O fato de a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, ter liderado uma equipe de ministros - durante uma visita em apoio às vítimas de um ciclone extratropical no Rio Grande do Sul - preocupa a oposição e até mesmo pessoas próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Janja não tem cargo oficial no Planalto.
Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, e que preferem se manter no anonimato, informaram que o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB-SP), que participava da comitiva, acabou sendo "apagado" por Janja - que mesmo sem cargo parecia ter status de ministro. Ele teria ficado constrangido com a situação.
Janja aproveitou a viagem para tentar reverter as críticas de falta de empatia com o povo gaúcho, quando um primeiro ciclone atingiu o estado. No início de setembro, o lado de Lula em viagem oficial à Índia, ela postou uma dancinha nas redes sociais, apagando a postagem logo em seguida.
A situação despertou preocupação na oposição. O deputado Evair de Melo (PP-ES) apresentou uma representação à Procuradoria-Geral da República para solicitar a abertura de inquérito. No ofício enviado à PGR, Melo questionou a competência e legalidade de Janja para supostamente "assumir" a agenda de Lula enquanto o presidente se recupera de uma cirurgia.
"É imperioso sublinhar que, conforme disposto no artigo 328 do Código Penal, a usurpação de função pública é considerada crime. O referido artigo preconiza que "usurpar o exercício de função pública" é crime, e o infrator pode ser punido com pena de detenção, de três meses a dois anos, e multa", pontua o deputado.
Na visão de Melo, a primeira-dama teria "assumido" a responsabilidade pela agenda de Lula, o que "é um fato grave e tem que ser apurado. Por trás disso temos uma carta de intenções. Se fosse uma agenda normal, Lula e Janja juntos, seria normal", opina o parlamentar.
"Quem deu esse protagonismo a ela [Janja]? Geraldo [Alckmin] foi consultado?", questiona Evair de Melo.
A reportagem indagou a Secretaria de Comunicação da Presidência da República sobre a possível usurpação de funções públicas por Janja. O órgão informou apenas que "a primeira-dama não irá assumir a agenda presidencial".
PSB nega constrangimento e insatisfação com posição no governo
Parlamentares do PSB negaram qualquer tipo de mágoa ou descontentamento com a posição do partido dentro do governo Lula. Mas interlocutores dizem que há, sim, um certo "ressentimento" depois que Márcio França foi deslocado do Ministério de Portos e Aeroportos para a nova pasta do Empreendedorismo, para acomodar Sílvio Costa Filho, do Republicanos, na Esplanada.
O próprio Geraldo Alckmin já teria dito a interlocutores estar incomodado. Deputados dizem que tudo não passa de boato, e a assessoria do partido também nega descontentamentos ou rachas internos.
Juan Carlos Gonçalves, CEO do Ranking dos Políticos, disse que desde o início do governo Lula já se previa que Janja teria papel de destaque na equipe do presidente. Ele diz acreditar que isso pode enfraquecer figuras influentes, incluindo o vice-presidente.
"O PSB está, sim, sendo enfraquecido na gestão Lula. Alckmin teve que ceder uma parte de seu ministério para que Márcio França não ficasse ao relento. O desafio do PT será equilibrar vários pratos entre os diferentes partidos políticos de sua coalizão e atender aos seus diferentes interesses. A questão será como equalizar a dinâmica com as ações de Janja", afirma
O professor de Ciências Políticas do Ibmec Belo Horizonte Adriano Cerqueira vai além e se referiu ao "protagonismo" de Janja como uma "humilhação pública" para Alckmin.
"Está sendo até uma humilhação pública, na minha avaliação, [para o vice-presidente]. Ele deveria ser empoderado quando o presidente se afasta".
Analistas dizem que participação ativa de Janja pode gerar problemas ao governo
Para o cientista político Adriano Cerqueira, da Universidade Federal de Ouro Preto, a influência da primeira-dama nas agendas e assuntos de governo, muitas vezes até divergindo do próprio Lula, pode acarretar problemas e gerar desconforto na base aliada.
"Evidentemente uma pessoa aparecendo cada vez com maior influência, e que ainda é mulher dele, isso gera um problema com relação a seus aliados. Mas a maior questão é política: os partidos podem se sentir desprestigiados", afirma.
Já o analista Jorge Mizael, da Metapolítica, diz que, mesmo sem um vínculo institucional, Janja tem buscado dar visibilidade a pautas que acredita, mais do que à implementação de políticas ou tomada de decisões, até porque não tem "caneta", nem orçamento para isso.
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