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A indefinição sobre quem representará o Partido Liberal em 2026 é avaliada como uma das causas do recente surgimento de candidaturas “outsiders” para o Palácio do Planalto. Figuras como o cantor Gusttavo Lima, o comediante Danilo Gentili e o empresário Pablo Marçal anunciaram suas intenções de concorrer ao Executivo. Isso coloca pressão sobre o Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro, para se posicionar e amplia o protagonismo de partidos do Centrão na disputa presidencial, como o União Brasil.
Bolsonaro vem adotando uma postura cautelosa, evitando desgastes precoces enquanto busca reverter sua inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).O cálculo político do ex-presidente parece estar destinado a recuperar sua elegibilidade a tempo das eleições, mas essa estratégia abre margem para candidaturas de políticos menos tradicionais.
Indagado pela reportagem, um deputado federal próximo a Bolsonaro que pediu para não ter o nome revelado classificou essas candidaturas como “fogo de palha”, sem potencial de avançar. Segundo ele, o sentimento dos parlamentares mais conservadores é que o Centrão busca embaralhar a corrida eleitoral e gerar divisão na base bolsonarista.
Apesar de Gusttavo Lima ter se lançado como candidato a presidente, o governador de Goiás Ronaldo Caiado, do União Brasil, e o empresário Pablo Marçal, do PRTB, tentam convencê-lo a compor chapas na condição de vice. Especulou-se até que o lançamento do nome de Gusttavo Lima teria sido negociado previamente com Caiado, que em breve lançará sua candidatura oficial. Bolsonaro disse que só apoiaria Gusttavo Lima em uma candidatura ao Senado.
O fenômeno das candidaturas "de fora da política", iniciado por Bolsonaro em 2018 e renovado por figuras como Pablo Marçal em 2024, segue moldando o cenário eleitoral brasileiro. De acordo com Juan Carlos Arruda, cientista político e CEO do Ranking dos Políticos, esse movimento reflete a insatisfação do eleitorado com a política tradicional.
"Desde 2018, o eleitorado vem demonstrando insatisfação, abrindo espaço para nomes que prometem renovação ou uma abordagem disruptiva. Em 2024, Pablo Marçal deu novos contornos a esse fenômeno, e agora nomes como Gusttavo Lima exploram essa mesma narrativa, embora com perfis e estratégias distintas", observa Arruda. Esses candidatos "outsiders" têm o potencial de atrair eleitores descontentes, diversificando ainda mais o panorama eleitoral.
O fenômeno não deve cessar ao menos até PL e PT definirem seus candidatos. No lado da oposição, após o anúncio surpresa da candidatura de Gusttavo Lima neste mês, especula-se, por exemplo, sobre o nome do empresário Luciano Hang, mesmo após ele também ter sido declarado inelegível em 2023.
Apesar dessa tendência, o Centrão e o establishment político continuam desempenhando um papel indispensável na política. "Mesmo que candidatos 'outsiders' se elejam, é comum que precisem negociar com o Centrão para governar, devido à experiência e à estrutura consolidada desse bloco", analisa Arruda.
Ele também aponta que a fragmentação eleitoral causada por essas candidaturas pode criar oportunidades estratégicas para o Centrão. "Essa dinâmica pode enfraquecer projetos de oposição ou até gerar alianças pragmáticas. O Centrão, com sua habilidade de se adaptar e negociar, tende a permanecer relevante, independentemente do perfil dos eleitos", conclui.
Perfil de candidatos ‘outsiders’ vem mudando desde 2016
A candidatura de famosos do entretenimento não é novidade para as disputas ao Executivo e Legislativo. Em 1989, o apresentador Silvio Santos tentou disputar a cadeira presidencial contra Luiz Inácio Lula da Silva, mas teve sua candidatura impugnada pelo TSE. O vencedor foi Fernando Collor. Ocorre que, após esse caso, os perfis das candidaturas focaram em personalidades próximas à política ou do meio empresarial.
A eleição de João Dória à prefeitura de São Paulo, em 2016, no entanto, é vista por analistas como o embrião da tendência. Empresário, jornalista e publicitário, o candidato do PSDB buscou negar o caráter político do cargo que iria ocupar, afirmando que era um “gestor”. Um ano depois, o discurso contra a política convencional e contra os partidos do Centrão foi encabeçado pelo então deputado Jair Bolsonaro na campanha que o levou à Presidência da República.
Apesar de se colocarem como de fora da política, ambos tinham vivência da política em São Paulo e em Brasília, o que não ocorre de certo modo com Gusttavo Lima, Danilo Gentili e Pablo Marçal.
O cientista político Antônio Testa destaca que a ascensão de artistas, atletas e religiosos como candidatos à política teve origem na proibição dos showmícios. "Se você fizer uma leitura histórica, verá que isso começou quando proibiram os showmícios. Aí se candidataram artistas, atletas, pastores etc. Vivemos uma nova era", observa Testa.
Ele ressalta, entretanto, que o cenário atual exige mais do que carisma ou popularidade. "A situação social e econômica, e as questões de saúde, emprego e segurança, exigirão candidatos capazes de propor saídas reais", afirma. Testa vê em figuras como Pablo Marçal um exemplo dessa transição. "Marçal é preparado para o debate e gosta de política, pelo que fala. Há, de fato, mudança de perfil", avalia.
Especulações sobre sucessor de Bolsonaro causam ruídos e dividem PL
Se fora do partido a indefinição gera ruídos, dentro do Partido Liberal a situação não é diferente. Inicialmente, o nome do governador Tarcísio Gomes de Freitas era aventado como o sucessor natural de Bolsonaro, mas com a negativa do chefe do Executivo paulista em assumir o posto, o PL iniciou discussões internas sobre a viabilidade do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para representar o pai nas urnas.
Entre os parlamentares da legenda, há divergência: alguns entendem que Eduardo estaria mais alinhado com os ideais do partido, enquanto outros avaliam que Flávio tem maior capacidade de articulação com o mundo político. Nesta semana, Bolsonaro disse que não apoiaria candidaturas dos filhos para a Presidência, mais sim ao Senado.
Por outro lado, a cúpula da legenda também indica querer apostar no apoio a um candidato de outro partido. Recentemente, Valdemar Costa Neto e o governador do Paraná, Ratinho Jr., iniciaram conversas sobre uma eventual composição de chapa entre as duas siglas.
Para o cientista político Antônio Henrique Lucena, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), as indefinições acerca da candidatura do PL também podem expor uma dificuldade de Bolsonaro em consolidar um nome ao qual consiga transferir seu capital político. Parte dessa dificuldade, na visão do analista, pode estar atrelada à opção de Bolsonaro em manter o discurso de que será o candidato do PL em 2026.