto de lei.

“Esse Projeto de Lei surge em um contexto no qual a convivência no ambiente digital exige uma regulamentação que possibilite que todos possam usufruir das plataformas digitais de maneira segura, responsável e transparente”, dizem Silas Câmara e Dani Cunha na justificação da proposta.

Em sua parte inicial, o PL 4691/2024 contempla princípios como a defesa das liberdades de expressão e imprensa, a vedação da censura no ambiente online, bem como a liberdade religiosa, com “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, assegurado o direito à exposição e defesa plena dos seus dogmas e livros sagrados”.

O restante da proposta, por outro lado, tem vários pontos em comum com o Projeto de Lei 2630/2020, o chamado PL das Fake News ou PL da Censura, principalmente porque permitiria responsabilizar as redes sociais em caso de falha na contenção de conteúdos criminosos.

PL de Silas e Dani Cunha sobre regulamentação também traz risco de censura privada

O risco de censura residiria, segundo críticos do PL da Censura, no poder dado às empresas de julgar, no lugar do Judiciário, se as publicações configuram crimes. Para se eximir de punições, as plataformas poderiam remover postagens lícitas e legítimas, como críticas a autoridades ou comportamentos, sob receio de serem punidas por um órgão governamental que fiscalizaria a vigilância que elas exercem sobre o conteúdo gerado por seus usuários.

Trata-se da mesma discussão em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento, iniciado no fim do ano passado, sobre o Marco Civil da Internet. A maioria dos ministros é favorável à aprovação de uma lei que, a exemplo da legislação europeia, imponha às redes um “dever de cuidado” na moderação de conteúdo.

Na prática, isso obrigaria as plataformas a atuar de maneira mais pró-ativa na remoção de conteúdo considerado nocivo e danoso. Caso uma lei nesse sentido não seja aprovada, a decisão do STF poderá impor essa obrigação.

Agências do governo fariam fiscalização do papel das redes em coibir crimes

A proposta de Silas Câmara e Dani Cunha reproduz esse tipo de exigência sobre as redes e ainda inova ao atribuir a agências estatais, diretamente ligadas ao governo, o papel de fiscalização. Caberia à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que hoje monitora o uso de informações pessoais por empresas e órgãos públicos, a supervisão sobre a moderação de conteúdo nas redes.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), atualmente dedicada à regulação técnica do setor de telefonia e tráfego de dados, seria responsável pela fiscalização sobre concentração econômica no setor, para impedir a formação de monopólios – tal atribuição seria exercida em conjunto com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

De forma semelhante ao previsto no PL das Fake News, haveria sobre as redes sociais a obrigação de “identificar, analisar e avaliar diligentemente os riscos sistêmicos decorrentes da concepção ou do funcionamento dos seus serviços”. Com isso, elas teriam que submeter à ANPD relatórios anuais sobre suas atividades de monitoramento de conteúdo, além de relatórios prévios antes do lançamento de "'funcionalidades suscetíveis de terem um impacto crítico nos riscos".

O projeto de lei não define exatamente o que seriam esses “riscos sistêmicos”. O trecho seguinte determina que as redes devem “atuar de forma diligente e em prazo adequado para mitigar o uso indevido de seus serviços por terceiros”. A atuação deve ser preventiva e corretiva, ou seja, coibindo de maneira espontânea ou removendo mediante notificação, manifestações que configurem uma lista de 11 tipos de crime:

  • I - induzimento ou instigação ao suicídio ou à prática de automutilação;
  • II - violação a direitos autorais;
  • III - crimes contra a saúde pública;
  • IV - tráfico internacional de crianças e adolescentes, exploração sexual de menores, incitação e apologia a esses crimes;
  • V - crimes contra o Estado Democrático de Direito;
  • VI - assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça a candidatas;
  • VII - racismo, com prática, indução ou incitação à discriminação ou preconceito;
  • VIII - crime contra registro de marca;
  • IX - abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação de animais;
  • X - violação dos direitos de autor de programa de computador;
  • XI - terrorismo e seus atos preparatórios.

