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Ao recorrer contra a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que bloqueou as emendas de comissão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), expôs o papel do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na distribuição desses recursos. A petição que pede a liberação dos mais de R$ 4 bilhões foi protocolada nesta sexta-feira (27) junto à Corte, Dino não acatou os argumentos e cobrou que a Câmara preste novos esclarecimentos até às 20h.
Na petição, a advocacia da Câmara argumenta que o ofício com as indicações sobre as emendas de comissão, assinado por Lira e por mais 17 líderes partidários, incluindo o do governo, José Guimarães (PT-CE), contou com a anuência de diversos órgãos do governo Lula. Os pagamentos só foram liberados após pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU), da Casa Civil, além da análise de quatro ministérios: Fazenda, Planejamento e Orçamento, Gestão e Inovação e Relações Institucionais.
"Repudiam-se, assim, as afirmações do autor [da ação] de que qualquer ato tenha sido realizado à sorrelfa, às escondidas ou à margem da legalidade", argumentou o documento da Câmara.
Antes disso, na quinta-feira (26), Arthur Lira, já havia cobrado que os ministros do governo Lula envolvidos na liberação das emendas viessem à público prestar os esclarecimentos. Segundo o presidente da Câmara, o acordo com o governo teria sido acertado em 9 de dezembro durante uma reunião com o presidente no Palácio do Planalto.
"Esperamos que no fim do recesso natalino os ministros que estão retornando possam esclarecer os procedimentos, como foram feitos e tratados, fruto daquela reunião numa segunda feira com o presidente Lula, quando ele teve o procedimento médico a fazer, com a presença do presidente do Senado, ministros, e foi acertado todo procedimento pra liberação orçamentária de 2024", disse Lira.
Após o acordo acertado nessa reunião, Lira suspendeu os trabalhos de todas as comissões entre 12 e 20 de dezembro, último dia de trabalho na Câmara em 2025. Durante esse período, os deputados fizeram um esforço concentrado para aprovarem a regulamentação da reforma tributária e o pacote de cortes de gastos – matérias de interesse do Palácio do Planalto.
“Todos os atos foram feitos dentro dos acordos entre Executivo, Legislativo e conversas com o Poder Judiciário, obedecendo aos trâmites legais internos”, frisou o presidente da Câmara.
Ao questionar a decisão de Dino, Lira afirmou que a suspensão do funcionamento das comissões não teve relação com as emendas e que é "praxe nesta Casa, quando se verifica a necessidade de apreciação pelo Plenário de matérias urgentes e relevantes para o país".
Governo Lula acatou indicações feitas por Lira e líderes da Câmara
Em 17 de dezembro, a Casa Civil, comanda pelo ministro Rui Costa, deu um parecer permitindo que líderes das bancadas assumissem a postulação da lista de emendas de comissão. Pelas regras, as indicações sobre as destinações desses recursos deveriam ser referendas por todos os membros dos colegiados e não apenas pelo presidente da Câmara junto aos líderes.
Na prática, a Casa Civil atestou a validade do ofício que foi encaminhado pelo presidente da Câmara para a destinação dos recursos. A medida, no entanto, foi duramente criticada por parlamentares, como a líder do Novo, Adriana Ventura (SP).
"Os líderes se vestiram de seres iluminados e, além de mudar a indicação feita, seja por deputados, seja por presidente das comissões, falaram como presidentes de comissão. Então, eles passaram por cima de todos os deputados e passaram por cima dos presidentes das comissões. Percebemos que poucas pessoas dispõem do dinheiro da Nação para benefício próprio, para alimentar seus redutos eleitorais", criticou a parlamentar.
Ao se reunir com Lula no Alvorada nesta quinta, Lira afirmou que as medidas adotadas pela Câmara estavam previstas na legislação e foram feitas com o aval do próprio governo. Segundo integrantes do Planalto, o petista sinalizou que não haverá politização do caso e disse que o governo não pretendia agir para perseguir Lira.
Ao pedir o desbloqueio dos recursos, a advocacia da Câmara diz repudiar a insinuação de desobediência a qualquer decisão do STF.
“Esta Casa, tanto neste processo como em todos nos quais atua perante a Corte, o faz com boa-fé e observância do princípio republicano. Nestes autos, inclusive, deu integral cumprimento às determinações do Relator e do Tribunal, ao passo em que interpôs os recursos cabíveis. Feitos esses esclarecimentos, pleiteia-se a reconsideração ou revogação de todas as medidas determinadas na decisão de 23 de dezembro”, diz o documento.
Dino mantém bloqueio e determina que Câmara responda de forma objetiva
A decisão de Dino que bloqueou os R$ 4,2 bilhões das emendas de comissão na segunda-feira (23) respondeu a ações apresentados pelos partidos Novo e PSol. O ministro entendeu que houve um "apadrinhamento" dos recursos pelos líderes partidários, o que na prática impede a identificação dos verdadeiros parlamentares que fizeram os pedidos de distribuição.
Ao recorrer da decisão, a advocacia da Câmara argumentou que a denúncia feita pelos partidos “não corresponde à verdade e revela profundo desconhecimento do processo legislativo orçamentário”.
"A argumentação dos peticionantes não corresponde à verdade e revela profundo desconhecimento do processo legislativo orçamentário. Essas informações imprecisas e descontextualizadas", diz o documento.
Apesar disso, o ministro do STF proferiu nova decisão no final da manhã desta sexta-feira, mantendo o bloqueio dos recursos, e cobrou que Câmara responda de "forma objetiva os questionamentos sobre emendas". O prazo para a resposta encerra às 20h.
Segundo Dino, "lamentavelmente, da Petição hoje protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais, que serão novamente requisitadas, em forma de questionário para facilitar a resposta".
Ainda de acordo com o ministro, o STF tenta viabilizar a execução das emendas desde agosto de 2024, mas Câmara chegou ao fim do ano “insistindo em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e da rastreabilidade, imperativos para a regular aplicação de recursos públicos”.
No documento, o ministro reforça que emendas indicadas por líderes não existem na Constituição, e que não há preceito normativo para que uma emenda seja destinada sem aprovação por uma comissão.
“Observo que Emendas do Presidente da Casa ou do Presidente da Comissão, de Líderes Partidários e da Mesa da Casa Legislativa, até o momento, não existem na Constituição e nas leis nacionais”, afirma Dino.
A Câmara também deve enviar ao STF, ainda hoje, as atas que comprovem aprovação das indicações (ou especificações) das emendas. Em nota, a Casa do Legislativo informou que a área jurídica vai analisar e responder o que foi solicitado pelo ministro.