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Antes mesmo de minar o seu projeto de reeleição em 2026, a acentuada queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - que atingiu agora o pior patamar de seus três mandatos - já torna a governabilidade do país mais complexa, onerosa e repleta de armadilhas.
Pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira (14), revela que só 24% dos eleitores aprovam (bom/ótimo) a gestão do petista, 41% a desaprovam, 32% a tem como regular e 2% não comentam. O menor índice que ele já teve (28%) antes foi entre outubro e dezembro de 2005, no auge do escândalo do mensalão.
Esse cenário, que remete ao segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), assombra o Palácio do Planalto. Além das disputas internas que se intensificam no governo, o próprio Lula pressiona seu entorno para reverter o mau momento, enquanto operadores políticos já contabilizam um “preço” bem mais alto para obter o instável apoio parlamentar.
Na metade do mandato e com dois anos de duras negociações pela frente, Lula enfrenta desafios até para aprovar o Orçamento do ano corrente e tentar emplacar marcas à gestão atual, rumo a uma provável candidatura de reeleição. Para isso, ele busca recursos federais para iniciativas como vale-gás e novos incentivos à indústria. Mas tudo ainda segue sem definição.
Já os presidentes do Congresso – o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) – pregam mais autonomia aos parlamentares e querem garantir ainda mais controle sobre verbas da União. Essa postura agrava a disputa com o Executivo, que tem apoio do Judiciário para, em nome de dar transparência às emendas de comissões, resgatar fatias do Orçamento.
A sustentação do governo depende basicamente dos votos do chamado Centrão, bloco parlamentar informal composto sobretudo por partidos ideologicamente mais flexíveis.
Em meio às dificuldades trazidas pela impopularidade, o governo tentará pautar medidas como a isenção do imposto de renda para quem ganha R$ 5 mil, com contrapartida de aumento de tributação sobre os chamados super-ricos, além de reformar a previdência de militares.
Lula apela ao discurso populista para tentar reverter quadro negativo
Em suas recentes viagens pelo país - passando pelo Amapá, Pará e Rio de Janeiro -, Lula intensificou o tom populista de seus discursos, aproximando-os das campanhas eleitorais. Falou de programa dentário para pobres, dieta com ovo de pata e avestruz e venda de gasolina barata diretamente pela Petrobras. Especialistas alertam que tal reação atabalhoada pode enfraquecer ainda mais a sua influência, criando clima igual ao fim do mandato de Dilma.
Nos bastidores, o jogo de empurra-empurra para apontar responsáveis pela crise de popularidade se acentua. Recentemente, a inflação e a chamada “crise do Pix” foram apontadas como causas, com líderes do PT atribuindo ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, toda a culpa, além do Banco Central (BC) na gestão anterior, de Roberto Campos Neto. Nos últmos dias, ganhou força entre aliados a impressão de que a primeira-dama, Rosângela Lul da Silva, a Janja, foi responsável por isolar Lula da política.
Antes, o peso recaía sobre o ex-ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, que foi trocado pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, um dos artífices do populismo explícito.
“Não adianta. O culpado é o próprio Lula. O governo morreu. Pode fechar o caixão”, diz o deputado Gustavo Gayer (PL-GO). Ele espera que a atual gestão seja abandonada até pelo Centrão, que mira a continuidade no poder.
Inflação de alimentos se junta à percepção de aumento geral da corrupção
Até mesmo os colaboradores mais fiéis de Lula reconhecem que o apoio para o governo no Congresso está longe de estar garantido, o que pode exigir mudanças ministeriais bem mais ousadas do que as especulações até agora ou a abertura de cargos-chave para indicações partidárias em estatais.
Mas essa reestruturação da Esplanada dos Ministérios pode ter chegado tarde demais, visto que os instrumentos de barganha disponíveis já parecem insuficientes. Abrir espaços para União Brasil, PSD, PP e Republicanos deixou de despertar a cobiça de chefes partidários por vários motivos.
O pouco tempo para a exploração eleitoral dos postos de comando, as restrições orçamentárias e, sobretudo, a impopularidade crescente de Lula e do governo tiraram esse apetite.
Para piorar, não é só a economia que está minando a credibilidade do governo. A percepção de falta de liderança moral e de excessiva ostentação de agentes públicos também pesa. Segundo o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional, o Brasil está com a sua pior posição desde 2012, início da série histórica.
Gustavo Gayer lembra que o primeiro sinal forte de perda de prestígio do governo vem do crescente abandono de aliados próximos, como Paulinho da Força (Solidariedade), o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e os sinais claros de afastamento do Centrão, sugeridos por críticas públicas do presidente do PSD, Gilberto Kassab. Esse, inclusive, já abriu canais de diálogo até cm o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Impopularidade afeta economia, planos do PT e a reforma ministerial
Para o consultor político Leonardo Barreto, da Think Policy, as relações entre Lula e o PT poderão atingir seu pior momento dentro do contexto de impopularidade flagrante. “Enquanto o partido quer criar núcleo no Planalto para influenciá-lo, ele pode até ampliar a distância”, avalia.
Ele se refere à movimentação de ministros petistas lotados no palácio para criar um conselho político para monitorar o presidente. O grupo seria instalado com a esperada chegada da deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente do PT, à Secretaria-Geral da Presidência.
Segundo o especialista, a crise de popularidade do presidente ameaça ainda a condução econômica do país e a reforma ministerial ampla. “Uma análise de custo-benefício sugere que, se trocar ministros não resultar em mais apoio político, os desgastes se ampliarão”, comenta.
Barreto afirma que, nos bastidores, há informações de que o presidente se mostra traumatizado com o desfecho trágico do governo Dilma. Nesse sentido, rumores indicam que Lula pode não apenas desistir de candidatar-se à reeleição como também deixaria de indicar o candidato do PT em 2026.
Ruína da popularidade é fruto da frustração do eleitorado cativo de Lula
Analistas ressaltam que a impopularidade recorde de Lula não pode ser atribuída apenas à economia, embora esse seja um fator relevante. Há um conjunto de outros elementos que ajudam a explicar a forte queda na aprovação do presidente, como a sua incapacidade de liderar o país.
“A percepção de que o governo não entregou o prometido frustrou o eleitor mais fiel a Lula. Dentre os indicadores econômicos, a inflação alta dos alimentos afeta diretamente o povo, que não vê avanços no dia a dia”, diz Juan Gonçalves, diretor-geral do Ranking dos Políticos.
O especialista vê também desgaste político de Lula devido à relação conturbada com o Congresso, marcada por falhas de articulação em torno de pautas relevantes, aos embates com setores conservadores, às muitas declarações polêmicas e o reiterado discurso de polarização.
Lula caiu na armadilha do gasto público, que derrubou o governo Dilma
Para o consultor Ismar Becker, Lula repetiu o erro que derrubou Dilma ao apostar em gastos públicos para estimular a economia, sem admitir erros, mesmo com a disparada de inflação e dos juros. “Credibilidade é tudo. Ao se desconectar da realidade, perdeu credibilidade e despertou a reação da sociedade”, diz.
Não por acaso, um dos primeiros resultados da queda de popularidade de Lula foi a melhora do humor dos investidores na bolsa de valores.