“O combate à corrupção saiu da pauta judicialmente, mas não saiu da cabeça das pessoas. Você nunca mais vai ouvir ‘vou votar nele porque ele rouba, mas faz’.” A declaração é de Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, durante evento online realizado pelo Instituto GRPCOM. A percepção da empresária também vale para o setor produtivo: a Operação Lava Jato mudou para melhor as empresas brasileiras.
“Não é mais a mesma cabeça que era antes da Lava Jato. As empresas estão desenvolvendo um nível de compliance muito forte. Corrupção tem no mundo inteiro, mas no Brasil a gente escancarou o problema nos últimos anos”, disse Luiza Trajano. Compliance é um termo em inglês usado para definir regras internas nas empresas para garantir relações éticas nos negócios.
Líder de uma empresa de um setor bastante diferente, Roberto Simões, CEO da Braskem, também lembrou recentemente do impacto da Operação Lava Jato para as organizações brasileiras.
“O setor privado teve uma participação negativa muito importante nos eventos recentes, que fizeram com que algumas mudanças de comportamento e de expectativa acontecessem, inclusive em função da operação Lava Jato”, disse Simões em entrevista para um podcast sobre compliance divulgado pela empresa.
A própria Braskem esteve envolvida na Lava Jato, admitiu participação no esquema, firmou um acordo de leniência e, a partir daí, passou a adotar novas regras de compliance.
Roberto Simões lembrou que o setor privado “tem um papel fundamental [no combate à corrupção], inclusive para brigar para não aceitar perder um padrão em relação ao que se conquistou nesses últimos anos”. Mas ele admitiu que o assunto deixou de fazer parte das preocupações de uma parcela dos brasileiros: “Uma parte da sociedade entrou em descrédito sobre esse assunto”.
Mas não foi apenas o setor privado que mudou por causa da Lava Jato. A própria Petrobras, que esteve no centro do esquema de corrupção desvendado pela Lava Jato, só sistematizou um sistema de compliance após o começo das investigações. Hoje, a estatal tem a Diretoria de Governança e Conformidade, cujo principal objetivo é justamente evitar que a empresa se envolva novamente em casos de corrupção.
No mês passado entrou em vigor a Lei nº 14.133/2021, que atualiza as normas gerais para licitação de obras e contratação pelo poder público no Brasil. A lei traz uma evolução: empresas que dispõem de programas de compliance ganham pontos em procedimentos licitatórios. Em contratos de grande vulto, a existência do programa passa a ser obrigatória e, caso ausente, deve ser implementado no prazo de seis meses da contratação. Isso significa que programas de compliance são hoje um ativo para as empresas.
Com a Lava Jato, empresas aprimoraram práticas de compliance
Diferentes pesquisas corroboram a percepção dos executivos Roberto Simões e Luiza Trajano de que a Lava Jato contribuiu para aprimorar as boas práticas das empresas brasileiras. A maior operação de combate a desvios de dinheiro público da história do Brasil ajudou também a acelerar a adaptação das empresas a uma legislação que entrou em vigência um ano antes da deflagração da Lava Jato: a Lei Anticorrupção, aprovada em 2013 como resposta às manifestações de rua de junho daquele ano
De acordo com o estudo Maturidade do Compliance no Brasil, produzido pela empresa de auditoria KPMG e divulgado em 2019, o percentual de empresas sem uma área exclusivamente dedicada à conformidade legal e ética caiu de 19% para 3% em apenas quatro anos, a partir de 2015, quando a Operação Lava Jato já havia começado. Em 2019, 73% dos executivos seniores diziam reforçar rotineiramente entre suas equipes a importância do compliance. Em 2015, eram 58%.
Em 2016, a Câmara Americana de Comércio fez uma pesquisa com 160 gestores empresariais. O resultado foi de que, para 60% deles, as operações anticorrupção estavam provocando impacto direto no programa de integridade da organização – percentual semelhante aos 61% que citavam a entrada em vigor da Lei Anticorrupção, de 2013, como um fator decisivo.
Já a pesquisa Integridade Corporativa no Brasil, realizada pela empresa de auditoria Deloitte em 2018, identificou a intenção de os gestores adotarem em suas organizações uma lista de 15 boas práticas corporativas – incluindo auditoria interna, auditoria externa, código de ética e de conduta e comprometimento da alta administração com essas práticas.
Segundo a pesquisa da Deloitte, 24% das organizações buscavam implementar programas nessa linha em 2012. Apenas quatro anos depois, em 2018, a estimativa era que o percentual havia alcançado em 46%, com previsão para chegar a 65% até 2020.
“O resultado reflete uma sofisticação do ambiente regulamentar no país, com a entrada em vigor de importantes leis [como a Lei Anticorrupção e a Lei de Governança em Estatais], bem como o impacto das investigações conduzidas pela operação Lava Jato”, descreve o relatório que apresenta a pesquisa.
Entre as empresas ouvidas pela Deloitte, 84% afirmaram que o compliance colabora para melhorar o resultado financeiro, na medida em que reduz riscos. A falta de conformidade com a legislação gera preocupação, em especial, com a imagem da companhia e com a sustentabilidade da organização no longo prazo. Os danos para a imagem de empresas investigadas pela Lava Jato, por exemplo, foram enormes. Algumas chegaram a mudar de nome – a Odebrecht, por exemplo, passou a se chamar Novonor. Outras anunciaram reformas amplas em seus mecanismos de conformidade. Várias estão proibidas de participar de licitações.
Outro levantamento, realizado pela consultoria ICTS Protiviti, identificou que um aumento substancial do monitoramento realizado por empresas em seus fornecedores e prestadores de serviços para garantir boas práticas. Em 2015, foram listadas 2.476 diligências. Em 2019, 9.079 – um aumento de 267%. O período avaliado coincide com a atuação da Lava Jato.
Mais liberdade econômica significa menos corrupção
A Lava Jato deu um impulso para melhorar o ambiente de negócios no país. Mas, por outro lado, a melhoria do ambiente de negócios também pode contribuir para reduzir a corrupção no país. A burocracia e as amarras desnecessárias determinadas pelo Estado às empresas criam dificuldades para que agentes governamentais possam vender facilidades.
“A fim de reduzir os níveis de corrupção, é fundamental aumentar os níveis de liberdade econômica”, diz Leonardo Köppe Malański, doutorando em Administração na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e coautor de uma pesquisa que identifica relações significativas entre crescimento econômico, corrupção e liberdade econômica.
Com base em indicadores de países emergentes do Pacífico Asiático e da América Latina, referentes ao período de 2000 a 2017, o estudo indica que a liberdade econômica é moderadora da relação entre corrupção e crescimento econômico. “Em ambos os continentes, quando maior a liberdade econômica, na média, maior o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita”, diz a pesquisa.
“A corrupção mina os esforços de crescimento econômico quando os custos para fazer negócios aumentam em decorrência do preço das propinas, do custo de gerenciar negociações e do risco de haver brechas nos acordos ou na detecção de irregularidades”, afirma a pesquisa.
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