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O deputado Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, foi eleito neste sábado (1º) presidente da Câmara dos Deputados com 444 votos, 187 a mais que o necessário. Sucessor de Arthur Lira (PP-AL), Motta chega ao comando da Câmara com apoio praticamente unânime, do PT, do PL e dos partidos do centro.
Motta disputou a presidência com o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), que obteve 31 votos, e o Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ), que teve 22.
Tanto a oposição quanto o governo embarcaram na candidatura de Motta em troca de promessas de cargos na mesa diretora e liderança de comissões da Câmara.
Com 93 deputados, o PL teve o deputado Altineu Côrtes (RJ) escolhido por acordo para ocupar a vice-presidência da Câmara. A vice-presidência é o segundo cargo mais importante na hierarquia da Câmara, atrás apenas da presidência. Ao ocupante do cargo cabe substituir o presidente em sua ausência, presidir as sessões, elaborar pareceres sobre requerimentos de informação e projetos de resolução.
O resultado da eleição da Mesa seguiu o acordo firmado entre os líderes dos partidos que apoiaram Motta: além de Altineu Côrtes como vice, a segunda vice-presidência será ocupada por Elmar Nascimento (União Brasil-BA). A primeira secretaria ficará com Carlos Veras (PT-PE), e a segunda, com Lula da Fonte (PP-PE). Para a terceira secretaria, foi escolhida a Delegada Katarina (PSD-SE), e para a quarta, Sérgio Souza (MDB-PR). Como suplentes, foram indicados Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES), Paulo Folletto (PSB-ES) e Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP).
O PT, que tem uma bancada de 80 deputados, deve ocupar a primeira-secretaria, conhecida como "prefeitura da Câmara". Ela é responsável por cuidar dos serviços administrativos e de pessoal, enviar requerimentos de informações a ministros, decidir sobre recursos contra o diretor-geral, ratificar despesas e credenciar empresas que prestam serviços à Câmara.
O partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também negociou a indicação da Câmara para o próximo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além desses cargos, a Mesa Diretora da Câmara conta ainda com outros oito postos. Eles devem ser todos ocupados por partidos de centro. A mais importante comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça, deve ser controlada pelo União Brasil.
Motta faz discurso de conciliação antes da votação
Em discurso pouco antes da votação, Motta tentou passar uma mensagem de conciliação e abertura para dialogar com todos os integrantes da Câmara. Pregou inclusive que comissões temáticas da Câmara não sejam entregues apenas aos deputados de maior destaque, mas também àqueles que têm menos experiência. Ele dedicou a maior parte do discurso destacando sua própria humildade. "Nunca olhei para aquela cadeira pensando que era o auge do poder de uma deputada ou de um deputado e continuo pensando da mesma maneira", disse.
Motta falou apenas indiretamente de temas polêmicos como a ingerência do Supremo sobre pautas do Legislativo. "Juntos, vamos fortalecer institucionalmente a Câmara, manter a sua autonomia e independência em relação aos demais poderes. É salutar compreendermos que uma boa gestão de país se faz com respeito a um pressuposto da harmonia", disse.
Ele também endereçou somente de forma genérica, sem citar nomes, a questão da violação da imunidade parlamentar por operações da polícia ou decisões de ministros do Supremo.
"Queremos uma Câmara forte, com a garantia de nossas prerrogativas e em defesa da nossa imunidade parlamentar. A garantia das prerrogativas parlamentares é essencial para o fortalecimento do povo, pois cada um de nós, deputados e deputadas, está diretamente relacionado aos anseios daqueles que confiaram o voto a cada uma e cada um aqui presente", afirmou.
Após seu discurso, ele foi cobrado pelo também candidato Marcel Van Hattem (Novo-RS) por não ter sido claro em relação a pautas da oposição, como o impeachment de Lula e a cassação de deputados pelo STF.
Orçamento, emendas e anistia aos presos de 8/1 devem ser discutidos na Câmara
Além da negociação de cargos, os apoios do PL e do PT a Hugo Motta foram costurados pelo ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, em torno do debate sobre o projeto de lei que pode conceder anistia aos presos nas manifestações de 8 de janeiro de 2023. Lira prometeu ao PT que o debate seria atrasado e suspendeu a tramitação do tema na Comissão de Constituição e Justiça com a promessa de criar uma comissão especial, que até o momento não saiu do papel.