Trata-se de uma lista mais extensa do que a prevista no PL das Fake News, que elencava basicamente crimes contra o Estado Democrático de Direito; atos de terrorismo ou preparatórios; induzimento a suicídio; incitação à prática de crimes contra crianças; racismo; violência contra a mulher; e infração sanitária.

De qualquer modo, em linha com as pressões do governo e do STF por maior fiscalização sobre as redes, o projeto de lei de Silas Câmara e Dani Cunha prevê a responsabilização das redes em caso de falha na contenção desses conteúdos. Teriam ainda o dever de auxiliar as autoridades em processos de investigação desses crimes, caso cometidos nas plataformas.

Também poderiam ser punidas caso falhassem em retirar do ar contas falsas, criadas em nome de terceiros sem autorização e após a notificação da pessoa afetada.

Cria-se exceção para pseudônimos, paródias, memes e homenagens, desde que a plataforma saiba a identidade do autor, mantida em sigilo, e que poderia ser obtida mediante decisão judicial para responsabilização em caso de ofensa.

Proposta inclui punições milionárias às redes

Poderiam ser aplicadas punições como advertência e multas de até 10% do faturamento da empresa no ano anterior, ou até o limite de R$ 50 milhões, por infração.

A ANPD, no caso, ainda poderia impor obrigações “de fazer ou de não fazer” - o que abre a possibilidade de determinações indefinidas - e até a “suspensão temporária das atividades”, tal como fez o ministro do STF Alexandre de Moraes com a rede social X, no ano passado, após apontar descumprimento de suas ordens para suspender perfis.

Parte das regras de moderação e recomendação de conteúdo seria elaborada pelas próprias redes, com base nas obrigações do projeto de lei. Na “autorregulação regulada”, as plataformas agiriam em conjunto, inclusive na criação de uma entidade para revisar as decisões de moderação, analisar a adequação à lei de seus termos de uso, e disponibilizar serviço eficiente de atendimento e encaminhamento de reclamações - algo que cada rede também deve ter.

Pelo projeto, estariam submetidas às regras as redes sociais com número de usuários que superem 5% da população brasileira, ou seja, mais de 10 milhões de pessoas. Isso abrangeria o X, Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e LinkedIn, por exemplo.

Especialistas veem com reservas ampliação das atribuições da ANPD

Especialistas em direito digital consultados pela reportagem veem com reservas o trecho do projeto que atribui à ANPD o papel de fiscalizar o conteúdo que trafega nas redes. Para a advogada Marina Lucena, a moderação de conteúdo “parece ser uma responsabilidade mais da Anatel do que da ANPD”.

“A ANPD pode atuar em parceria com a Anatel, que possui mais capacidade técnica e que, inclusive, já desempenha função semelhante na prática. Não se pode negar, contudo, que a ANPD ainda enfrenta dificuldades para cumprir de forma plena sua função de proteção de dados pessoais, e a quantidade de multas aplicadas é o reflexo disso. Ao expandir suas atribuições para o monitoramento da moderação de conteúdo, a ANPD pode acabar sobrecarregada e desviar ainda mais o foco de sua missão principal, que é a proteção dos dados”, afirma Marina.

Hélio Moraes, advogado especializado na área de proteção de dados e inteligência artificial, concorda. “Pode haver uma dispersão de recursos e dificuldades na sua missão principal: garantir a proteção de dados dos cidadãos. Atualmente, a agência já enfrenta limitações operacionais, com um quadro reduzido de servidores e grande demanda para fiscalizar o cumprimento da LGPD no setor público e privado”, diz ele.

“Esse novo papel pode gerar um conflito entre a garantia da privacidade dos usuários e o controle sobre a disseminação de informações online, ampliando os desafios regulatórios”, acrescenta o advogado. Moraes lembra que, na Europa, foi criado um órgão específico para regulação das plataformas digitais, com atribuições voltadas exclusivamente para a moderação de conteúdo.

Por outro lado, ele critica a ideia de atribuir à Anatel qualquer fiscalização de conteúdo. Para ele, a agência deve manter sua atuação na regulação da infraestrutura de serviços de telecomunicações e internet.

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