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Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do Progressistas, anunciou aos líderes partidários que criará mais um grupo de trabalho na Casa para discutir a questão das prerrogativas parlamentares. Essa é uma pauta cara para a oposição e para deputados que se ressentem de medidas judiciais contra membros do Parlamento e as seguidas invasões de competência do Judiciário.

Além disso, Arthur Lira disse aos líderes, em reunião realizada na tarde desta terça-feira (16), na residência oficial da Câmara dos Deputados, que vai deliberar sobre os requerimentos para instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que aguardam decisão da Mesa Diretora para começar a funcionar.

Entre elas está mais uma pauta prioritária para os partidos de direita e centro: a CPI do Abuso de Autoridade, que foi protocolada ainda no ano passado, com assinaturas de deputados de diversas legendas, e que busca investigar, entre outros pontos, excessos praticados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A definição de uma pauta que vai contra os interesses do que se convencionou chamar na política do "consórcio" firmado entre STF e Governo, para alguns, pode ser encarada como uma reação do presidente da Câmara ao apoio declarado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, desafeto pessoal de Lira, que na semana passada chamou o responsável pela articulação política do Planalto de incompetente.

Já o líder PSB na Câmara, deputado Antônio Brito (PSD-BA), afirmou à Gazeta do Povo que embora o fato tenha existido - as declarações de Lira e o posterior apoio do governo ao ministro -, o estabelecimento da pauta não significa necessariamente uma revanche, mas, sim, o alinhamento da Câmara dos Deputados a demandas da sociedade e dos próprios parlamentares.

Lira acusou o ministro de ter vazado declarações à imprensa de que estaria enfraquecido em sua posição de presidente da Câmara, após a votação que decidiu manter a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Antes da votação houve articulação de parlamentares para votar pela derrubada da prisão, em uma reação a ordens do Supremo Tribunal Federal (STF) que miram parlamentares. A prisão foi mantida, mas com uma margem de apenas 20 votos.

"Essa notícia […] foi vazada pelo governo e, basicamente, pelo ministro Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, incompetente", afirmou o presidente da Câmara na quinta-feira (11), ao ser questionado se teria ficado "enfraquecido" com a manutenção da prisão de Brazão.

Logo depois do comentário, Padilha publicou um vídeo em que Lula faz comentários positivos sobre o ministro. O presidente da República disse ainda que, "só por teimosia", Padilha permanecerá no cargo.

Nos bastidores de Brasília, circula a informação de que Lira já teria "pedido a cabeça" de Padilha, o que fez com que Lula passasse o comando das negociações com o presidente da Câmara para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ainda que informalmente.

O Partido dos Trabalhadores também divulgou nota em solidariedade a Alexandre Padilha, em que reiterou que "é inegável a competência e a capacidade do ministro Padilha, tanto no atual governo quanto nas inúmeras oportunidades em que serviu aos interesses do povo brasileiro".

Desde o começo do mandato Lula 3, o governo tem dificuldades em negociar com os parlamentares e o clima ficou pior depois que o presidente editou, durante o recesso legislativo do começo do ano, uma Medida Provisória (MP) que limitava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia – na contramão do que o Congresso havia aprovado em 2023. Diante da falta de articulação política, o governo teve que voltar atrás e propor um projeto de lei para discutir a questão.

Outro ponto de atrito foi o corte de aproximadamente R$ 5 bilhões em emendas parlamentares de comissão. O governo não quer incluir esse montante no orçamento e tenta negociar com deputados e senadores para que o veto que Lula impôs a essas emendas não seja derrubado pelo Congresso. A expectativa é de que a primeira sessão conjunta de Câmara e Senado no ano para discutir os vetos presidenciais ocorra nesta quinta-feira (18).

Às desavenças entre Executivo e Legislativo, soma-se o veto parcial de Lula ao projeto de lei que restringiu as "saidinhas" dos presos, aprovado pelo Congresso. Com a decisão do governo, presos do regime semiaberto podem sair para visitar as famílias “por motivos humanitários”. Parlamentares da oposição prometem a derrubada de mais esse veto de Lula.

Governo sai perdendo na briga com Lira, garantem analistas

Entre analistas em política, há o entendimento de que quem sai perdendo mais é o governo na briga entre Lira e Padilha, já que precisa da articulação do presidente da Câmara para avançar a agenda do Executivo no Congresso.

