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Em seu discurso inicial após a eleição para a Presidência da Câmara, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) defendeu a importância das emendas parlamentares para lutar contra o que classificou como "toma lá, dá cá" e "absolutismo presidencialista". A defesa dessa ferramenta ocorre no momento em que Legislativo e Executivo travam uma queda de braço pelo controle do Orçamento.
Motta fez diversas referências em seu discurso a Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Constituinte entre 1987 e 1988. Motta até repetiu o gesto de Ulysses de levantar a Constuição sobre a cabeça celebrando a promulgação do texto. Ele citou o constituinte 15 vezes em seu discurso. A origem política da família de Motta é no MDB, o partido de Ulysses.
Motta disse o Legislativo tinha perdido suas prerrogativas devido ao Presidencialismo de Coalizão. Esse é um termo que designa o arranjo político em que, na prática, Executivo distribuía cargos, ministérios e verbas para projetos para angariar apoio de parlamentares às pautas de seu interesse no Congresso.
O novo presidente da Câmara disse que ao adotar a Constituição de 1988, o Brasil saiu do "absolutismo presidencial", representado pelo período de regime militar, mas voltou a cair nele. "Resvalamos por outros meios para um absolutismo presidencial que a Constituição não previa, do arranjo, da cooptação do Parlamento, do 'toma lá, dá cá'", disse.
Para ele, o Parlamento só conseguiu retomar sua função original em 2016 com a criação das emendas impositivas. "Por meio da adoção das emendas impositivas, que o Parlamento finalmente se encontra com as origens do projeto constitucional e se afirma", disse em seu discurso.
Por meio das emendas, deputados e senadores conseguem destinar verbas do orçamento para suas bases eleitorais sem a interferência do Executivo. Com isso, acabam se fortalecendo e aumentando a chance de reeleição sem depender de negociações com a Presidência da República.
Por outro lado, nem sempre o repasse de emendas ocorre da forma mais transparente. A Polícia Federal vem investigando uma série de desvios dessas emendas na chamada operação Overclean.
O ministro do STF, Flávio Dino, vem bloqueando o pagamento de emendas desde o meio do ano passado, exigindo mais transparência. Membros do parlamento e analistas políticos têm afirmado que ao fazer isso ele ajuda o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a recuperar o controle sobre o Orçamento e o poder de barganhar o apoio de deputados e senadores a pautas interessantes ao governo.
A Câmara comandada por Hugo Motta tem possibilidade de retaliar o Executivo e o STF aprovando o Orçamento de 2025 com uma elevação nos recursos financeiros destinados às emendas impositivas.
As afirmações de Motta são um sinal de que a Câmara pode criar problemas para o governo aprovar a Lei Orçamentária Anual (LOA) a partir da próxima segunda-feira (3). Ela deveria ter sido aprovada em 2024 e o atraso está impedindo o governo de fazer gastos não essenciais.
Motta defende mais transparência em gastos públicos
"Sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência nas contas que são, por definição, públicas. Temos hoje tecnologias nas plataformas digitais capazes de acompanhar em tempo real cada centavo dispendido por todos os poderes", disse Motta.
Ele afirmou que como o Parlamento é responsável pelo Orçamento, a Câmara deveria trabalhar para oferecer à sociedade "uma plataforma integrada de todos os poderes, todos, para que os brasileiros e as brasileiras possam acompanhar todas as despesas em tempo real de todos os poderes".
Mas além dessas pautas, Hugo Motta também terá que se posicionar sobre pautas da oposição que ele não mencionou em seu discurso. A principal delas deve ser a anistia para os presos das manifestações de 8 de janeiro de 2023.
Embora o PL tenha apoiado sua candidatura com a promessa de que o tema seria discutido, até agora Motta não fez nenhuma menção de que pretende levá-lo adiante. Mesmo assim, a reportagem apurou com parlamentares da oposição que eles estão otimistas que o tema seja levado adiante. Isso porque com o apoio a Motta, a oposição está recebendo cargos da Mesa e em comissões temáticas na Câmara.
Além disso, ele deve ser pressionado a pautar um pedido de impeachment de Lula por supostas “pedaladas fiscais” no programa Pé-de-Meia e abrir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar abusos de autoridade por parte de membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de ter sido protocolado em novembro de 2023, com 171 assinaturas, o colegiado não foi instalado por Lira.
O fim do foro privilegiado também está no radar da oposição. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado, chegou à Câmara em 2017 e, desde então, passou por quase todas as etapas, mas ainda não foi à votação no plenário.
Motta encerra discurso com possível referência a filme sobre ditadura
Motta tem votado majoritariamente com o governo nos últimos dois anos. Ele teve 73,5% dos seus votos no plenário da Câmara alinhados com o governo do presidente Lula e apenas 27,8% com a oposição, segundo o Placar Congresso, idealizado pelo deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS).
Apesar do alinhamento com o governo, a oposição se anima com o fato de Motta ser do Republicanos, partido do governador Tarcísio Gomes de Freitas, de São Paulo. Ele é considerado por muitos parlamentares como um político hábil e com bom trânsito tanto nas alas mais ligadas à esquerda quanto à direita.
Ao longo de seu discurso Motta sinalizou para todos os espectros políticos. "Não existe caminho da direita, caminho da esquerda ou do centro, existe apenas o caminho do Brasil", afirmou. Apesar de criticar a prática do "toma lá, dá cá" do Executivo, ele também pregou harmonia entre os poderes.
"Muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só. Vamos fazer o que é certo pelo bem do Brasil. O Brasil não pode errar. E não podemos deixar que ninguém erre contra o Brasil. Temos de estar sempre do lado do Brasil. Em harmonia com os demais poderes", disse.
O encerramento de seu discurso fez muitos na Câmara identificarem uma referência ao filme "Ainda estou aqui", que relata o período da ditadura militar. Ele afirmou: "Encerro com uma mensagem de otimismo. Ainda estamos aqui. Muito obrigado". O filme conta a história de uma família vítima de violência do Estado durante a ditadura militar. Ele foi indicado ao Oscar, mas é visto como militante por parte da direita.