Ao PL, Lira disse que se a anistia fosse debatida em 2024 não seria aprovada. Ele disse que o projeto continuaria tramitando, mas Hugo Motta não se comprometeu antes de sua eleição a colocar o tema em debate no plenário. A oposição promete continuar pressionando pelo debate do tema, principalmente após o exemplo do presidente americano Donald Trump, que concedeu perdão aos envolvidos nas manifestações do Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
Outro debate que deve concentrar esforços na Câmara em 2025 é a queda de braço entre os poderes pelas emendas parlamentares ao Orçamento. O Legislativo vem ganhando cada vez mais espaço no controle dos investimentos públicos por meio dessas emendas, que permitem que parlamentares enviem recursos para suas bases eleitorais nos estados.
O governo Lula, que acaba ficando com menos verbas para seus projetos, está tentando retomar o controle sobre as emendas. Para isso, vem recebendo ajuda do ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino. Desde o meio do ano passado, ele vem suspendendo o pagamento de emendas para exigir mais transparência no processo.
Em retaliação, o Legislativo cogita votar por uma elevação do valor dos recursos destinados às emendas impositivas, aquelas que o Executivo tem obrigação de pagar.
Para fazer isso, uma das moedas de negociação deve ser a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) a partir da próxima segunda-feira (3). Ela deveria ter sido aprovada em 2024 e o atraso está impedindo o governo de fazer gastos não essenciais. É nessa votação que os parlamentares podem deliberar sobre as verbas das emendas.
Hugo Motta também terá que se posicionar sobre um pedido de impeachment de Lula por supostas “pedaladas fiscais” no programa Pé-de-Meia. Ele também enfrentará pressão da oposição para abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar abusos de autoridade por parte de membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de ter sido protocolado em novembro de 2023, com 171 assinaturas, o colegiado não foi instalado por Lira.
O fim do foro privilegiado também está no radar da oposição. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado, chegou à Câmara em 2017 e, desde então, passou por quase todas as etapas, mas ainda não foi à votação no plenário.
Com 35 anos, Motta é o mais jovem presidente da Câmara
Hugo Motta tem 35 anos e se torna o mais jovem presidente da Câmara dos Deputados. Ele nasceu em João Pessoa, capital da Paraíba, e foi o mais jovem da história do país ao se eleger, aos 21 anos, nas eleições de 2010, com 86.150 votos. Ele está em seu quarto mandato.
Hugo Motta cresceu dentro da política. Ele é filho e neto de deputados e se graduou em Medicina, já durante o exercício como deputado federal.
O berço político da família é a cidade de Patos, um município de 100 mil habitantes no interior da Paraíba. Ela foi comandada entre 1956 e 1959 pelo avô de Motta, Nabor Wanderley. A família foi originalmente ligada ao MDB.
Motta liderou a bancada do Republicanos na Câmara e já foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, em 2015, que apurou denúncias de corrupção na petrolífera. Ele também comandou uma das mais importantes comissões da Casa, a de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara.
Hugo Motta também já foi vice-líder de diversos blocos partidários na Câmara e fez parte da base aliada dos governos Dilma, Temer e Bolsonaro, de quem foi eleitor declarado. Ao mesmo tempo, Motta se aproximou do Planalto desde que seu companheiro de partido, Sílvio Costa Filho, assumiu o Ministério de Portos e Aeroportos, em setembro do ano passado.
Isso ocorreu depois que partidos do chamado centrão pressionaram Lula por cargos na Esplanada dos Ministérios, após a ajuda para aprovar a reforma tributária.
Motta tem votado majoritariamente com o governo. Nos últimos dois anos, ele teve 73,5% dos seus votos no plenário da Câmara alinhados com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e apenas 27,8% com a oposição, segundo o Placar Congresso, idealizado pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS).
Apesar do alinhamento com o governo, a oposição se anima com o fato de Motta ser do Republicanos, partido do governador Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo.
Ele é considerado por muitos parlamentares como um político hábil e com bom trânsito tanto nas alas mais ligadas à esquerda quanto à direita. Motta escolhido por Lira como sucessor em uma reviravolta no ano passado após o apoio inicial do então presidente da Câmara a Elmar Nascimento, do União Brasil. Seu perfil de liderança ainda não é bem conhecido e a forma como vai conduzir a Câmara nos próximos dois anos ainda é uma grande incógnita para a maior parte dos parlamentares da Casa.