"O governo precisa muito mais de Arthur Lira do que Arthur Lira do governo", resume o professor de Ciências Políticas Adriano Cerqueira, do Ibmec de Belo Horizonte. Ele acrescenta que Lira se mostra mais independente do governo do que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Ele pontua ainda que as declarações de Lira contra Padilha podem contribuir para tornar a permanência do ministro no cargo insustentável, com um custo político maior para o governo, que poderia se ver forçado a substituir o articulador político.

As eleições municipais, avalia Cerqueira, devem acirrar os ânimos ainda mais, devido à disputa sobre as liberações de verbas da saúde e a possível intenção do atual presidente da Câmara dos Deputados de concorrer ao governo de Alagoas.

O cientista político Elton Gomes, da Universidade Federal do Piauí, também é enfático ao afirmar que a expectativa de poder de Padilha é baixa. Ele lembra que o ministro tem sido questionado dentro do seu próprio grupo político e tem sofrido com a dificuldade de conseguir entregar o que promete no sistema de barganhas e trocas do presidente.

“Mesmo nas matérias nas quais o governo tem afinidade com a maioria dos congressistas, o preço negocial tem sido elevado, a fatura que o governo tem pago tem sido muito alta, então Padilha está sendo questionado dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, visto como alguém que não tem sido capaz de entregar aquilo que o governo precisa entregar para garantir o apoio parlamentar”, pontuou o analista.

Gomes também afirmou que o presidente da Câmara, ao abrir publicamente as diferenças com o ministro das Relações Institucionais, tem um plano claro: forçar o governo a tirar Alexandre Padilha do cargo. “Se Lira fez isso, ele fez sabendo que o ministro já está enfraquecido numa queda de braço dentro do próprio PT e que ele, então, busca criar condições para que uma outra figura seja designada para essa função”, salientou.

Tensão entre Lira e Padilha vem desde o início do governo Lula

A tensão entre Arthur Lira e Alexandre Padilha vem desde o início do terceiro mandato de Lula à frente do Palácio do Planalto, e ficou nítida em maio do ano passado, quando o governo quase teve que enfrentar uma derrota na Câmara com o fim da validade da medida provisória (MP) que reformulava a Esplanada dos Ministérios. Na época, Lira disse que faltava articulação política com o Congresso, numa crítica direta ao trabalho do ministro das Relações Institucionais.

E a cada votação importante do governo, que dependia de negociações com o Congresso, a animosidade aumentava, embora ambos tentassem disfarçar. Após o episódio dos vetos sobre as emendas e a desoneração, no final do ano passado, Lira fez um discurso contundente no começo do ano legislativo da Câmara, cobrando que o governo honrasse os acordos fechados com o Parlamento, num recado claro ao Planalto e a Padilha, a quem cabia a articulação.

Lira se referia principalmente ao corte nas emendas parlamentares, instrumento fundamental com que os parlamentares contam para atender suas bases eleitorais. As críticas ganharam peso ainda maior por 2024 ser um ano de eleições municipais.

Na própria sessão de reabertura do ano legislativo, em fevereiro, ao chegar à Câmara dos Deputados, Padilha afirmou que as relações institucionais entre os poderes "estavam bem", e que divergências eram normais, discurso reforçado por Rui Costa e por aliados do governo.

Um dos principais pontos de discórdia entre Padilha e Lira, na avaliação de alguns parlamentares, é o comando do Ministério da Saúde, cobiçado pelo Centrão, liderado por Lira, e que tem forte influência de Alexandre Padilha, com várias indicações de cargos na pasta. Lula tem resistido a esses avanços, não só pela relevância política do ministério, mas também pelo grande volume de recursos que a pasta gerencia.

Após a aprovação da reforma tributária – quando os partidos do Centrão (PP, União e Republicanos) cobraram a fatura pela votação da matéria após décadas de tramitação sem sucesso –, a substituição da ministra da Saúde foi a primeira a ser levantada, mas Lula conseguiu segurar Nísia Trindade na pasta, oferecendo outros ministérios – Esportes, Turismo e Portos e Aeroportos, além da Caixa Econômica Federal – às legendas.

