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Militar em treinamento contra terrorismo em Brasília, em 2016
Militar em treinamento contra terrorismo em Brasília, em 2016| Foto: Andre Borges/Agência Brasília

O projeto que cria uma nova lei antiterrorismo no Brasil foi aprovado na quinta-feira (16) por uma comissão especial da Câmara constituída para discutir o assunto. Defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, o projeto é criticado pela Organização das Nações Unidas (ONU), pela oposição e por alguns procuradores, que dizem que o texto é vago e abre margem para arbitrariedades. Agora, a lei antiterror segue para votação no plenário – a data ainda não foi agendada. Se for aprovada pelos deputados, vai para o Senado.

Foi o próprio Bolsonaro quem originalmente apresentou o projeto antiterrorismo em 2016, quando era deputado. O texto foi resgatado em 2019 pelo líder do PSL na Câmara, o deputado federal Vitor Hugo (GO).

O projeto cria um sistema de combate ao terrorismo dentro da estrutura do governo federal, subordinado à Presidência da República. A proposta também cria a Política Nacional Contraterrorista (PNC). E, a partir dela, são constituídos o Sistema Nacional Contraterrorista (SNC) e a Autoridade Nacional Contraterrorista (ANC).

O estabelecimento da PNC, segundo o projeto, fará com que o combate ao terrorismo seja estruturado de forma unificada, sob comando da ANC. Esta autoridade, de acordo com o texto, será subdividida em autoridades policial e militar, com atribuições distintas.

Além disso, a proposta define como medidas antiterroristas tanto ações repressivas quanto preventivas. Nas ações repressivas estão descritas medidas como operações das Forças Armadas ou de equipes policiais. Já entre os atos preventivos, de acordo com o projeto, estão medidas como o monitoramento de grupos suspeitos de terrorismo, a fiscalização de faixas de fronteira e a elevação de segurança em locais que a proposta define como "infraestrutura crítica" – o que inclui portos e aeroportos.

Outra medida prevista no texto é o estabelecimento do excludente de ilicitude para agentes públicos que estejam atuando em ações antiterroristas. Pelo excludente de ilicitude, forças policiais ou militares têm menos responsabilidades legais por atos cometidos contra civis durante "combates". Ou seja, os agentes do Estado podem não ser punidos. O projeto estimula ainda a infiltração de agentes do Estado disfarçados dentro de movimentos em que há suspeitas de terrorismo.

O texto que está sob apreciação dos parlamentares é um substitutivo elaborado pelo deputado Sanderson (PSL-RS), aliado do presidente da República. O parlamentar manteve os principais pontos da redação de Bolsonaro e de Vitor Hugo. Mas acrescentou outros dispositivos, como a possibilidade de entidades de combate ao terrorismo terem acesso a dados reservados de pessoas sob investigação.

Tanto Sanderson quanto Vitor Hugo, em entrevistas sobre o tema e em manifestações em suas redes sociais, disseram que a proposta se justifica principalmente pelo seu caráter preventivo. Os parlamentares reconhecem que o Brasil historicamente não é é alvo de ações terroristas. Mas dizem ser necessário que uma estrutura de combate ao terror seja criada antes que casos venham a ocorrer. Em seu relatório, Sanderson diz também que o Brasil já registrou episódios de "terrorismo interno", o que motiva legislações com esse teor.

Para associação de procuradores, oposição e ONU, lei antiterror é perigosa

O projeto enfrenta resistência da oposição ao governo Bolsonaro, mas também de entidades que representam procuradores de Justiça. As críticas se posicionam em duas vertentes. Uma é de que a legislação pode ser aplicada para reprimir movimentos sociais e outros grupos que façam oposição aos governos. A outra é de que o texto é pouco preciso em sua definição de terrorismo, abrindo caminho para arbitrariedades.

Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) declarou que "leis que combatem o terrorismo podem causar fortes impactos nos direitos fundamentais e na democracia" e que a iniciativa "estabelece conceitos genéricos relacionados ao crime de terrorismo".

A análise de que o texto é vago em suas definições de terrorismo é habitual entre os adversários de Bolsonaro e se baseia, por exemplo, em um trecho do projeto que determina que ações antiterroristas podem ser aplicadas mesmo sobre ações que não tenham sido inicialmente identificadas como terrorismo, "mas que com ele se identificam por iguais características por levarem perigo à vida humana, serem potencialmente destrutivo em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave".

Opositores de Bolsonaro contestam o fato de que as futuras forças antiterrorismo, se implantadas como prevê o projeto, estarão vinculadas diretamente à Presidência da República. Para esses parlamentares, a ação estabelece uma instituição desconectada dos outros entes de segurança pública e com a possibilidade de ter seu comando afetado por interferências políticas.

"A única finalidade dessa lei é criar uma polícia secreta do Bolsonaro", criticou o deputado federal Paulão (PT-AL), em debate sobre o projeto no dia 16. Também oposicionista, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) disse que a iniciativa tem sido vista por forças de segurança como a proposta que "cria a KGB do Bolsonaro". A KGB citada pela parlamentar foi a polícia secreta da antiga União Soviética, célebre pela perseguição de adversários políticos do regime comunista.

O projeto da nova lei antiterror também está sendo criticado fora do Brasil. A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, a chilena Michelle Bachelet, afirmou recentemente que a proposta pode motivar perseguição a movimentos sociais e grupos que lutam pela causa ambiental.

Manobra regimental permitiu que projeto avançasse na Câmara

Não foi apenas o teor do texto que motivou críticas à nova lei antiterror, mas também o modo como a proposta voltou a tramitar na Câmara. Para deputados adversários de Bolsonaro, a retomada da discussão foi resultado de uma manobra regimental questionável.

O texto foi apresentado por Bolsonaro em 2016, mas não teve uma tramitação definitiva – de aprovação ou reprovação – durante aquela legislatura, que se encerrou em fevereiro de 2019. Pelo regimento da Câmara, na abertura de uma nova legislatura, propostas como a de Bolsonaro (que deixou a Câmara para assumir a Presidência) são automaticamente arquivados.

Vitor Hugo, que se elegeu pela primeira vez para a atual legislatura, "resgatou" a proposta de Bolsonaro e apresentou um texto com o mesmo teor do projeto do hoje presidente. Sua iniciativa, porém, ficou paralisada nas "gavetas virtuais" da Câmara por cerca de dois anos. O projeto estava para ser apreciado por três comissões distintas até o início de 2021, mas não houve avanços concretos em nenhuma delas.

Vitor Hugo, então, submeteu seu projeto para análise da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara. Com isso, acionou um dispositivo do regimento interno da Casa que veta a análise simultânea de uma proposição por quatro comissões, e determina o estabelecimento de uma comissão especial para que a proposta seja discutida.

Essa comissão foi constituída em março pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e teve como presidente o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES). Ambos são aliados do presidente Bolsonaro.

Brasil tem lei antiterror desde 2016; e ela já foi usada

O Brasil já tem, desde o começo de 2016, uma lei antiterror. Essa legislação já foi usada, por exemplo, para prender um grupo de brasileiros, supostamente ligados ao Estado Islâmico, que planejou atentados terroristas durante a Olimpíada do Rio de Janeiro, realizada poucos meses após a lei entrar em vigência. Em 2017, integrantes do grupo foram condenados pela Justiça.

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