O presidente da Câmara inclusive liderou um movimento de parlamentares, em fevereiro deste ano, pedindo ao Ministério da Saúde esclarecimentos sobre a destinação de recursos da pasta, em meio a denúncias de supostos favorecimentos a aliados do governo.

Também pesa contra Nísia a explosão de casos de dengue no país, com recorde de casos e mortes pela doença, além da demora em adotar medidas preventivas para combater uma epidemia em diversos pontos do país. Neste meio tempo, a ministra também sofreu desgaste após a divulgação de uma nota técnica, posteriormente derrubada pelo próprio ministério, que permita a interrupção da gravidez a qualquer momento da gestação em casos de estupro, anencefalia e risco de morte para mãe.

Na avaliação do deputado José Nelto (PP-GO), a gestão da saúde é "péssima" e a manutenção de Nísia no cargo, assim como a permanência de Padilha na função de negociador com o Congresso, é típica do Partido dos Trabalhadores, para "não abandonar os companheiros". O deputado completou usando um antigo bordão de programa humorístico que dizia “vai para casa, Padilha”.

As relações institucionais e a sucessão de Lira na Câmara

Embora fosse ideal contar com apoio do Planalto ao seu candidato para a sucessão na presidência da Câmara, em fevereiro de 2025, é pouco provável que o escolhido por Arthur Lira seja prejudicado pela guerra com Padilha, já que os partidos de centro e direita têm maioria na Casa.

Lira e Padilha vivem uma relação tumultuada desde o início do governo Lula, com repetidas criticas do presidente da Câmara ao trabalho de Padilha, que se mantém no cargo com apoio declarado do presidente Lula. A relação desandou de vez depois de Padilha ter insinuado um enfraquecimento de Lira por tentar articular pela derrubada da prisão de Brazão, a mando da justiça, o que provocou a reação de Lira, que abertamente disse que Padilha é seu desafeto pessoal.

O líder PSB na Câmara, deputado Antônio Brito disse que o estabelecimento da pauta não significa necessariamente uma revanche, mas o alinhamento da Câmara dos Deputados a demandas da sociedade e dos próprios parlamentares, que são cobrados pela população sobre estes temas. “Lira pediu para avançar no debate da questão [prisão de Brazão], e como tratá-la. O fato ocorreu, e as ilações acabam ocorrendo em cima dos fatos”, disse Brito.

Deputados vão analisar propostas sobre fim do foro e prerrogativas parlamentares

Além do grupo de trabalho definido ainda na semana passada para discutir propostas que garantam a liberdade de expressão, após o sepultamento do PL das Fake News, o deputado Antônio Brito disse que Lira vai criar um grupo para tratar de outro assunto que há tempos está na lista de prioridades da oposição: a discussão sobre prerrogativa parlamentar. E essa análise pode incluir o debate sobre uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que exige autorização prévia das mesas diretoras da Câmara e do Senado para realização de mandados de busca e apreensão, e operações determinadas pela justiça contra deputados e senadores.

A PEC foi apresentada pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE) no início deste ano, após investidas da Polícia Federal contra os deputados Carlos Jordy e Alexandre Ramagem, ambos do Partido Liberal do Rio de Janeiro, e que foram alvos de mandados com revistas nos gabinetes dentro da Câmara dos Deputados.

Na opinião de Valadares, que também é vice-líder da minoria na Câmara, essa discussão é oportuna e importantíssima, por buscar o reequilíbrio entre os poderes.

“A cada dia nossas prerrogativas são vilipendiadas. Deputados hoje estão impedidos do livre exercício do seu mandato, sobretudo no que tange à liberdade de expressão. Ou reafirmamos a independência do Poder Legislativo ou iremos caminhar para uma ditadura do Poder Judiciário”, opinou Valadares.

Outra questão que pode avançar, na mesma linha, é a que trata do fim do foro privilegiado. Lira sinalizou aos líderes partidários a vontade de avançar com uma outra proposta de emenda à Constituição que altera as regras atuais, caso se confirme a tendência do STF de ampliar o alcance do foro especial de autoridades. Na semana passada os ministros formaram maioria neste sentido.

Na Câmara, os deputados deverão tentar construir uma proposta para definir quem julgará parlamentares e autoridades. Segundo o líder da oposição na Câmara, Filipe Barros (PL-PR), é importante que a pauta avance, mas a decisão depende de um alinhamento político.

“O que hoje está em debate são essas duas teses: ou 1ª instância ou nos Tribunais Regionais Federais”, explicou. “A gente está avançando, conversando com os líderes, cada líder partidário, conversando com as suas bancadas. Como é uma PEC, o quórum é qualificado. A gente não quer correr o risco de eventualmente levar uma pauta dessa a plenário. E perdemos”, afirmou Barros.

Lira vai decidir sobre instalação de CPIs       

Mais de um mês após o início do ano legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, disse que vai analisar quais Comissões Parlamentares de Inquérito serão instaladas na Câmara neste 1º semestre de 2024. Conforme a Gazeta do Povo já mostrou anteriormente, há diversos requerimentos de criação de CPIs aguardando deliberação do presidente da Câmara desde o ano passado, quando foram protocolados junto à mesa diretora da Casa.

São diversos temas que os parlamentares pretendem investigar, desde denúncias de prostituição e abuso na Ilha de Marajó, no Pará, até irregularidades em companhia de abastecimento de energia elétrica, passando pela comissão que quer apurar e coibir excessos do Judiciário.

Essa, por sua vez, tem sido tentada desde 2022 pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), que enfrentou vários percalços na busca por apoio, e viu a iniciativa morrer na praia com o fim da legislatura. Em 2023, o parlamentar teve que começar do zero a busca por novos apoios, e enfrentou resistências de colegas que tinham assinado o pedido anteriormente e acabaram mudando de ideia.

Mas a morte de Cleriston Pereira da Cunha, em maio de 2023, durante o banho de sol no presídio da Papuda, em Brasília, deu novo fôlego ao pedido. Ele estava preso por ter participado das manifestações do 8 de janeiro, que terminaram com a depredação de prédios públicos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já havia se manifestado pela sua soltura dele, em razão de comorbidades, mas o pedido de soltura não foi analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O episódio acabou incentivando parlamentares a apoiar a CPI, que busca investigar se os ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) violaram direitos e garantias fundamentais, praticaram condutas arbitrárias não compatíveis com o devido processo legal, cometeram atos de censura e abusaram de sua autoridade.

Na opinião de Van Hattem, as investigações são urgentes para que se apure medidas recentes tomadas pelo Judiciário. "Infelizmente, tem sido comum vermos ministros do TSE e do STF extrapolando suas competências e tomando para si decisões que são do Legislativo e do Executivo. Esse abuso de autoridade precisa de um basta e é para isso que estamos propondo a CPI", destacou o deputado.

Para que uma Comissão Parlamentar de Inquérito seja instalada na Câmara dos Deputados é preciso atender alguns requisitos, como assinatura de 1/3 dos parlamentares, fato determinado e prazo. Segundo explicou a consultora legislativa Deborah Wajngarten, o prazo de funcionamento deve ser de até 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Já o fato determinado se refere a um acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do país.

O analista Juan Carlos Gonçalves, do Ranking dos Políticos, afirmou que o presidente da Câmara pode mesmo estar adotando uma postura de reação aos últimos fatos políticos que envolvem seus anseios pessoais, como a vontade de “fazer” um ministro na saúde, ao definir o avanço de pautas que podem incomodar tanto o STF quanto o governo.

Segundo Gonçalves, esse pode ser o principal motivo da animosidade entre Lira e Padilha, que com aval de Lula, detém boa parte das indicações de cargos na pasta. “Esses eventos podem desencadear uma série de ações entre a Câmara dos Deputados e o Palácio do Planalto’, pontuou o analista.

Para ele, além das questões pessoais entre Lira e Padilha, a preocupação deve estar voltada aos interesses nacionais, para que essa crise não tenha impactos sobre a governabilidade e a estabilidade do país.

Embora tenha feito acenos com pautas que interessam diretamente à oposição na Câmara, Arthur Lira ainda não definiu prazo para o início dessas discussões. Os líderes deverão indicar os membros dos grupos de trabalho que ainda serão criados para discutir a liberdade de expressão e a garantia de prerrogativas parlamentares, além do fim do foro privilegiado.

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